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contas públicas

- Publicada em 09 de Julho de 2017 às 23:12

Corte no Orçamento passa a comprometer serviços públicos

Por falta de recursos, emissão de passaportes está suspensa há duas semanas no País

Por falta de recursos, emissão de passaportes está suspensa há duas semanas no País


/FREDY VIEIRA/JC
Primeiro foi o anúncio de que já não havia dinheiro para emitir passaportes. Na sequência, a Polícia Rodoviária Federal avisou que reduziria horários de atendimento ao público e até as rondas nas estradas para se adequar à redução no Orçamento. Os casos não são isolados. Por causa do corte de R$ 39 bilhões no Orçamento Federal deste ano, diversos órgãos começam a ter problemas para operar e, inclusive, para oferecer serviços à população.
Primeiro foi o anúncio de que já não havia dinheiro para emitir passaportes. Na sequência, a Polícia Rodoviária Federal avisou que reduziria horários de atendimento ao público e até as rondas nas estradas para se adequar à redução no Orçamento. Os casos não são isolados. Por causa do corte de R$ 39 bilhões no Orçamento Federal deste ano, diversos órgãos começam a ter problemas para operar e, inclusive, para oferecer serviços à população.
Relatos de falta de dinheiro pipocam em diferentes áreas. O corte já compromete o caixa de órgãos emblemáticos, como Receita e Polícia Federal. Os melhores termômetros do aperto são as empresas públicas Serpro e a Dataprev, que atuam no setor de tecnologia da informação e têm clientes entre órgãos do governo. Ambas são vítimas de "fogo amigo financeiro": têm dificuldade de receber de empresas da própria União.
Na área de infraestrutura, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), responsável pelos projetos do setor elétrico, chegou ao ponto de pedir doações de equipamentos. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) tem recursos apenas para não interromper obras básicas. A Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT) trabalha com menos de 60% de funcionários necessários para o porte de sua estrutura. O recém-anunciado programa Avançar, criado na atual gestão para fomentar investimentos em obras públicas, pode morrer na largada por falta de recursos. Na área ambiental, na qual Icmbio foi uma das instituições das mais afetadas, a preocupação é como manter abertos parques nacionais quando, em alguns, falta dinheiro até para garantir a alimentação dos funcionários.
José Fernando Cosentino, consultor de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados, explica que a margem de manobra do governo para cortar é estreita. Dos quase R$ 1,3 trilhão de despesas, menos de R$ 150 bilhões são passíveis de cortes - enquadram-se como despesas discricionárias. O resto é gasto obrigatório por lei, como Previdência e salários, cujo custo não para de aumentar e vai "comendo" os recursos disponíveis. "O corte nas despesas está no osso e não surpreende que comece a afetar alguns serviços", diz.
O governo cortou cerca de 26% das despesas discricionárias. Mas é preciso olhar cada pasta para saber o efeito do corte, explica Vilma da Conceição Pinto, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). O ministério da Justiça ficou sem 43% dos recursos previstos, e faz sentido que Polícia Federal e Polícia Rodoviária reclamem de falta de dinheiro. Nesses órgãos também estão categorias de funcionários públicos mais organizadas e independentes, com poder de pressão e resistência a ajustes financeiros mais severos, dizem os especialistas na área.
No Ministério da Educação, o corte foi de 18%. Universidades federais começam a sentir dificuldade para pagar contas básicas, como a de luz. O ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, discorda da avaliação de que o aperto já afeta a prestação de alguns serviços e o funcionamento de parte da máquina pública. No Ministério da Fazenda, porém, o secretário de Acompanhamento Econômico, Mansueto Almeida, reforça que, se a recuperação demorar, o governo tomará medidas duras: "Se for preciso, vamos cortar nas despesas obrigatórias, com planejamento, mas vamos", diz.
Na avaliação da economista Ana Carla Costa, sócia da Oliver Wyman, consultoria estratégica de negócios, há dois lados na situação que se veem. O primeiro é que os órgãos públicos, nos últimos anos, se acostumaram a cortes para cumprir tabela: "No fim, se precisassem, o dinheiro aparecia, mas agora a equipe econômica não vai aceitar isso. Corte é corte", diz. Mas Ana Carla e outros economistas afirmam que o cenário fiscal se complica agora, porque o governo optou por um ajuste brando no curto prazo. Questionam, em especial, o reajuste do salário dos servidores. Como a inflação despencou, e a receita não reage, eles pesam mais do que o previsto.

EPE pede doação a empresários

Como o investimento é o item mais fácil de se cortar, a área de infraestrutura é a primeira a ser atingida por contingenciamentos. Um exemplo mais recente de como esses cortes podem ser profundos está na situação da Empresa de Planejamento Energético (EPE). Ela é responsável por determinar a expansão do parque elétrico, definindo onde, como e quando serão construídas usinas e linhas de transmissão, por exemplo. Em sua página na internet, a EPE está pedindo doação de equipamentos.
Em nota, declarou que falta dinheiro. Solicitou R$ 33,95 milhões para cobrir despesas de 2017. Recebeu R$ 17,9 milhões. Porém, feito o corte, o valor caiu para R$ 9,6 milhões. Recorreu ao Ministério das Minas e Energia, e conseguiu elevar o montante para R$ 14,6 milhões.
Segundo a nota, a EPE vem sofrendo historicamente com contingenciamentos. Já cortou gastos com energia, internet, limpeza, recepção, vigilância. Tem postergado a contratação de serviços de consultoria, de renovações de licenças e aquisição de softwares, importantes para o trabalho da empresa. Como o estatuto da EPE permite doações, a direção recorreu a essa alternativa para tentar atualizar os computadores, que têm idade média de seis anos - são defasados para o nível de sofisticação exigido pela função da EPE.
Empresários e executivos do setor de energia declararam que avaliam fazer contribuições, mas consideraram "surreal" a situação da empresa e o pedido. Preocupa, principalmente, se as doações poderão interferir nos critérios dos projetos, de forma a beneficiar quem doe mais.

Órgãos devem também a Serpro e Dataprev

A restrição financeira imposta aos ministérios pelo contingenciamento tem impedido, inclusive, que alguns deles paguem por serviços contratados de empresas da própria administração pública. Os dois maiores exemplos são o Serpro e a Dataprev, que atuam no segmento de tecnologia da informação. Como as duas têm elevado grau de dependência dos órgãos federais, o contingenciamento acaba drenando boa parte de suas receitas.
O Serpro, maior empresa pública de prestação de serviços na área, tem atrasado pagamentos a fornecedores diante da inadimplência de quatro órgãos que são seus clientes. O valor em atraso chega a R$ 109 milhões. "Claro que isso tem impacto, há um descasamento de caixa", diz a diretora-presidente do Serpro, Glória Guimarães. "Temos atraso com fornecedores e acabamos pagando multas por isso", explica ela.
A Dataprev, responsável pela gestão da base de dados sociais do País, enfrenta dificuldades semelhantes. Cinco clientes atrasaram pagamentos, de R$ 98 milhões no total, com a empresa. O valor significa uma inadimplência de 25% sobre tudo o que foi faturado neste ano.
"Se esse for o nível máximo, se não piorar, podemos atravessar o ano de forma equilibrada. Mas temos preocupação se houver agravamento. Sabemos que é ano difícil, o esforço do governo para cumprir a meta fiscal é grande", diz o diretor de Finanças e Serviços Logísticos da Dataprev. A Receita Federal é um dos principais clientes da Serpro, e faltam recursos no órgão responsável pela arrecadação. Técnicos preveem dificuldades, inclusive, para pagar o Serpro. Procurada pela reportagem, a Receita não quis comentar.