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Teatro

- Publicada em 25 de Julho de 2017 às 15:12

Convite de jogo se realiza plenamente

Tenho comentado que, apesar ou até por causa da crise econômico-financeira do País, a atual temporada de artes cênicas tem nos proposto alguns espetáculos alternativos bastante interessantes. É o caso, por exemplo, de El juego de Antonia, assim, mesmo, em espanhol. Aliás, boa parte da representação ocorre com os dois atores a dialogarem entre si, ou com o público que os rodeia, em espanhol, ou algo aproximado. El juego de Antonia inspira-se livremente num texto dramático do poeta cubano contemporâneo Virgilio Piñera, peça chamada Dos viejos pânicos. De fato, deparamo-nos com dois velhos que se digladiam entre si e à vista do público, que buscam tornar conivente com suas mazelas ou suas ações.
Tenho comentado que, apesar ou até por causa da crise econômico-financeira do País, a atual temporada de artes cênicas tem nos proposto alguns espetáculos alternativos bastante interessantes. É o caso, por exemplo, de El juego de Antonia, assim, mesmo, em espanhol. Aliás, boa parte da representação ocorre com os dois atores a dialogarem entre si, ou com o público que os rodeia, em espanhol, ou algo aproximado. El juego de Antonia inspira-se livremente num texto dramático do poeta cubano contemporâneo Virgilio Piñera, peça chamada Dos viejos pânicos. De fato, deparamo-nos com dois velhos que se digladiam entre si e à vista do público, que buscam tornar conivente com suas mazelas ou suas ações.
A dramaturgia vem assinada por Luciana Paz (a atriz do espetáculo, enquanto a referida Antonia) e André Carreira, que também assina a direção. A cenografia é de Kadi Silva e imagino que, embora mantenha os elementos básicos, enfrenta alterações em cada lugar em que o espetáculo é encenado. Porque é bom que se diga, desde logo, que as locações para El juego de Antonia são incomuns. Quando de sua estreia, o espetáculo foi apresentado na residência da diretora de cinema Ana Luiza Azevedo, da Casa de Cinema. Quando fui conhecer o trabalho, estava sendo encenado numa das salas do prédio principal do Museu de História de Porto Alegre - Museu Joaquim José Felizardo. O que temos de básico é a sala de um antigo casarão, onde um velho semidecrépito (na encenação, Sérgio Lulkin, excelente) se diverte recortando figuras humanas das páginas de velhas revistas, figuras estas guardadas cuidadosamente e que terão sentido dramático na segunda parte do espetáculo. O velho dialoga com os espectadores, à medida em que eles vão chegando e se assentando nas cadeiras disponíveis. Na noite em que fui, o espetáculo lotou e foi necessário buscar mais cadeiras em outras salas do museu. Mas ninguém se incomodou com isso.
A chegada da mulher - a Antonia do título - vivida por Luciana Paz, dá início propriamente ao espetáculo que é relativamente curto, pois não chega a uma hora. A mulher apressa-se a servir cachaças e vinhos, além de biscoitos e salgadinhos, aos espectadores, tratados como convidados, não se sabe - naquele primeiro momento - exatamente para o quê. Enquanto isso, dirige críticas ao homem por sua ocupação aparentemente insana.
Num momento seguinte, a mulher provoca maior interação com a plateia. Ela convida a alguns dos espectadores a idealizar com ela uma cena de assassinato. Como estamos no teatro, porém, alerta ela, a arma do crime será de mentira. Parece que, conforme a noite em que o espetáculo é apresentado, a arma pode mudar, sendo uma faca, um revólver, um estrangulamento, enfim, depende da vontade dos espectadores. Seja como for, o crime se consuma, e chegamos ao terceiro momento do trabalho.
Neste terceiro e último momento, o público é convidado a deixar a sala e dirigir-se a uma peça contígua. Ali, vamos encontrar o velho que nos havia recebido - morto, e já disposto num caixão. É o momento da despedida, momento em que a mulher apropria-se daquelas imagens cortadas das revistas, pelo velho, e as distribui, como máscaras, de certo modo, entre os espectadores que agora se tornaram, na verdade, testemunhas do assassinato e, neste momento, do velório do morto. E assim o espetáculo se encerra.
Há uma aparente gratuidade nesta sequência toda, mas se prestarmos atenção, veremos que não é bem assim. El juego de Antonia é, na verdade, o jogo que todos nós experimentados no dia a dia: a sobrevivência e suas alternativas. Por isso, enquanto Antonia joga, nós também jogamos com ela. A diferença é que ela busca a morte do homem, e nós, ignorantes do que ocorre, acompanhamo-la com curiosidade e, porque não reconhecer, até mesmo certa morbidade, quando descobrimos o morto. E é este debate que o espetáculo propõe. Os figurinos de Itiana Passetti sugerem uma época remota, mas não chegam a ser esplendentes: na verdade, os velhos experimentam a decadência de sua antiga opulência. A preparação vocal de Marlene Goidanich, e o preparo com a língua espanhola, por Ana Gabriela Vazquez, permite que ambos os atores possam se apresentar com desenvoltura e naturalidade, vencendo as consequentes dificuldades impostas pelos diferentes espaços em que o espetáculo ocorre. Assim, num primeiro momento, colocamo-nos com evidente curiosidade frente ao que descobrimos à medida em que adentramos os espaços escolhidos para a dramatização. Depois, somos convidados a uma interatividade que é aceita por boa parte do público, ainda que algumas pessoas se mantenham refratárias a tal aproximação. Nos momentos finais do espetáculo, então, quando do enterro, combinam-se, de certo modo, o distanciamento de alguns e a plena integração de outros. Seja como for, o espetáculo alcança plenamente seus objetivos.
A produção de Alexandre Vargas, para o Centro de Pesquisa Teatral do Ator é bem cuidada, embora se possa imaginar não ser fácil. A ambientação deve obedecer, certamente, a um planejamento geral, mas precisa se adaptar o melhor possível a cada ambiente em que o espetáculo se concretiza. Neste sentido, El juego de Antonia se coloca como um simulacro, literalmente, um jogo - não apenas de Antonia - quanto de todos nós, que acabamos por também aderir a sua proposta.
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