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Publicada em 09 de Julho de 2017 às 12:56

A nova Osvaldo Aranha

JONATHAN HECKLER/JC
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Bruna Oliveira
Coração do bairro Bom Fim, a avenida Osvaldo Aranha é parte importante da vida de Porto Alegre. Criada no século XIX e emoldurada pelas altas palmeiras, a via é figura carimbada em retratos, canções e no imaginário dos porto-alegrenses. Para além disso, desde a década de 1920, a 'Osvaldo' se destaca como um dos braços principais do comércio de rua na Capital.
Coração do bairro Bom Fim, a avenida Osvaldo Aranha é parte importante da vida de Porto Alegre. Criada no século XIX e emoldurada pelas altas palmeiras, a via é figura carimbada em retratos, canções e no imaginário dos porto-alegrenses. Para além disso, desde a década de 1920, a 'Osvaldo' se destaca como um dos braços principais do comércio de rua na Capital.
De lá para cá, muitas lojas especializadas em móveis, armarinhos e confecções ajudaram a contar a história da avenida, que começa na Praça Argentina e termina na Rua Ramiro Barcelos. O status de manter uma vitrine aberta na região, no entanto, já viveu dias melhores. Afetada em grande parte pelos efeitos da crise econômica, a rua viu minguar o comércio local. O fechamento de lojas que eram tradicionais na região abriu espaço para um novo perfil de empreendimentos, mudando a cara da avenida.
O alto custo do aluguel é queixa comum entre os lojistas que ainda resistem. Em média, os valores variam de R$ 8 mil a 20 mil, o que encarece muito o custo de operação dos negócios. Somada a isso, a queda acentuada no poder de compra dos consumidores dificulta ainda mais a situação financeira das lojas, que, não raro, acabam sucumbindo. Em levantamento feito pela reportagem na primeira semana de junho, foram identificados 18 pontos fechados ao longo das nove quadras que concentram o comércio na avenida, na extensão que vai do túnel da Conceição à rua Ramiro Barcelos. Muitos deles, nomes tradicionais do segmento de móveis da Capital, que há anos encontravam na avenida um ponto de destaque para este ramo do varejo.
A nova cara do comércio de rua da Osvaldo Aranha é um movimento natural de ajuste ao atual momento econômico, na avaliação do presidente do Sindicato dos Lojistas do Comércio de Porto Alegre (Sindilojas), Paulo Kruse, e segue uma tendência observada também em outros importantes pontos tradicionais da Capital, como a avenida Farrapos. O cenário de crise leva à saída de lojas que eram tradicionais para a chegada de outros segmentos que conseguem se manter melhor nesta situação, como os serviços, as grandes redes e as franquias.
“Com o nicho de mercado estabelecido na Osvaldo Aranha, com grande fluxo no fim de semana devido ao Parque da Redenção, ao Hospital de Pronto Socorro (HPS), entre outros equipamentos, alguns operadores aproveitam a brecha e assumem estes pontos”, observa Kruse.
A grande oferta de espaços vagos para aluguel e compra também evidencia a pouca atratividade de algumas quadras nos últimos anos. A parte mais cobiçada para abrir negócio ficou mais restrita, concentrando-se nas quadras entre as ruas Fernandes Vieira e Ramiro Barcelos. O trecho praticamente lotado, sobretudo por serviços, tem grande movimentação por causa da parada de ônibus, dos hospitais e da proximidade do Parque Farroupilha. “Hoje o glamour da Osvaldo Aranha está em um pedaço muito curto, de, no máximo, três quadras. O restante, principalmente o que se aproxima da extremidade em direção ao Centro, está bastante desvalorizado”, confirma Vinícius Medeiros Wurdig, gerente comercial da imobiliária Adacon.

Da boemia às noites vazias

Matéria especial sobre situação do comércio na avenida Osvaldo Aranha. Muitas lojas e salas estão fechadas, a venda ou para alugar.

Matéria especial sobre situação do comércio na avenida Osvaldo Aranha. Muitas lojas e salas estão fechadas, a venda ou para alugar.

JONATHAN HECKLER/JC
Tradicional reduto da boemia porto-alegrense nos anos 1980, a avenida Osvaldo Aranha viu mudar também sua vida noturna nos últimos anos. O ponto que era circuito do rock e do punk hoje tem noites na penumbra e movimento escasso na maior parte da semana. A situação melhora de quinta à domingo, embora sem a expressividade dos tempos áureos, graças principalmente a dois antigos conhecidos dos porto-alegrenses que seguem na ativa: a Lancheria do Parque – este só até às 23h30min durante a semana e às 22h aos domingos –, e o Bar Ocidente. E o auditório Araújo Vianna, em dias de shows. Bom Fim adentro, outros bares se encarregam de receber o público órfão da Osvaldo.
Praticamente solitário no mesmo endereço onde resiste há 37 anos, o Ocidente já viveu muitas fases desde que despontou como referência noturna na Capital.
"Boa parcela do público ainda nos procura pelas lendas. Mas há uma dificuldade à medida que os nossos frequentadores vão envelhecendo. Tem uma geração nova que não nos conhece e nos acha caretas"
Fiapo Barth. Proprietário do bar Ocidente
Voltar a ser o que era, no entanto, não é uma pretensão dos comerciantes nem dos moradores do bairro, avalia Barth, que vê uma desvantagem do Bom Fim em relação a outros polos noturnos que se consolidaram na cidade nos últimos anos, como os bairros Cidade Baixa e Moinhos de Vento. “Há uma mudança na avenida muito em parte pela crise econômica. Da Cauduro para lá (túnel da Conceição), a Osvaldo está morta. Aqui resistiu porque era tradicional”. Além disso, as queixas em relação ao barulho e à sujeira das noitadas é reclamação recorrente toda vez que uma volta da boemia se ensaia no bairro.
Apesar da nova cara da noite na Osvaldo, a continuidade do Ocidente, segundo o empresário, tem a ver com o projeto histórico e cultural que a casa se propõe a manter de pé. “Nós batalhamos muito pela continuidade do Bar além do retorno monetário. Os planos futuros são o que sustentam o Ocidente”, diz.

Saem os móveis, entram os serviços

JONATHAN HECKLER/JC
Se as tradicionais lojas de móveis enfrentam dificuldades para se manter na avenida, a mudança de ares passa pela chegada mais incisiva dos serviços. Academias, estacionamentos, farmácias e restaurantes são cada vez mais frequentes, ocupando os espaços que estavam vagos.
Matheus Pinto, coordenador financeiro do curso preparatório Premed, credita o fácil acesso à avenida como um dos fatores de escolha para o local, inaugurado em março deste ano. O corredor de ônibus da Osvaldo, importante braço de ligação entre diversos bairros e o Centro, permite que alunos de diferentes regiões da Cidade e região Metropolitana de Porto Alegre cheguem à avenida. Segundo a Empresa Pública de Transporte (EPTC), 29 linhas utilizam o corredor de ônibus da Osvaldo em suas rotas, sem contar lotações e linhas metropolitanas.
Além da acessibilidade, o perfil dos moradores e das pessoas que frequentam o bairro também influencia no ramo dos negócios. As academias, recorrentes nesta “nova fase” da Osvaldo, apostam na presença massiva dos estudantes, que costumam circular pela redondeza justamente pela proximidade de universidades, escolas e cursinhos pré-vestibular.

O ponto bem localizado e a demanda compensam o negócio, diz Amorim

Bruna Oliveira/Especial/JC

Instalada há quatro anos onde antes exista uma loja de móveis, a academia Live Fitness, na quadra entre as ruas Garibaldi e Santo Antônio, tem hoje cerca de 450 alunos ativos. Felipe Amorim, um dos sócios, diz que, apesar do aluguel caro na região, o ponto bem localizado e a demanda compensam o negócio. “É um público diferente do que frequenta as academias tradicionais, porque tem um perfil que é próprio de quem mora ou transita pelo Bom Fim”, comenta.
O perfil autêntico do bairro também é lembrado por Gustavo Werner, sócio proprietário do Frenzy Saloon, que define o Bom Fim como “uma Londres de Porto Alegre”. O descolado salão de beleza com loja de roupas mudou da rua General João Telles para o ponto atual justamente pela visibilidade que o espaço maior daria ao negócio. Há pouco mais de um ano no número 878 da avenida, o empresário diz que a mudança na Osvaldo é nítida, sobretudo pelo público “mais jovem, descolado e com gosto pelo design” que não se via antes e agora transita com mais frequência.

Os que resistem

JONATHAN HECKLER/JC
Aos que resistem com as portas abertas, a saída é encontrar alternativas para manter o negócio vivo. Para estar na vitrine, porém, é preciso pagar caro. Com os altos preços dos aluguéis, resta aos comerciantes negociarem com as imobiliárias os valores dos contratos, ou até mesmo reduzir a presença no bairro. Foi o caso da Móveis Scalabrin, situada no número 540 da avenida, que fechou o depósito que mantinha na vizinha avenida Cauduro para concentrar o estoque no mesmo local da loja e, assim, enxugar custos. A loja ocupa o mesmo ponto da avenida há 22 anos, quando se mudou da avenida Independência para fazer parte do conceituado polo moveleiro da Osvaldo. Os desafios desde então, no entanto, são muitos.
Andréia Pantaleão, filha do proprietário e vendedora da Scalabrin, cita a crise econômica, que desde o ano passado vem fazendo cair a média mensal de vendas na loja, e a falta de acessibilidade como as principais dificuldades. Neste último ponto, a comerciante alega que as obras no corredor de ônibus da avenida ajudaram a afastar o público que circulava pelo local. “O que nos mantém é a fidelização do público e o bom atendimento”, diz.
A crise bateu também na quadra ao lado, onde a Móveis Schwartz resiste há 45 anos. As lojas da marca, localizadas entre as ruas Garibaldi e Tomaz Flores, são as duas únicas que restaram de um total de oito lojas Schwartz que existiam na cidade. “Nós somos sobreviventes”, decreta Sérgio Schwartz, proprietário dos endereços e quase solitário na quadra de frente à esquina do colégio Instituto de Educação. “Em 2016, o quadro começou a sinalizar que algo estava doente na economia. Em três meses, as vendas caíram 30%. Infelizmente, a situação perdurou”, avalia.
Uma a uma, o empresário lembra das lojas que viu fechar na vizinhança, muitas delas do mesmo ramo que o seu. Algumas migraram para outros polos de venda de móveis, como a avenida Ipiranga e os shopping centers. Outras, fecharam de vez. Apesar do alto custo dos aluguéis, no entanto, Schwartz acredita que o problema não é exclusivo da Osvaldo Aranha, e sim do País como um todo, que recém este ano começa a ensaiar uma recuperação econômica.

“Nós somos sobreviventes”, diz Schwartz

Bruna Oliveira/Especial/JC

Para o presidente do Sindicato dos Lojistas do Comércio de Porto Alegre (Sindilojas), Paulo Kruse, o entrave em torno do aluguel é uma dificuldade geral no comércio da Capital, que afeta tanto os empresários de rua quanto os de shoppings. “O proprietário, às vezes, não negocia o valor de aluguel que o comerciante sugere e a loja encerra as atividades. O ponto fica parado e a imobiliária fecha mais barato com outro que chega. É uma falta de visão comercial”, afirma Kruse.
Para o gerente comercial da Adacon, Vinícius Medeiros Wurdig, no entanto, o valor médio dos aluguéis na avenida atualmente está abaixo do que já se cobrou em outros tempos. Ainda assim, muitas lojas estão fechando. “Nas quadras mais valorizadas da Osvaldo, já teve negociação de aluguel que custava R$ 15 mil e baixou para R$ 10 mil. Pelo momento do mercado, nós entendemos que é melhor fazer negociações porque um imóvel desocupado demora muito mais para se ocupar”, argumenta Wurdig.
O ponto próprio, na maioria dos casos, é o que garante a sobrevivência dos comerciantes na avenida por mais tempo. Aberta em 1935 pelo judeu polonês Jacob Katz, a Ao Crochet é a loja mais antiga em funcionamento na Osvaldo, comandada, hoje, pelas herdeiras Regina e Raquel. A lojinha apertada entre as ruas General João Telles e Fernandes Vieira é referência tradicional no comércio de armarinhos e testemunhou as diversas mudanças na avenida ao longo das décadas, desde os anos em que a esposa do escritor Érico Veríssimo, Mafalda Halfen Volpe, entrava na loja para comprar linha, aos tempos de hoje, que misturam os novos clientes aos que voltam para matar a saudade.
Atenta às “mutações da rua”, Regina vê com bons olhos os novos negócios que lhe fazem companhia na Osvaldo. “Não atrapalha em nada, só faz enriquecer. É um bairro com parque, lojas, supermercado, hospital... Esse bairro tem vida”, diz a proprietária, que, com otimismo, espera que a loja permaneça aberta “até quando der”.

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