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Teatro

- Publicada em 18 de Junho de 2017 às 16:20

Atualidade de Pai Ubu

Uma passada rápida por São Paulo e ida a dois espetáculos bem diversos, também por motivos variados. Marco Nanini está completando 50 anos de carreira promovendo a reencenação de Ubu Rei, de Alfred Jarry, peça do ano de 1896, mas profundamente atual, porque fala a respeito da ambição pelo poder político. Em 2005, o Teatro Nacional São João, do Porto/Portugal, estreou a peça em temporada memorável, editando, pela primeira vez, em língua portuguesa, os quatro textos de Jarry ligados ao personagem Pai Ubu: Rei Ubu, Ubu aguilhoado, Ubu cornudo e Ubu no outeiro, em tradução dos originais de Luísa Costa Gomes (Edições Campo das Letras). Os três outros textos continuam inéditos nos nossos palcos.
Uma passada rápida por São Paulo e ida a dois espetáculos bem diversos, também por motivos variados. Marco Nanini está completando 50 anos de carreira promovendo a reencenação de Ubu Rei, de Alfred Jarry, peça do ano de 1896, mas profundamente atual, porque fala a respeito da ambição pelo poder político. Em 2005, o Teatro Nacional São João, do Porto/Portugal, estreou a peça em temporada memorável, editando, pela primeira vez, em língua portuguesa, os quatro textos de Jarry ligados ao personagem Pai Ubu: Rei Ubu, Ubu aguilhoado, Ubu cornudo e Ubu no outeiro, em tradução dos originais de Luísa Costa Gomes (Edições Campo das Letras). Os três outros textos continuam inéditos nos nossos palcos.
Em 1985, o Teatro do Ornitorrinco, de São Paulo, também apresentara Pai Ubu, num espetáculo movimentadíssimo, que trazia, em parte, a herança do Oficina, de José Celso Martinez Corrêa, num estilo que se convencionou chamar de tropicalista e que certamente tinha muito a ver com a própria perspectiva dita surrealista de Jarry. A montagem de Marco Nanini, que é dirigida por Daniel Herz, é bem mais conservadora. Ao lado de Nanini está Rosi Campos, que vive a Mãe Ubu e que vem da produção anterior do Ornitorrinco. A produção da Cia. Atores de Laura é bem organizada, utilizando relativamente poucos elementos de cena (como, aliás, indicam as rubricas do texto original) substituídas por objetos variados. Tudo se passa numa perspectiva circense e carnavalesca, em que Pai Ubu, depois de ser recebido na corte do rei da Polônia, decide por assassiná-lo e a sua esposa, afim de tomar o poder. O filho do velho rei foge e vem se vingar, mas Ubu também o mata e configura definitivamente seu poder. Decide, então, viajar para a França, país da igualdade, da liberdade e da fraternidade. A ironia de Jarry não poderia ser mais ferina, se considerarmos que, poucos anos depois, a França estaria envolvida na Primeira Grande Guerra. A oportunidade do texto é muito feliz: qualquer coincidência, por certo, não é nenhum acaso.
O texto de Jarry é fragmentário. É, enquanto texto e enquanto sugestão de espetáculo, absolutamente experimental e inovador. A própria linguagem denotativa quebra padrões de bom comportamento:
Pai Ubu - Merdra?! // Mãe Ubu: Isto está bonito, Pai Ubu, sempre me saíste um grande malandro./ Pai Ubu: Olha quinda levas, Mãe Ubu./ Mãe Ubu: Não a mim, Pai Ubu, mas a outro é preciso assassinar./ Pai Ubu: Plo meu rabo verde, não entendo/ Mãe Ubu: Como assim, Pai Ubu, dai-vos por satisfeito?/ Pai Ubu: Pelo meu rabo verde, merdra, senhora, mas é claro que estou satisfeito. Outros se contentariam co menos: capitão de dragões, oficial da confiança do rei Venceslau, condecorado com a Ordem da Águia Vermelha da Polônia e antigo rei de Aragão, quereis melhor?/ Mãe Ubu: Ora essa! Depois de terdes sido rei de Aragão contentai-vos em levar à parada meia centena de rufias de espeto à cinta, quando podíeis fazer suceder nessa cachimônia a coroa da Polônia à de Aragão?
Se Pai Ubu quebra o decoro linguístico - aquele "merdra" celebrizou-se no teatro internacional - é Mãe Ubu quem comanda o espetáculo. Pai Ubu é violento mas imbecil. Mãe Ubu é ardilosa e não se contenta com pouco. Instiga o marido ao crime (como a rainha em Macbeth, de Shakespeare? - estranha coincidência...) - e depois de consumado o crime, trata ela mesma de afastar o marido, assumindo o trono.
Na sucessão dos fatos, o filho do rei assassinado retorna, apenas para ser também morto. Jarry lança mão de uma série de fontes, as mais clássicas da dramaturgia ocidental, na composição de sua obra. Divertida, mas não gratuita, tornou-se profética: a tradição dramática europeia de referir a Turquia como uma terra muito distante e a Polônia como um reino polêmico (relembremos "Hamlet", ainda de Shakespeare"), perspectiva atualizada pela comédia de Molière, acabou se tornando parcialmente realidade na I Grande Guerra, que envolveu justamente à Polônia e à Turquia, entre outros instâncias beligerantes, com extrema violência. Assim, a peça acabou também ultrapassando o aspecto apenas anedótico para colocar-se como uma obra antecipatória. Por tudo isso, e sobretudo pela verve, as duplas interpretações de Marco Nanini e Rosi Campos são espetáculo obrigatório em São Paulo.
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