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Teatro

- Publicada em 11 de Maio de 2017 às 21:51

Merecido aplauso em pé

O início do novo Palco Giratório do Sesc, em Porto Alegre, não poderia ter ocorrido com melhores resultados. Pelo menos dois espetáculos mobilizaram, surpreenderam, emocionaram e - se nada mais acontecesse - já teriam justificado a nova edição do festival. Refiro-me a Women's, texto de Daniel Veronese para a criação e direção de André Carreira, com interpretações de Ana Luiza Fortes e Lara Matos, espetáculo vindo de Florianópolis; e este maravilhoso, provocativo, criativo e inolvidável Auê, da Cia. Barca dos Corações Solitários, do Rio de Janeiro.
O início do novo Palco Giratório do Sesc, em Porto Alegre, não poderia ter ocorrido com melhores resultados. Pelo menos dois espetáculos mobilizaram, surpreenderam, emocionaram e - se nada mais acontecesse - já teriam justificado a nova edição do festival. Refiro-me a Women's, texto de Daniel Veronese para a criação e direção de André Carreira, com interpretações de Ana Luiza Fortes e Lara Matos, espetáculo vindo de Florianópolis; e este maravilhoso, provocativo, criativo e inolvidável Auê, da Cia. Barca dos Corações Solitários, do Rio de Janeiro.
Não sei como classificar exatamente Auê. Em princípio, é um show musical, com 24 canções, uma das quais, Passarinho de toda a cor, é das obras mais bonitas que já ouvi nos últimos tempos, tocando a questão da liberdade de escolha de gênero. Mas, como ia dizendo, em princípio, trata-se de um show musical. É um octeto, com percussão (único músico fixo), e mais viola (quase uma rabeca como a de Antonio Nobre), sopros, cordas - todos os intérpretes cantam e tocam (trocando) seus instrumentos, seja em coreografias hilariantes e surpreendentes, porque jamais param de tocar, seja simplesmente depositando os instrumentos em seus suportes e tomando outros. São 24 canções cuja criatividade e poeticidade de letras - a maioria delas, do próprio grupo - é dos acontecimentos mais importantes da música popular brasileira, porque, além dos belos poemas, transitam por gêneros variados, com boa herança da música nordestina - não por um acaso, homenageiam Ariano Suassuna - até o samba-enredo de escola de samba carioca - é no Rio de Janeiro que eles se fixam atualmente, mas é evidente que o grupo tem fortes raízes nordestinas, aparentemente em Pernambuco, mas também com alguma influência da música baiana, o axé em particular - até o jazz de sempre bem-vinda presença em nossa música. Mais que tudo, valem os arranjos de Alfredo Del Penho e Beto Lemos, que também assinam a direção musical, ambos também músicos presentes no espetáculo, e a coreografia aérea de Leonardo Senna, numa das canções.
Hora e meia de espetáculo, e é um deslumbramento só. No início, o grupo teve alguns problemas de som: os instrumentos soavam mais altos que as vozes, demasiadamente agudas. Logo, o problema técnico foi sanado, e participamos, boquiabertos, de um espetáculo de uma rara vitalidade e alegria, com profundo conteúdo brasileiro e, ao mesmo tempo, universal. Mesclando poesia declamada, ritmos populares nordestinos como a embolada, samba enredo, samba-canção etc., o grupo levanta o público, que, depois da terceira ou quarta obra apresentada, já está entregue e apaixonado.
Não há enredo, propriamente dito. Mas os músicos - ou os atores? - têm excelente preparo físico, atuam quase como atrações circenses, tais os malabarismos que executam com seus instrumentos. O melhor de tudo, porém, é a musicalidade: vozes excelentes, fortes, extremamente afinadas, ao lado de instrumentos competentemente - quase virtuosisticamente - trabalhados, com afinação absoluta, como na passagem dos sopros, sempre tão difíceis de se alinharem entre si (preparação de Gilson Santos) - em interpretações raras pela entrega, pela verdade, pelo entusiasmo e pela comunicabilidade.
Não se trata de música fácil, não. Ela é comunicativa, mas não é fácil, exige um ouvinte atento e capaz de acompanhar a obra: em tudo, e a toda a hora, existe a preocupação com a quebra da rotina de performance de um show tradicional, desde o visagismo estampado nos corpos dos intérpretes, criação de Uirandê de Holanda, até a ambientação cênica, que é impactante desde o primeiro minuto em que se entra no teatro, pois a cortina do palco está aberta, e logo vislumbramos uma ilha elevada, isolada por vidro ou qualquer outro material transparente, onde ficará o percussionista. Por todo o espaço do palco, fios vermelhos - que, com a iluminação alta como se que tornam incandescentes, marcam uma espécie de labirinto, que é, em última análise, a metáfora do espetáculo.
Show - no sentido mais amplo do termo: uma amostra de todas as artes -, Auê faz jus ao título, que, na linguagem popular, quer dizer confusão, mistura, mas tudo com ar de festividade. De fato, Auê foi festa para todos os sentidos, desde o visual até o auditivo, que mereceu o aplauso em pé e demorado.
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