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Cinema

- Publicada em 21 de Maio de 2017 às 17:34

Horror oculto

Jordan Peele não é o primeiro realizador vindo da televisão a fazer uma estreia expressiva como cineasta. Mas seu primeiro filme é uma clara demonstração de que ele não foi contaminado pelos métodos impostos aos que trabalham para a tela pequena. Ao contrário, ele parece ter adquirido segurança e domínio sobre a narrativa enquanto atuava naquele outro meio de expressão. Seu filme é extremamente bem narrado, estruturado com perfeição e, mesmo que algumas restrições possam ser feitas, não há dúvida alguma que o tão maltratado, nos últimos anos, gênero do horror tem aqui um exemplo de que sempre pode gerar algo repassado de interesse quando manipulado de forma inteligente.
Jordan Peele não é o primeiro realizador vindo da televisão a fazer uma estreia expressiva como cineasta. Mas seu primeiro filme é uma clara demonstração de que ele não foi contaminado pelos métodos impostos aos que trabalham para a tela pequena. Ao contrário, ele parece ter adquirido segurança e domínio sobre a narrativa enquanto atuava naquele outro meio de expressão. Seu filme é extremamente bem narrado, estruturado com perfeição e, mesmo que algumas restrições possam ser feitas, não há dúvida alguma que o tão maltratado, nos últimos anos, gênero do horror tem aqui um exemplo de que sempre pode gerar algo repassado de interesse quando manipulado de forma inteligente.
Ao trazer para um cenário real as formas mais agressivas geradas por insatisfações e impulsos primitivos, Peele se afasta dos monstros e das criaturas irreais, levantando a cortina do cotidiano e abordando de maneira ao mesmo tempo dramática e irônica o tema do racismo, aqui composto daquela forma que procura esconder através de atitudes e aparências sua verdadeira natureza. A originalidade da proposta não exclui um olhar para o passado, pois o filme parte da situação básica de Adivinhe que vem para jantar, filme realizado por Stanley Kramer em 1967. Mas Peele se aproxima daquele filme não de forma reverente, pois Corra! é obviamente uma revisão daquela obra, que era marcada por um discurso que procurava o humanismo, mas não conseguia esconder a ingenuidade.
O prólogo, perfeito em todos os sentidos, parece extraído de O clã, o filme do argentino Pablo Trapero, mas agora do ponto de vista da vítima. É uma magnífica abertura para uma ópera de horror, pois ali está resumido tudo o que acontecerá depois. E neste início a característica principal de Corra! já se faz presente. O verdadeiro horror não é aquele alcançado por recursos artificias, mas sempre será o resultado de um emprego inteligente do cenário e personagens reais. Outras virtudes do filme se encontram na maneira como cenários e acontecimentos se relacionam. Durante a viagem do casal para a casa dos pais da jovem há um acidente na estrada. E, no mesmo cenário, a narrativa será encerrada. E o problema que afeta o protagonista, relacionado à morte da mãe, aparecerá diversas vezes, inclusive no epílogo. E há também o olhar irônico que o cineasta dirige para a sociedade em que vive. Nos gestos e nos diálogos fica evidente a hipocrisia que rege tudo. Mas quando o irmão surge em cena, a aparentemente perfeita unidade familiar começa a desmoronar. A violência surge num jantar, o que é uma outra referência ao filme de Kramer, que se movia em sentido contrário. É o primeiro sinal de que algo é oculto por um ritual destinado a esconder a verdadeira natureza daquele mundo de aparências. É quando o discreto charme é substituído pela agressividade, valendo a citação a Buñuel, de quem Peele parece ser admirador.
Quando tudo é exposto e a verdade aparece, o filme se deixa levar pela pressa e por soluções um tanto artificiais. Tarantino, em Django livre, foi mais preciso e contundente. Mas não é possível negar que Peele, um estreante, consegue surpreender ao expor as feridas e os rancores de um mundo imperfeito, mesmo que tenha errado no contraponto cômico, através do amigo do personagem central, uma figura ridícula e que surge como uma concessão a um tipo de cinema do qual, na maior parte do tempo, o filme procura se afastar. Ao fazer com que os empregados da casa se movam como zumbis, o cineasta dispensa o panfleto para atingir a essência do que está filmando. O verdadeiro horror é aquele que transforma seres humanos em figuras desprovidas de vida. Não são necessários monstros em cena para que o cineasta exponha uma determinada realidade. Seu protagonista termina descobrindo no porão da casa grande o mecanismo destinado a mantê-lo preso e transformado em fonte fornecedora de elementos destinados a preencher deficiências alheias. A fantasia erguida por Peele a partir de dados reais tem méritos suficientes para torná-la obra destacada num gênero que sempre acompanhou o cinema e certamente não será por ele abandonado.
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