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Sistema prisional

- Publicada em 18 de Maio de 2017 às 17:41

Porto Alegre deve sediar primeira Apac no Rio Grande do Sul

Em APAC em São João del Rei, recuperandos trabalham em áreas como a cozinha

Em APAC em São João del Rei, recuperandos trabalham em áreas como a cozinha


CNJ/DIVULGAÇÃO/JC
Defendida por diferentes setores ligados à segurança pública como uma forma de provocar mudanças no sistema prisional, a metodologia da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac) conta com o encorajamento de várias instituições para ganhar terreno no Rio Grande do Sul. O governo gaúcho já acenou com a cessão de um edifício em Porto Alegre para abrigar uma unidade do projeto, que funciona por voluntariado e procura mobilizar a comunidade e os próprios apenados no processo de ressocialização.
Defendida por diferentes setores ligados à segurança pública como uma forma de provocar mudanças no sistema prisional, a metodologia da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac) conta com o encorajamento de várias instituições para ganhar terreno no Rio Grande do Sul. O governo gaúcho já acenou com a cessão de um edifício em Porto Alegre para abrigar uma unidade do projeto, que funciona por voluntariado e procura mobilizar a comunidade e os próprios apenados no processo de ressocialização.
Durante evento promovido pela Procuradoria-Geral do Estado para tratar do tema, no começo deste mês, o secretário estadual de Segurança Pública, Cezar Schirmer, admitiu que não conhecia a lógica Apac antes de assumir o posto, há pouco mais de sete meses. "Era um assunto alheio ao meu dia a dia. Mas busquei informação, e agora estou convencido de que é uma opção bastante efetiva para combater a situação caótica do sistema prisional, que é o elo fraco do qual surgem as diferentes questões que nos dificultam." Segundo ele, a ideia é garantir, junto com a fundação responsável pela metodologia, que pelo menos uma Apac esteja funcionando no Estado até o final do ano que vem.
O entusiasmo de Schirmer é compartilhado por outros setores do governo gaúcho. A titular da Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe), Marli Ane Stock, diz que a metodologia Apac deixou de ser uma simples opção e que hoje é "o único caminho que nós temos" para disparar mudanças no sistema prisional. "Alavancar esse projeto aqui (no Estado) seria de extrema importância. Não temos mais condições de continuar com o sistema na situação em que ele se encontra hoje, com casas superlotadas e que não recuperam adequadamente."
Espalhado hoje por cerca de 50 unidades em todo o País, o método Apac não faz uso de agentes públicos de segurança, apoiando o funcionamento das unidades na ampla participação de voluntários. A partir daí, segundo dados fornecidos pela fundação que coordena o projeto, o custo por apenado cai a cerca de R$ 800,00 mensais, três vezes menos que a média nacional, que chega a R$ 2.400,00. Segundo dados da Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (Fbac), que coordena a metodologia no País, a abertura de uma nova vaga em uma Apac custa em torno de R$ 15 mil em investimentos estruturais - nos presídios tradicionais, esse valor gira em torno de R$ 45 mil. Uma das razões para isso é a diferença de escala, já que uma Apac não atende a mais do que 300 internos.
Além dos custos mais baixos, outro carro-chefe da proposta é o impacto sobre a reincidência. A taxa de retorno ao sistema prisional fica em torno dos 5% para quem cumpriu ao menos parte da pena em uma Apac - número bem abaixo dos presídios comuns, onde estima-se que a condenação por novos crimes chegue até 75%.
Dentro das Apacs, não se usa palavras como "condenado" ou "preso", com os condenados sendo chamados de "recuperandos" - uma forma de diminuir o estigma de culpa que os termos mais comuns carregam, já que a maioria responde por penas de maior duração, relacionadas a crimes mais graves. Nas unidades, os internos recebem assistência médica, psicológica e jurídica, e contam com uma série de cursos e oficinas, além de atividades religiosas e convênios para a inserção no mercado de trabalho.
Na visão do promotor de Justiça Gilmar Bortolotto, a aplicação de Apacs no Estado não joga para escanteio os atuais agentes penitenciários. "Ao contrário", garante. "O trabalho desses servidores é o mais difícil que já vi. Eles veem depositada em suas mãos aqueles com quem a sociedade já falhou em todos os limites. A Apac pode ajudar o Estado a mudar essa lógica de ver a segurança pública como uma guerra, um combate."
Bortolotto admite que a posição consolidada na opinião pública de que é necessário maior rigor com criminosos pode dificultar a aceitação da nova metodologia pela sociedade. Mas considera necessário enfrentar a questão. "É só olhar onde chegamos com o atual sistema. Quase nunca nos perguntamos a nossa função, o quanto as nossas posturas contribuem para a violência. Só estamos debatendo presídios hoje, porque está clara a relação entre a situação deles e a violência que sentimos nas ruas, todos os dias", acentua.
Além da Apac que começa a tomar forma em Porto Alegre, há um projeto para a aplicação do método em Canoas. A unidade que inicialmente seria erguida no bairro Guajuviras, não tem previsão de sair do papel, uma vez que o investimento necessário - próximo dos R$ 10 milhões - foi considerado muito elevado. No momento, uma nova proposta está a cargo do Ministério Público, sem prazo de entrega. Existem planos, em estágio inicial, para uma terceira unidade Apac, na cidade de Três Passos.

Conscientizar sociedade sobre benefícios é um desafio, admite procuradora

A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) tem sido uma das principais proponentes da metodologia Apac no Rio Grande do Sul. De acordo com a procuradora Fabiana Barth, coordenadora da Comissão de Direitos Humanos da PGE, a experiência positiva em nível nacional, em especial em estados como Minas Gerais e Paraná, e a presença em encontros que discutiram o tema - alguns com a presença da atual presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia - convenceram o órgão a promover a discussão do método em solo gaúcho.
"Percebemos que a Apac pode complementar o trabalho feito pelas penitenciárias comuns", defende ela. "Não se trata da grande solução de todos os problemas, mas é um reforço positivo e que pode abrir caminho para melhorarmos as prisões comuns também." A partir disso, a PGE tem buscado aglutinar diferentes setores, e incentivando medidas que esclareçam a sociedade quanto à metodologia.
A capacidade de recuperação de presos, segundo a procuradora, é um elemento decisivo para incentivar o modelo no Estado - uma forma, inclusive, de tirar os encarcerados da área de alcance do crime organizado. "Hoje, não existe tratamento penal no sistema", afirma Barth. "O Estado joga o preso dentro das galerias, na mão das facções. Não dá nem papel higiênico, e esse cidadão vai acumulando dívidas que terá que pagar quando for ao semiaberto. Esse cidadão fatalmente vai voltar à sociedade em algum momento, e pior do que entrou. A Apac exige disciplina dos recuperandos, eles precisam frequentar as atividades, o trabalho é obrigatório. Já ficam mais distantes (do crime organizado)."
Além de promover a ideia dentro do sistema de Justiça, um outro desafio é enfrentar a ideia de que as melhores condições das Apacs são uma espécie de privilégio para pessoas que estão à margem da lei. "A primeira visão (das pessoas) pode ser refratária, mas é importante que as pessoas compreendam que não se trata de uma medida meramente humanitária. Oferecer condições dignas e acreditar no ser humano, dando meios para que ele busque sua recuperação, atinge positivamente a todos nós."