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infância e adolescência

- Publicada em 04 de Abril de 2017 às 15:38

Vítimas de violência serão ouvidas com privacidade

Hospital Materno Infantil Presidente Vargas, na Capital, presta serviço de forma a integrar saúde e segurança

Hospital Materno Infantil Presidente Vargas, na Capital, presta serviço de forma a integrar saúde e segurança


/CLAITON DORNELLES/JC
Apresentado em dezembro de 2015, o Projeto de Lei (PL) que protege e organiza os procedimentos envolvendo crianças e adolescentes vítimas e testemunhas de violência foi sancionado na semana passada pelo presidente Michel Temer. O PL nº 3.792/2015, de autoria da deputada federal gaúcha Maria do Rosário (PT) e outros dez parlamentares, prevê, entre outras medidas, a garantia de menores de 18 anos serem ouvidos em local apropriado e acolhedor, com infraestrutura que assegure sua privacidade. O principal ganho é a implantação de salas especiais para escuta no Judiciário. Os instrumentos previstos na nova lei têm um ano para serem implantados.
Apresentado em dezembro de 2015, o Projeto de Lei (PL) que protege e organiza os procedimentos envolvendo crianças e adolescentes vítimas e testemunhas de violência foi sancionado na semana passada pelo presidente Michel Temer. O PL nº 3.792/2015, de autoria da deputada federal gaúcha Maria do Rosário (PT) e outros dez parlamentares, prevê, entre outras medidas, a garantia de menores de 18 anos serem ouvidos em local apropriado e acolhedor, com infraestrutura que assegure sua privacidade. O principal ganho é a implantação de salas especiais para escuta no Judiciário. Os instrumentos previstos na nova lei têm um ano para serem implantados.
A legislação prevê que os sistemas de Justiça, segurança pública, assistência social e saúde adotem ações articuladas no atendimento às vítimas. Fica estabelecida, por exemplo, a criação de serviço telefônico para denúncias de abuso e exploração sexual, bem como de serviços de referência multidisciplinar no Sistema Único de Saúde (SUS) para atenção a crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. Os jovens não terão mais contato, nem mesmo visual, com os acusados. As vítimas deverão ser acompanhadas por profissionais especializados em saúde, assistência social e segurança pública.
O PL foi criado com base no trabalho desenvolvido pelo desembargador José Antônio Daltoé Cezar, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS). Idealizador do Projeto Depoimento Sem Dano, o magistrado implantou em 2003 a primeira sala especial de escuta de crianças e adolescentes vítimas de violência. Hoje, das 164 comarcas do Estado, 48 possuem o espaço exclusivo. Até o fim do ano, o número deve aumentar para 72 salas. "Nem todas as comarcas precisam ter o espaço, pois há unidades muito próximas uma da outra que poderiam usar o mesmo", observa.
Apesar de ainda haver muitas salas a serem implantadas, a realidade gaúcha é melhor do que em todos os outros estados. O Rio de Janeiro, por exemplo, só possui duas comarcas com salas especiais. Santa Catarina e Minas Gerais têm, cada um, uma unidade com o espaço diferenciado. Além do espaço de escuta, a legislação prevê capacitação dos profissionais que realizarem o atendimento.
Mesmo assim, o verdadeiro desafio, segundo Daltoé, é mudar a mentalidade dos juízes e servidores envolvidos com o atendimento a crianças e adolescentes. "Há muitos magistrados que têm a sala em sua comarca e não a utilizam, ou os que só ouvem crianças no espaço, e adolescentes não", conta. O motivo é que o uso da sala ficava a critério do juiz responsável, uma vez que não havia uma lei específica para o atendimento.
 

'Sala é importante para não revitimizar'

A existência da sala especial, com escuta realizada por pessoas capacitadas, é importante para não revitimizar as crianças e adolescentes, conforme o desembargador. "Temos vários processos envolvendo meninas que engravidaram do pai ou do avô. Imagina essa menina ter que falar para servidores homens que ela nunca viu, que a receberam de forma não acolhedora?", questiona. Para Daltoé, é fundamental tornar a escuta aberta, oportunizando que a vítima relate o caso usando seu próprio linguajar.
A Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) tem investido na capacitação dos juízes para o depoimento especial, a fim de que iniciem a carreira já com outra mentalidade. "É mais fácil mudar a cabeça de um magistrado novo do que a de um antigo. Ainda precisamos insistir na Lei Maria da Penha, por exemplo. Há um discurso dominante muito adultocêntrico e machista", pontua o desembargador. Cerca de 80% dos atendimentos a crianças e adolescentes vítimas de violência sexual envolvem pessoas com 13 anos ou menos, o que configura crime de estupro de vulnerável. Dessas, 80% são meninas.
De acordo com Daltoé, o PL estava parado no Congresso, e só teve andamento após o caso de estupro coletivo de uma adolescente de 16 anos no Rio de Janeiro, em maio de 2016. Divulgado através de vídeo em redes sociais, o crime gerou repercussão internacional.
Outro ganho da lei sancionada foi a melhor definição dos tipos de violência sexual que uma criança ou um adolescente podem sofrer. "O PL melhora os textos legais e torna menos discutível o que é abuso ou exploração", relata o desembargador.
A violência sexual fica repartida em abuso, exploração comercial e tráfico de pessoas. É considerada abuso sexual toda ação utilizando pessoas com menos de 18 anos para fins sexuais, seja conjunção carnal ou atos libidinosos, realizados presencialmente ou por meios eletrônicos. Por exploração sexual se compreende o uso de criança ou adolescente em atividades sexuais em troca de remuneração ou compensação, seja de forma presencial ou eletrônica. Tráfico de pessoas é quando o indivíduo menor de idade é acolhido, transportado, transferido, alojado ou acolhido, com ou sem fim sexual, por meio de coação.

Centro de referência atende de forma integrada há 15 anos em Porto Alegre

Em Porto Alegre, o atendimento municipal às vítimas de violência sexual é feito por meio do Centro de Referência no Atendimento Infantojuvenil (Crai), lotado no Hospital Materno Infantil Presidente Vargas. Lá, há 15 anos são encaminhados todos os casos desse tipo ocorridos na Capital. O serviço envolve saúde e segurança pública, tendo, inclusive, uma delegacia do Departamento Estadual da Criança e do Adolescente (Deca) dentro do próprio hospital.
"Temos um trabalho de atendimento integrado que nenhuma outra capital do País tem, com cuidado, proteção e escuta. O problema é que, chegando ao Judiciário, muitas vezes esse cuidado não ocorre", lamenta a coordenadora do Crai, Eliane Soares.
Quando uma criança ou adolescente é acolhido por uma equipe de saúde de Porto Alegre, a equipe faz a escuta inicial e encaminha a vítima para o Crai. Lá, é prestada assistência médica, com atendimento pediátrico e ginecológico, bem como assistência psicossocial, na qual um psicólogo faz avaliação mental e os encaminhamentos necessários, e assistência social, encaminhando, quando necessário, a criança para uma situação de proteção. Se há dados que sustentem a hipótese de abuso sexual, o caso é encaminhado para o Deca.