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Teatro

- Publicada em 24 de Abril de 2017 às 12:34

O que é mesmo que se estava dizendo?

Júlio Conte tem desenvolvido algumas reflexões filosóficas e históricas através da dramaturgia, como neste A partícula de Deus, visto no Teatro Renascença. A situação original é interessante: encontram-se, numa antessala, à espera de Deus, dois cientistas profundamente distantes no tempo - o italiano Galileu Galilei e o britânico Peter Higgs, Prêmio Nobel de Física em 2012. O contraste inicial não é só temporal e cultural. É o fato de Higgs ter sido reconhecido em seu tempo, como ele mesmo destaca, e Galilei, ao contrário, ter sido levado a abdicar de suas crenças científicas para defender a própria vida.
Júlio Conte tem desenvolvido algumas reflexões filosóficas e históricas através da dramaturgia, como neste A partícula de Deus, visto no Teatro Renascença. A situação original é interessante: encontram-se, numa antessala, à espera de Deus, dois cientistas profundamente distantes no tempo - o italiano Galileu Galilei e o britânico Peter Higgs, Prêmio Nobel de Física em 2012. O contraste inicial não é só temporal e cultural. É o fato de Higgs ter sido reconhecido em seu tempo, como ele mesmo destaca, e Galilei, ao contrário, ter sido levado a abdicar de suas crenças científicas para defender a própria vida.
Conte e Marcelo Goldani partiram, pois, de uma situação que poderia gerar excelentes reflexões e que, de certo modo, de fato, provoca diálogos bastante produtivos quando os dois homens se aproximam e trocam suas primeiras ideias. O dramaturgo Júlio Conte, contudo, ao que parece preocupado com uma eventual dificuldade de comunicação do texto, resolveu intervir, vez por outra, com alguns comentários que tentam atualizar as perspectivas em debate, constituindo quase anedotas, ou então incluir uma personagem feminina que é, de início, a secretária da sala, mas que, depois, ilustra alguns comentários de um ou outro dos personagens, até o final, meio apoteótico, meio poético, que acaba quebrando toda a eventual unidade dramática e do espetáculo, tal a sua falta de propósito.
Este texto teria rendido bem mais se os autores tivessem se concentrado exclusivamente no tema central que o título da obra anuncia, talvez dando maior atenção justamente ao debate sobre o vazio atômico que foi o centro das preocupações de Higgs ou as diferentes condições vividas pelos cientistas, mostrando a falibilidade do mundo ou a relatividade da fama etc. Na dispersão, contudo, senti uma perda de foco e, consequentemente, de força dramática que, evidentemente, se refletiu no resultado final do próprio espetáculo.
As assincronias dos figurinos, por exemplo, poderiam render muito mais nas cenas, vividas por Luis Franke e Heitor Schmidt, até porque a roupa de época coube muito bem no intérprete de Galileu, enquanto o figurino contemporâneo cai bem na figura de Peter Higgs. O que destoa, mais uma vez, é a série de figurinos de Renata Stein, que fica como que uma constante intrusa na cena, meio deslocada, o que, eventualmente, poderia ter algum efeito dramático positivo, mas que, ao menos para a minha percepção, não alcançou tal resultado.
Outro espetáculo que cumpre temporada entre nós é Sedimentos, com dramaturgia e direção de Júlia Kieling, livremente inspirada em Neil Gaiman, segundo dizem os responsáveis pelo espetáculo, para as interpretações de Fernanda Viale e Pedro Schilling. No espaço do Arena, a direção resolveu botar fora um lado do público, pois, na face oposta ao palco, ali instalou a mesa de serviço do espetáculo. Trata-se de dois atores em cena que, em meio a pequenas apresentações, dialogam entre si, à espera de alguém (seria Godot?). Os dois jovens intérpretes demonstram muita força, mas precisam ainda vencer alguns desafios: Pedro Schilling grita demais, desnecessariamente: tem boa voz e se impõe com facilidade em cena; Fernanda Viale, ao contrário, tem alguma dificuldade de articulação, sobretudo porque ainda não alcançou naturalidade em suas falas, que aparecem claramente decoradas, mas não internalizadas e naturalizadas, de modo que soam, às vezes, artificial. Por um erro de direção, no final do espetáculo, toda a sua fala é abafada pelo som estridente da música, o que, evidentemente, não é culpa dela, mas precisa ser corrigido.
A dramaturgia de Julia Kieling revela-se ao natural como produto de um jovem talento que quer dizer muita coisa e acaba confundindo o espectador. Confesso que tive dificuldade em entender a relação entre o espetáculo e seu final. E não adianta apelar ao Neil Gayman, porque o texto precisa se manter de pé por conta própria. O espetáculo, assim, vale como experiência e lançamento de novos artistas, mas precisa, certamente, ser repensado. A velha lição grega ainda segue valendo: a desmedida é sempre o pior pecado de todos nós, sobretudo na arte.
Nos dois espetáculos, saí com a impressão de não ter entendido o que se queria dizer. Falha minha ou dos realizadores?
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