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Cinema

- Publicada em 23 de Março de 2017 às 23:04

Numa terra estranha

O diretor Martin Scorsese, desde que começou sua carreira em 1972, ocupa um lugar entre os mais importantes nomes entre aqueles que têm praticado um cinema de resistência em todo o mundo. Isso significa que ele não se rende às vulgaridades exigidas pelos que consideram o cinema apenas um instrumento destinado a desviar o foco de questões essenciais. O cineasta igualmente não teme explorar contradições e complexidades, das quais fogem os adeptos dos panfletos e dos reducionismos. Seu espaço é habitado por realizadores que tentam manter sua arte sintonizada com temas essenciais a um processo destinado a lançar luzes sobre os temas cujo desenvolvimento permite que a tela seja ocupada por personagens de ação reveladora.
O diretor Martin Scorsese, desde que começou sua carreira em 1972, ocupa um lugar entre os mais importantes nomes entre aqueles que têm praticado um cinema de resistência em todo o mundo. Isso significa que ele não se rende às vulgaridades exigidas pelos que consideram o cinema apenas um instrumento destinado a desviar o foco de questões essenciais. O cineasta igualmente não teme explorar contradições e complexidades, das quais fogem os adeptos dos panfletos e dos reducionismos. Seu espaço é habitado por realizadores que tentam manter sua arte sintonizada com temas essenciais a um processo destinado a lançar luzes sobre os temas cujo desenvolvimento permite que a tela seja ocupada por personagens de ação reveladora.
Scorsese é também um cinéfilo apaixonado por sua arte, que tem dedicado parte de seu tempo a incentivar e apoiar pessoas e entidades envolvidas em trabalhos destinados a preservar o passado do cinema. Seu novo filme, Silêncio, expõe com clareza as características principais do diretor, entre elas o culto dos grandes mestres. Ambientado no Japão, o filme não poderia deixar de se referir, em muitas cenas, a realizadores nipônicos admirados pelo cineasta, mesmo que a estrutura narrativa e a história narrada sejam derivadas de Joseph Conrad, autor que provavelmente foi uma influência no romancista Shusaku Endo, autor do livro no qual Silêncio é baseado. É clara também, na utilização de primeiros planos, a admiração por Carl Dreyer, o mestre de A Paixão de Joana D'Arc.
O cinema de Scorsese quase sempre voltado para o filme no qual a violência exerce papel especial e a brutalidade costuma comandar a ação de seus personagens - e para isso basta citar seu filme mais famoso, Touro indomável - costuma ser marcado também por manifestações que exercem o papel oposto, a fim de que a contradição seja exposta. Nesse painel não faltam temas relacionados à religião. Em Cassino, por exemplo, a explosão que antecipa os créditos iniciais é seguida pelo trecho final de A paixão segundo São Mateus, de Bach, e na filmografia do diretor um dos títulos mais polêmicos é A última tentação de Cristo. Mas provavelmente, o filme mais significativo em tal filmografia é Motorista de táxi, no qual a descrição de um mundo mergulhado em crise e decadência é ameaçado por um agente que se julga o portador da justiça ao mesmo tempo em que ele próprio é movido pela violência e pelo desequilíbrio.
Seu novo filme, que acompanha dois jesuítas no Japão do século XVII, quando os detentores do poder erradicaram pela força o que eles consideravam uma ameaça à cultura japonesa. A violência então praticada e colocada de maneira bastante realista no filme tem permitido que alguns lembrem que o Ocidente tem em seu passado práticas semelhantes. Certamente, eles têm razão, mas Scorsese não está falando de civilizações em conflito e sim da natureza humana, suas contradições e perplexidades e também - algo que o próprio título do filme deixa claro - da sensação de abandono sentida pelo protagonista no momento do grande desafio.
O último plano do filme não deixa dúvida alguma sobre a posição do cineasta sobre o tema. Por isso é também revelador o fato de a obra dar voz ao inquisidor, durante as discussões com o padre português. Tais cenas, admiráveis também pela participação dos atores, cada um representando uma cultura, colocam de forma explícita a contradição maior: a busca do paraíso transformada em vitória da dor e da morte. Na essência, estamos diante de criaturas que podem clamar, repetindo as palavras do poema maior da língua dos padres protagonistas, contra as armas e as indignações dirigidas "contra um bicho da terra tão pequeno".
As imagens do filme são também poderosas para acentuar essa temática. Os dois padres que andam em busca do mestre desaparecido também podem ser vistos como dois irmãos em busca do pai perdido. E a terra que eles percorrem em tal jornada é o símbolo de um mundo deteriorado pela violência e a miséria. Os seres humanos vivem assustados, sempre esperando o pior, enquanto os grandes senhores praticam os rituais destinado a manter incólume seu poder. A busca do paraíso é assim uma tentativa de compensar o grande silêncio.
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