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Finanças

- Publicada em 20 de Fevereiro de 2017 às 15:53

Oferta de consignado tira sono de aposentado

Dados do segurado e de beneficiários têm que ser mantidos em sigilo

Dados do segurado e de beneficiários têm que ser mantidos em sigilo


CLAUDIO FACHEL/ARQUIVO/JC
A família da aposentada Cristiane Gomes, de 50 anos, nem se lembra mais de quantos telefonemas, cartas e mensagens de celular com propostas de crédito consignado recebeu no último mês à procura de seu marido, Ademir, morto há cinco anos. "Foram duas ligações só hoje. Depois de um tempo, passei a dizer que tentassem procurar por ele telefonando para o céu. Recebo ligações de bancos em que nunca tive conta. Se eu tiver interesse, vou ao banco. Às vezes, chegam cartas nos perguntando qual é o nosso sonho - o meu sonho é ficar em paz."
A família da aposentada Cristiane Gomes, de 50 anos, nem se lembra mais de quantos telefonemas, cartas e mensagens de celular com propostas de crédito consignado recebeu no último mês à procura de seu marido, Ademir, morto há cinco anos. "Foram duas ligações só hoje. Depois de um tempo, passei a dizer que tentassem procurar por ele telefonando para o céu. Recebo ligações de bancos em que nunca tive conta. Se eu tiver interesse, vou ao banco. Às vezes, chegam cartas nos perguntando qual é o nosso sonho - o meu sonho é ficar em paz."
Dirceu Pereira da Silva, de 57 anos, ficou sabendo que havia se aposentado ao ser abordado por uma financeira, que entrou em contato com o contabilista antes que ele recebesse a carta do INSS. "Dei entrada no benefício em outubro e, 15 dias depois, as empresas começaram a ligar. Diziam: 'O senhor já está aposentado'. Levei um susto. Já sabiam até quanto eu iria receber."
No mercado de venda de dados pessoais, a privacidade de cada aposentado vale menos de R$ 0,10. Uma planilha com cerca de 230 nomes é ofertada por uma empresa virtual como "amostra grátis" do produto a serviço de telemarketing de correspondentes bancários.
A lista tem nome, data de nascimento, CPF, endereço, telefones e dados específicos da Previdência - como número de benefício e motivo da aposentadoria. A origem dos registros é explicada vagamente pelo vendedor: "Vem de um banco de dados atualizado mensalmente". O pacote básico, com mil registros, sai por cerca de R$ 88,00.
Munido dessas informações, é possível consultar outros dados sigilosos, como o valor do benefício e sua data de recebimento, por exemplo, por meio dos canais da própria Previdência, via telefone ou internet.
Os correspondentes são empresas contratadas pelos bancos para a prestação de serviços de atendimento aos clientes e usuários das instituições. Quando questionados sobre a forma de obtenção das informações de aposentadoria, os atendentes dessas empresas costumam responder que a informação de aposentadoria é publicada no Diário Oficial.
"É uma desculpa antiga, que ouvimos o tempo todo por aqui, mas não faz sentido. O benefício é uma informação privada. A publicidade se dá apenas em ações públicas, como a posse de um servidor", diz Tonia Galetti, advogada do Sindicato Nacional dos Aposentados. A entidade estima receber cerca de 50 reclamações por semana referentes a problemas na concessão de consignado.
Em setembro do ano passado, o Ministério Público Federal (MPF) em São Paulo ajuizou uma ação contra o INSS e uma recuperadora de crédito pelo uso indevido de dados sigilosos de beneficiários da Previdência para a oferta de empréstimos. Segundo o procurador da República Luiz Costa, autor da ação, "o INSS é gestor dos benefícios e responsável pela manutenção do sigilo. A informação não pode ser acessada por terceiros sem autorização, sob pena de violação de privacidade".
Segundo o INSS, os dados dos segurados e beneficiários são mantidos em sigilo e, "em nenhuma hipótese, fornece qualquer dado pessoal sob sua guarda a terceiros, sejam instituições financeiras, entidades representativas de classe ou quaisquer outros". A Febraban, que representa os bancos, diz não endossar práticas que estejam em desacordo com as normas estabelecidas para a concessão de crédito.

Consumidor deve denunciar abusos ao Ministério Público

A gravação enumera tudo aquilo que o aposentado pode fazer com o dinheiro: reformar a casa, ajudar parentes, fazer a viagem dos sonhos - só que o consumidor nunca pediu informações sobre crédito consignado. Segundo Edson Costa, da Aneps, associação de correspondentes bancários, as empresas não podem ter acesso a dados sigilosos sem autorização. "Quem age assim está operando ilegalmente."
Para o aposentado que sentir que teve sua privacidade violada, a recomendação é fazer uma denúncia ao Ministério Público Federal (MPF), pessoalmente ou pela internet, ou na ouvidoria do INSS, pelo telefone 135. O Procon-SP recomenda que o consumidor nunca aceite um empréstimo por telefone e, caso se sinta incomodado com a abordagem das financeiras, registre reclamação nos bancos e solicite que não sejam mais feitas ligações com esse tipo de oferta.

País precisa garantir benefícios

Por causa de fatores demográficos, não é possível mais adiar a reforma da Previdência, mostra estudo dos economistas Fernando de Holanda Barbosa Filho e Bruno Ottoni, pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). Com o envelhecimento natural da população, seria necessário que a economia crescesse, na média, 3,7% ao ano até 2050 para estabilizar o déficit da Previdência como proporção do Produto Interno Bruto (PIB).
Isso se não houver alta no valor dos benefícios. Se o valor da aposentadoria crescer, por exemplo, 1% ao ano acima da inflação, o crescimento econômico teria de ser de 4,7% ao ano. Dados compilados pelo estudo apontam para déficit da Previdência de 2,1% do PIB, considerando os 12 meses até agosto de 2016.
"Por causa da demografia, vamos triplicar o número de benefícios com o mesmo número de contribuintes", diz Barbosa Filho, que hoje apresenta o estudo em seminário sobre a reforma da Previdência na FGV do Rio de Janeiro.
A relação entre benefícios e contribuintes mudará, porque, no ano passado, pessoas entre 15 e 64 anos responderam por 70% do total da população, mas, em 2050, responderão por 64%. Enquanto isso, a fatia das pessoas com 65 anos ou mais, que era de 8,3%, passará a 22,4%.
Os pesquisadores comparam a mudança demográfica no Brasil com outros países. Enquanto no Brasil a fatia das pessoas com 65 anos ou mais na população dobrará de 7% para 14% em 21 anos (de 2011 a 2032), na França isso ocorreu em 115 anos (de 1865 a 1980). Nos EUA, levou 69 anos, encerrados em 2013.
Nesse quadro demográfico, como um crescimento econômico de 3,7% a 4,7% ao ano por tanto tempo é improvável, a saída é mexer na regra da Previdência, segundo Barbosa Filho. A demografia também tornaria inútil, em sua visão, a discussão sobre se há ou não déficit (ou qual seu tamanho) na Previdência.