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Geral

- Publicada em 13 de Janeiro de 2017 às 15:42

Características do autismo podem ser controladas

Neurologista gaúcho Carlos Gadia é referência mundial no assunto

Neurologista gaúcho Carlos Gadia é referência mundial no assunto


CASSIANA MARTINS/ARQUIVO/JC
Suzy Scarton
O autismo é uma síndrome que afeta 70 milhões de pessoas no mundo, e não tem cura. No entanto, o neurologista porto-alegrense radicado nos Estados Unidos Carlos Gadia, referência mundial no assunto, acredita que medicamentos usados para outros transtornos possam trazer benefícios aos pacientes diagnosticados com autismo. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o médico, que é diretor associado do Miami Children's Hospital Dan Marino Center (Flórida), reforça a ideia de que, em um futuro próximo, medicamentos também poderão ser usados no tratamento da síndrome, em consonância com as terapias.
O autismo é uma síndrome que afeta 70 milhões de pessoas no mundo, e não tem cura. No entanto, o neurologista porto-alegrense radicado nos Estados Unidos Carlos Gadia, referência mundial no assunto, acredita que medicamentos usados para outros transtornos possam trazer benefícios aos pacientes diagnosticados com autismo. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o médico, que é diretor associado do Miami Children's Hospital Dan Marino Center (Flórida), reforça a ideia de que, em um futuro próximo, medicamentos também poderão ser usados no tratamento da síndrome, em consonância com as terapias.
Jornal do Comércio - O que vem sendo discutido a respeito do transtorno do espectro autista atualmente?
Carlos Gadia - Nos Estados Unidos, o que mais chama atenção neste momento é a possibilidade de criação de minicérebros, modelos reais de cérebros em placa, na qual podemos testar substâncias. Em São Paulo, o laboratório Tismoo, do qual sou o diretor médico, é o primeiro a oferecer estudos de genoma humano completo e, além disso, uma das áreas em que estamos trabalhando é o desenvolvimento de minicérebros a partir de células pluripotenciais. Neles, podemos testar um número maior de substâncias que potencialmente poderiam fazer com que esses cérebros funcionassem de maneira mais parecida com o normal. Outra questão que vem sendo debatida é uma visão a respeito do autista adulto. O autista, quando se tornava adulto, virava um fantasma. Hoje, existe uma preocupação em se identificar o que ocorre com esses adultos, onde estão, o que pode ser feito por eles. Por último, a necessidade de treinamento dos pais para que se tornem partícipes diretos no tratamento dos filhos, uma vez que o número de profissionais da saúde para lidar com essa quantidade enorme de autistas se mostra insuficiente. Estudos mostram que, se os pais forem treinados e demonstrarem capacidades de aplicar intervenções, essas crianças melhoram. Até pouco tempo, os pais recebiam uma mensagem de que não podiam participar, que tudo era muito complexo e complicado e, além de se sentirem erroneamente culpados, sentiam-se incapazes de ajudar. Essa visão vem sendo progressivamente mudada.
JC - O senhor defende o uso de medicações. Como funciona isso?
Gadia - Não existe nenhum medicamento que possa ser usado para tratar o autismo. As medicações são utilizadas para diminuir o chamado "ruído ao redor", uma série de características comportamentais ou comorbidades que são associadas ao transtorno do espectro. Então esses remédios, de uso geral, já aprovados para uso em outros transtornos, como epilepsia, déficit de atenção e ansiedade, podem ser usados para que o verdadeiro tratamento, com psicoterapias, possa funcionar. Em um futuro bastante próximo, esse cenário mudará, e poderemos realmente falar em uso de medicação para tratar as características básicas do espectro, como déficit de comunicação e de interação social e comportamentos repetitivos. Acho difícil que um dia eliminemos as terapias, mas teremos outras opções que poderão ser utilizadas em subgrupos do autismo baseados em uma classificação genética. Já identificamos mais de 500 genes de suscetibilidade ao autismo, e uma substância que permite que o cérebro funcione de acordo com o padrão de normalidade tem surtido efeito em pelo menos três desses genes. Então, creio que, eventualmente, tenhamos uma revolução.
JC - Existe uma ideia de que o autista é um gênio. Isso é verdade ou é mito?
Gadia - É mito. Albert Einstein, Bill Gates, Steve Jobs... Dizem que todos eles seriam autistas, mas não existe nenhuma evidência que demonstre a verdade disso. Esses autistas de alto funcionamento, como são chamados, não são propensos a serem mais inteligentes. O que ocorre são ilhas de excelências. Existe, dentro do espectro, um número razoável de crianças que têm habilidades muito acima do esperado, tanto para uma criança autista como para uma criança típica. Tenho um paciente que lê e escreve em cinco línguas, mas não consegue dizer "oi, mamãe". Não conseguimos explicar por que se desenvolvem em determinadas crianças, mas, em geral, são habilidades relacionadas a processos visuais e matemáticos. Grandes indústrias no mundo inteiro contratam adultos autistas para trabalhar em sistemas de informação, na criação de programas - eles veem a matemática, a física de um jeito diferente.
JC - Considerando que empresas contratam adultos que se encontram dentro desse espectro, é possível dizer que o preconceito é menor no meio profissional?
Gadia - Absolutamente, não. Há preconceito enorme, em todos os níveis, entre a população em geral, no sistema educacional e dentro do meio de trabalho. Vivemos em um país onde já é difícil para jovens típicos altamente capacitados conseguirem emprego. Esses casos são bem específicos, empresas com mente muito aberta que estão fazendo apostas inteligentes. Sei de uma companhia de informática de São Leopoldo que contrata adultos autistas pela possibilidade de criação de algo que ainda não exista, uma vez que eles têm uma visão de mundo diferente. É uma iniciativa muito inteligente, mas supraminoritária dentro da questão do emprego.
JC - Já é possível se pensar em uma cura para a síndrome?
Gadia - A palavra cura sempre causa discussões. Existem dois grupos, um que acredita que não existe cura, e que as crianças que teoricamente saíram do espectro do autismo teriam sido diagnosticas erroneamente; e outro, no qual me encaixo, que acredita que algumas realmente conseguem deixar o espectro. Estudos apontam que cerca de 5% de crianças que foram diagnosticadas deixaram de preencher critérios de características autistas. Então, para todos os efeitos, estão curadas. Se tu tens uma criança ou um adulto funcional, independente e feliz, significa que estão curados, mesmo que talvez apresentem algumas dificuldades na interação social ou na interpretação de piadas, por exemplo. Afinal, pessoas típicas também apresentam essas dificuldades, e nem por isso deixam de ser totalmente funcionais, felizes e capazes de realizar seus sonhos.
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