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Economia

- Publicada em 08 de Janeiro de 2017 às 21:59

'Corrupção se combate antes de ocorrer'

Amauri Perusso preside a Federação das Entidades dos Servidores dos Tribunais de Contas do Brasil

Amauri Perusso preside a Federação das Entidades dos Servidores dos Tribunais de Contas do Brasil


MATHEUS CAPORAL/CEAPE SINDICATO/DIVULGAÇÃO/JC
Thiago Copetti
Convidado a falar na comissão parlamentar formada na Câmara dos Deputados para analisar o Projeto de Lei nº 4.850/16, conhecido como Dez medidas contra a corrupção, o presidente da Federação das Entidades dos Servidores dos Tribunais de Contas do Brasil (Fenastc), Amauri Perusso, afirma que a grande ocorrência de casos de corrupção no País aponta para falha no controles feitos pelos Tribunais de Contas.
Convidado a falar na comissão parlamentar formada na Câmara dos Deputados para analisar o Projeto de Lei nº 4.850/16, conhecido como Dez medidas contra a corrupção, o presidente da Federação das Entidades dos Servidores dos Tribunais de Contas do Brasil (Fenastc), Amauri Perusso, afirma que a grande ocorrência de casos de corrupção no País aponta para falha no controles feitos pelos Tribunais de Contas.
Advogado e pesquisador econômico, Perusso foi convidado pelo relator do projeto, o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), a analisar erros e acertos do projeto. Focou suas sugestões em basicamente duas linhas de trabalho. A primeira delas se debruça no reforço nos controles internos (dentro dos próprios órgãos, com poderes de veto a qualquer tipo de negócio) e externos (com mais autonomia e mudança no foco das ações). O segundo grande movimento contra a corrupção, diz Perusso, é colocar uma lupa sobre as políticas fiscais e o sistema financeiro. Nesta entrevista, saiba as ações sugeridas pelo especialista para, ao menos, amenizar o escoamento de dinheiro público para as contas privadas de servidores, políticos e empresas. 
Jornal do Comércio - O senhor defendeu que a proposta que está sendo apreciada não continha, na verdade, nenhum item efetivo de combate à corrupção. Por quê?
Amauri Perusso - O que foi apresentado são medidas de aumento de pena, definição dessa prática delituosa. A proposta tem somente sugestões para alterações no código penal e nas leis de responsabilização de autoridades. Focam apenas no pós-crime e nas formas de recuperar o que foi subtraído, sem pensar em coibir. Corrupção se combate antes de ocorrer. Os países que têm os menores índices de corrupção possuem duas coisas em comum: instrumental público com fortes controles internos e presença efetiva dos controles externos, que atua com maior grau de independência, além de alto nível de transparência, o que permite também o controle social.
JC - O que exatamente fazem, ou deveriam fazer, esses controles externos e internos?
Perusso - Os auditores internos devem ter autonomia para impedir que administradores públicos façam determinado negócio, por ser ilegal ou causar danos ao erário público. No governo federal há controle com enormes debilidades. Muitos têm denunciado que as atenções dos profissionais são direcionadas para milhares de convênios entre municípios e a União, em contratos de pequenos valores, em detrimento de exames detalhados nas grandes despesas do governo. O que se faz é só seguir as normas de conformidade: se verifica se houve o registro das despesas e se obedecem a lógica e os devidos registros da contabilidade pública. Não se olha a necessidade do gasto.
JC - Que papel o senhor defende para os Tribunais de Contas?
Perusso - Que se faça mais auditorias concomitantes. Quando se lança um edital, existem duas coisas fundamentais. Uma delas é a avaliação de custos, o que um executivo da Petrobras, no caso da Refinaria Abreu e Lima, chamou de conta de padeiro. A obra foi estimada em R$ 4 bilhões, já custou R$ 32 bilhões e não está concluída. Além do detalhamento de como são feitas as obras, precisamos avaliações da razão do investimento, ver o interesse público, inclusive com a população sendo ouvida. E para a auditoria concomitante precisamos ter detalhado o tipo de aço, não apenas "gasto com aço", que é muito vago. Tem de constar se é mais resistente, de que tipo é. Isso não dificulta em nada o processo. Se a empresa não tem isso, o projeto está mal feito. São dados que existem em qualquer projeto, ou deveriam existir.
JC - Esse seria um próximo passo para evitar a corrupção?
Perusso - Não existe próximo passo, são passos concomitantes. No Congresso, alertei os deputados sobre outro problema. Não é razoável centrar todas as iniciativas e medidas para combater a corrupção nas empreiteiras. Essa é apenas uma resposta à sociedade sobre as empresas que são investigadas na Lava Jato. Centrar todas as atenções nesses casos é ignorar o fato de que se tem um ambiente com volume muito maior de recursos envolvidos. A Lava Jato estima R$ 6 bilhões subtraídos da Petrobras, e possivelmente seja próximo de R$ 30 bilhões o valor roubado da empresa e do País. Mas, apenas em 2015, o Brasil pagou ou assumiu R$ 501 bilhões em juros da dívida pública.
JC - O que não está funcionando?
Perusso - Basicamente, são falhos os procedimentos do setor financeiro, como as ações do Banco Central (BC) e as negociações de títulos públicos. As operações do BC no mercado podem produzir danos enormes em poucas horas. Muito acima do descoberto na Lava Jato. Por isso, defendemos maior auditoria no setor financeiro. Não há corrupção somente no setor de obras, nem é o principal. Auditores de todo o Brasil apontam que o maior volume de corrupção estaria na compra de medicamentos. No Brasil inteiro se tem uma dinâmica de transferência de recursos com dispensa de qualquer tipo de controle para a compra de medicamentos especiais, por exemplo.
JC - No caso do setor financeiro e do BC, quem ganha com a corrupção?
Perusso - O setor tem uma dinâmica mais complexa do que uma obra pública, na qual se consegue efetivamente averiguar os custos e referências reais. O setor financeiro opera com linguagem e mecanismos complexos justamente para afastar as pessoas do seu entendimento. Se você determina, no lançamento de um título, 0,1% a mais ou menos de juro, isso representa um volume de recursos imenso. Não avaliamos qual o conteúdo desses contrato e as razões de lançamentos.
JC - O Tribunal de Contas da União não atua nesses casos?
Perusso - Atua formalmente, até por faltar qualificação específica para que os auditores possam analisar melhor determinadas operações. O Congresso brasileiro não tem controle sobre a dívida pública nem sobre o limite dela. Quem determina isso é o próprio BC. Isso tudo cria uma ausência de conhecimento sobre o tema e o controle público.
JC - Assim como deputados federais foram beneficiados por recursos da Petrobras, quem, no governo, ganharia com as questão fiscais?
Perusso - Essa é uma questão importante que esperamos decifrar. Só a efetividade de controles dará a compreensão plena desse processo, que, visivelmente, está nas entranhas da política no País. No governo de Maluf e Pitta, em São Paulo, por exemplo, o governo brasileiro autorizou que o estado emitisse novos títulos da dívida pública. Em comum acordo, porém, foram lançados dois títulos para o mesmo fim. Um destinado aos precatórios e outro a paraísos fiscais, passando pelo Deutsche Bank, que acabou tendo de pagar € 17 milhões de multa por ter sido usado para lavagem de recursos. Não há propina ou caixa-2 que não passe, hora ou outra, pelo sistema financeiro. Na Lava Jato, identificou-se que a Odebrecht comprou um banco fora do País para operar o esquema. Isso se é um novo elemento nas investigações, uma categoria mais elevada.
JC - Por que o sistema financeiro está de fora desse olhar contra a corrupção?
Perusso - Grosso modo, há duas justificativas. Uma é porque estamos acostumados com essa lógica. Se os desvios foram encontrados em determinado setor, se direciona esforços para ele. Estamos habituados a olhar apenas a origem nas obras, nas compras, nos serviços. E não dá para ignorar a pressão do sistema financeiro para sempre se manter distante de qualquer fiscalização próxima.
JC - E dentro das empresas, o que se pode ser feito?
Perusso - O que é curioso, e não por acaso, é que muitas empresas multinacionais instaladas no Brasil têm controles rigorosos fora daqui. Em solo brasileiro, passam a operar de forma diferente. A corrupção não pode ser jogada apenas no rosto do setor do público. É uma demanda do setor público, mas é praticada também pelas empresas. Cabe ao setor público mostrar a todas as empresas seu rigor com a corrupção, fazer um trabalho educativo. Deveríamos ser rígidos. Corrompeu? Prende executivos e fecha a empresa. Agora se investiga se montadoras de veículos pagaram propina para aprovarem incentivos fiscais ao setor. Ou seja, estão influenciando diretamente a política do Brasil, coisa que não fazem em seus países. E, se o fizessem, quais seriam as reações por lá? O que ocorre é um flagrante desrespeito ao Brasil e ao povo brasileiro nestes casos.
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