Já faz um tempo que as cantadas no meio da rua deixaram de ser consideradas brincadeiras inocentes e vêm se tornando assédio sexual. Alguns juízes consideram a prática como crimes de assédio, injuria, difamação e perturbação. Mas um projeto de lei da deputada federal Maria do Rosário (PT) e do deputado Zé Carlos (PT-MA) pretende transformar a cantada em crime de assédio. A proposta acrescenta um parágrafo à lei que criminaliza o assédio sexual em ambiente de trabalho, sancionada em 2001. O texto prevê pena de prisão de um a dois anos, aumentada de um terço se a vítima for menor.
Freio considerável
De acordo com os parlamentares, a lei de 2001 ajudou a diminuir os casos de assédio no trabalho. "Sem dúvida que a medida representou um freio considerável aos comportamentos de um número considerável de pessoas que, por exercerem alguma ascendência hierárquica nos seus ambientes de trabalho, acreditavam que tinham o direito de obter favores sexuais de seus subordinados ou de suas subordinadas." Só que na rua nada é feito. Segundo uma enquete feita pela organização não governamental Think Olga, 98% das mulheres já sofreram assédio, sendo que apenas 17% consideravam algo positivo. "Para mulheres que já foram vítimas desse tipo de constrangimento, o assédio sexual não é uma cantada, um elogio ou uma paquera, mas sim uma atitude que amedronta, intimida e constrange."
Pautas da internet
A pesquisa da ONG Think Olga teve um impacto muito grande sobre a pauta feminista. De acordo com as mestrandas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte Mariana Lemos de Morais Bezerra e Kalianny Bezerra de Medeiros, a internet permitiu a discussão e disseminação de ideias e pautas que antes eram deixadas de lado. "Nessa perspectiva, a web se tornou um instrumento de articulação de laços e correntes para a mudança social", escreveram. "O assédio sexual nos espaços públicos e a liberdade de disposição de seus próprios corpos correspondem a uma importante pauta feminista, que, por vezes, em virtude do medo, é escondida como maneira de autopreservação", completaram.
Clima de medo
Juliana Lima Castro, mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Pelotas, pesquisou as cantadas em dois ambiente: no Café Aquarios, no Centro de Pelotas, e no Polo Naval de Rio Grande. Segundo ela, é importante discutir as cantadas para que elas não sejam naturalizadas. "As chamadas 'cantadas', das quais as mulheres são alvo, são enfrentadas, na maioria das vezes, como algo normal."