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Sistema Carcerário

- Publicada em 12 de Janeiro de 2017 às 15:19

As alternativas a um sistema prisional que não deu certo

Afinal de contas, privatizar é uma solução?

Afinal de contas, privatizar é uma solução?


LUIZ SILVEIRA/AGÊNCIA CNJ/DIVULGAÇÃO/JC
Que a situação das penitenciárias brasileiras é caótica todos sabem. Em março de 2011, o então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cezar Peluso, comparou os presídios do País a masmorras medievais. Quase seis anos depois, o sistema sucumbiu diante de sua estrutura falida. Em um massacre que durou 17 horas, 56 presos do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), e outros quatro na Unidade Prisional de Puraquequara, ambos em Manaus, foram mortos por companheiros de cela. O motivo? Faziam parte de outras facções criminosas.
Que a situação das penitenciárias brasileiras é caótica todos sabem. Em março de 2011, o então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cezar Peluso, comparou os presídios do País a masmorras medievais. Quase seis anos depois, o sistema sucumbiu diante de sua estrutura falida. Em um massacre que durou 17 horas, 56 presos do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), e outros quatro na Unidade Prisional de Puraquequara, ambos em Manaus, foram mortos por companheiros de cela. O motivo? Faziam parte de outras facções criminosas.
O ocorrido em Manaus (que sepetiu em Roraima cinco dias depois, onde 33 detentos foram mortos, e no Rio Grande do Norte, no último sábado, com ao menos 26 óbitos) tirou o tapete de cima do problema, que, de modo geral, não sensibiliza a sociedade, que é, paradoxalmente, quem mais sofre com o cenário de degradação nos presídios do Brasil.
Nos casos de Manaus, uma outra questão chamou a atenção. Os presídios têm gestão privada, funcionando a partir de parceria com o setor público, por meio de um contrato entre o estado do Amazonas e a empresa Umanizzare. Na associação, a parceira privada ficava encarregada da segurança, da saúde e da alimentação do estabelecimento.
O massacre ocorrido em uma penitenciária gerida pela iniciativa privada coloca em xeque uma das bandeiras mais defendidas quando se fala em alternativas de gestão carcerária no País. Afinal de contas, privatizar é uma solução?

Sugerida como solução mágica, privatização mostra fragilidade

O aumento da violência e a crise financeira que asssola o Brasil fazem com que especialistas procurem novas formas de administrar o sistema prisional. Com uma população carcerária de 711.463 presidiários (considerando aqueles em prisão domiciliar) e apenas 357.219 vagas disponíveis, a maneira como o governo brasileiro trata seus detentos é insustentável. Uma possibilidade frequentemente sugerida, e criticada por muitos, é a privatização dos presídios. Existem dois modelos possíveis e já adotados no Brasil: a cogestão, quando o Estado constrói a unidade e a dirige, terceirando serviços como limpeza, alimentação e segurança; e a parceria público-privada, na qual a construção e a administração da unidade ficam sob a responsabilidade de uma empresa, com parâmetros estabelecidos pelo poder público.
Tida como a salvação do sistema penitenciário, a privatização teve a fragilidade exposta com as mortes ocorridas em Manaus. "A privatização está longe de ser uma solução mágica. O problema dessas administrações é que elas só visam ao lucro, não estão preocupadas com a ressocialização. Além disso, é estabelecido pela Constituição Federal que o sistema penitenciário deve ser administrado pelo poder público", constata a defensora pública estadual Cíntia Luzzatto. No entanto ela aponta algumas vantagens. "Oferecem o que não temos, por exemplo, aqui no Presídio Central de Porto Alegre. Aqui, a alimentação é custeada pelo próprio preso - uma galeria pagava R$ 40,00 por semana pela alimentação. É algo que não pode acontecer. Embora tenhamos atendimento médico e odontológico, o sistema de enfermaria não dá conta. É tudo muito precário", explica.
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A opinião de Cíntia é similar ao modo como o presidente da seccional gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RS), Ricardo Breier, vê a questão. Para ele, a parceria público-privada pode contribuir com a construção e a estrutura das casas prisionais, mas a segurança deve ficar a cargo do Estado. "O que temos claro é que o custo de um presídio privado é mais alto, que a natureza é mercantilista e menos ressocializadora, e há relatos de despreparo no trato ao preso", explica. Como vantagens, ele cita a melhora da estrutura e da assistência da casa prisional, a construção mais célere e as reformas necessárias feitas mais rapidamente.
Como solução possível em curto prazo, Breier sugere a construção de presídios pequenos. "Sustentamos a ideia de unidades menores, com menos custos. Um presídio menor é mais controlável, e a facção não tem tanto domínio. (No caso do Rio Grande do Sul) que façam presídios em Alvorada, Gravataí, Viamão, com estruturas mínimas para que não haja aglomeração no Presídio Central de Porto Alegre. Deixamos, assim, as grandes casas para os delitos mais graves. Hoje, juntamos todo o tipo de delito, não se sabe quem é usuário de drogas e quem é traficante dentro do sistema", opina.
Atualmente, 34,8 mil pessoas cumprem pena privativa de liberdade no Rio Grande do Sul. Considerado uma das piores casas prisionais brasileiras, o Presídio Central da Capital abriga por volta de 4,6 mil detentos, em um espaço com capacidade para 1,8 mil pessoas. Em média, o custo por apenado gira em torno de R$ 2 mil por mês. A possibilidade de privatizar o Presídio Central, o maior e mais insalubre do Estado, já foi aventada diversas vezes.
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O secretário estadual de Segurança Pública do Rio Grande do Sul, Cezar Schirmer, explica que "não tem nenhum preconceito em relação à iniciativa privada", mas que "não adianta ter administração, e não ter presídios". "Primeiro, garante-se o presídio e, em paralelo, a administração, que deve obedecer, obviamente, a uma relação de custo-benefício."
Para o juiz da Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre, Sidinei José Brzuska, o erro é colocar todos os criminosos juntos. "O modelo da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac), por exemplo, funciona plenamente por meio do sistema privado. O Estado não participa, e a reincidência dos presos é muito pequena", comenta. Ele explica que a causa do mau funcionamento das prisões é o não cumprimento da lei. "Não se cumpre a lei por uma questão cultural. A cultura de 'bandido bom é bandido morto' faz com que se joguem essas pessoas na cadeia à própria sorte, e é aí que as facções tomam conta."
Além disso, a maioria dos presos não comete crimes violentos. No Estado, o número de condenados por homicídio não chega a 5%. "Não temos o hábito da investigação e da apuração do crime violento. Ao se deparar com um cadáver, a primeira pergunta que se faz é quem é a pessoa, e a segunda é se o indivíduo tem envolvimento com o crime. A pergunta que deveria ser feita é quem matou aquela pessoa, e não se havia motivos para ela morrer", argumenta. Para mudar isso, é necessário mudar a cultura do País - e apurar crimes violentos, sem distinção.

Falhas na experiência amazonense já eram apontadas há um ano

Em janeiro de 2016, o relatório de visitas a presídios de Manaus do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (Mnpct), órgão ligado à Secretaria de Direitos Humanos do Ministério da Justiça, já deixava explícitas as falhas do Compaj e as dúvidas com relação à eficiência da gestão público-privada.
O documento embasa sua avaliação em legislações que abordam a questão da privatização de presídios. O texto frisa, por exemplo, a tentativa de reformulação da Lei de Execução Penal, através da Lei nº 13.190/2015, que pretendia proibir a delegação da segurança prisional à iniciativa privada. Relembra, ainda, a Lei nº 11.079/2004, que institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada, e veda a delegação do exercício de polícia a esse tipo de gestão.
A Resolução nº 5.08/2002 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciário (Cnpcp) também é lembrada no relatório. A norma recomenda "rejeição de quaisquer propostas tendentes à privatização do sistema penitenciário brasileiro". Da mesma forma, não admite que serviços penitenciários relativos a segurança, administração, gerenciamento e disciplina, bem como serviços técnicos, relativos a assistência jurídica, médica, psicológica e social sejam realizados por empresas privadas.
O Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (Cnpct) também aconselhou aos governos estaduais e federal, em sua Recomendação nº 02/2015, "a não privatização dos serviços relacionados à custódia de pessoas presas, especialmente no que tange às atividades de administração prisional, disciplina, segurança, transporte, assistência jurídica, médica, psicológica e social".
Quando se refere especificamente às condições observadas no Compaj, o documento aponta que a contratação dos agentes penitenciários não atendia aos requisitos da Lei de Execução Penal. Para exercer seu trabalho, os funcionários realizavam apenas um curso preparatório na Escola de Administração Penitenciária do Amazonas (Esap). "Se o trabalho em unidades prisionais já é, em si, uma atividade de risco, tal condição é mais agravada pela possibilidade de demissão, pela ausência de um plano de carreira e pela baixa remuneração dos profissionais (em torno de
R$ 1.700,00, considerando adicionais e descontos)", afirma o relatório.
O Mnpct destaca que, no complexo prisional, o Estado "não exerce sua função primária de monopólio legítimo da força, nem realiza efetivamente a sua tarefa de supervisão de execução penal". O relato é ainda mais rígido ao acrescentar que a atuação dos agentes se limita a abrir e fechar celas, enquanto as demais atribuições ficam sob responsabilidade dos próprios detentos. "Os presos das penitenciárias masculinas visitadas basicamente se autogovernam, criando regras extralegais ou ilegais que afetam a segurança jurídica e a vida das pessoas privadas de liberdade", reforça.
Além disso, a descrição do ambiente revela, diversas vezes, a insalubridade do presídio gerido pela Umanizzare. Escuro, úmido e sujo são alguns dos adjetivos usados para descrever o que a fiscalização testemunhou. "Foi possível notar muito lixo disperso no chão, e escutamos relatos de que, apesar de solicitarem, a direção não disponibiliza vassouras, pás de lixo ou qualquer outro tipo de material de limpeza para os presos", aponta.
Após o massacre, o poder público e a empresa gestora do presídio trocaram responsabilidades. "Vocês sabem que lá em Manaus o presídio era terceirizado, era privatizado, e portanto não houve, por assim dizer, uma responsabilidade muito objetiva, muito clara, muito definida dos agentes estatais", afirmou o presidente Michel Temer. Enquanto isso, a Umanizzare se pronunciou por meio de nota, lamentando o ocorrido e acrescentando que "a lei explicita, sem dar margem à dúvida, a contenção de rebeliões como prerrogativa exclusiva do poder público".

Para Pastoral Carcerária, modelo ideal é o que prende menos

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Para o órgão da Igreja Católica, nenhum modelo privado é ideal. Mesmo assim, a entidade não defende, tampouco, o modelo estatal. "O ideal é que não se coloque pessoas no sistema prisional. Que se busquem formas de solução de conflitos que não passem pelo encarceramento - justiça restaurativa, conciliação", cita.
Malvezzi afirma que o Brasil é o país que mais construiu prisões nos últimos anos e que nem de longe o déficit de vagas foi solucionado. "Temos uma cultura de encarceramento em massa, que precisa ser revertida. Não é possível construir presídios no ritmo em que se prende, a não ser que fechemos escolas, hospitais, faculdades para financiar esse sistema", critica. A ineficiência da política de guerra às drogas é citada como uma das causas do problema, uma vez que a maioria dos detentos do Brasil são pequenos traficantes.

Brasil conta com ao menos 27 facções criminosas

O Complexo Penitenciário Anísio Jobim de Manaus convive com duas grandes facções. A Família do Norte (FDN), responsável pelas 56 mortes, tem como inimigo os integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo. Para os investigadores do massacre, a intenção da FDN era fazer uma "limpa geral" dos adversários. Especialistas em segurança apontam cerca de 27 facções espalhadas por todo o Brasil. A rivalidade entre elas é motivada, principalmente, pelo controle do tráfico de drogas e de armas.
Para o juiz Luís Carlos Valois, da Vara de Execução Penal de Manaus, a falha que deu brecha ao domínio desses grupos é nacional. Ele acredita que as penitenciárias federais, que unem presos de todos os estados, deram aos detentos status de líderes. "A penitenciária federal deu poder a esses presos, que ficam lá e voltam aos seus estados posteriormente. Esse foi o grande erro", lamenta.
Já o juiz da Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre, Sidinei José Brzuska, avalia as facções como um fenômeno inerente às prisões, que cresce e se alimenta de mão de obra colocada nos presídios. "Os presos aderem às facções, porque não damos segurança a eles. Se tiver segurança, isso não acontece", afirma. Para ele, a lógica de que bandido tem de sofrer deu brecha para que as facções oferecessem o que era papel do Estado. "A primeira preocupação do preso é quanto à sua segurança pessoal. E, atualmente, quem a garante são as facções. Se o Estado quer assumir essa administração, ele deve garantir a integridade física do preso", pondera.