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Teatro

- Publicada em 20 de Outubro de 2016 às 22:21

Êxtase e frustrações

Só, uma das atrações do Porto Alegre em Cena, tem trilha composta por Arrigo Barnabé

Só, uma das atrações do Porto Alegre em Cena, tem trilha composta por Arrigo Barnabé


MARCO AURÉLIO OLIMPIO/DIVULGAÇÃO/JC
A segunda semana do Porto Alegre em Cena reservou surpresas e emoções, êxtase e frustrações.A apresentação de Inútil a chuva, dramaturgia de Paulo Moraes e Jopa Moraes, com a direção do primeiro, para o grupo Armazém, foi um festival de nonsense que cansou e chegou a irritar. Um enorme esforço de produção, uma cenografia difícil e desafiadora, do mesmo Paulo de Moraes e Carla Berri, figurinos de Rita Murtinho e iluminação de Maneco Quinderé captava a atenção do público desde o primeiro minuto, com aquele enorme barco suspenso sobre o espaço cênico.
A segunda semana do Porto Alegre em Cena reservou surpresas e emoções, êxtase e frustrações.A apresentação de Inútil a chuva, dramaturgia de Paulo Moraes e Jopa Moraes, com a direção do primeiro, para o grupo Armazém, foi um festival de nonsense que cansou e chegou a irritar. Um enorme esforço de produção, uma cenografia difícil e desafiadora, do mesmo Paulo de Moraes e Carla Berri, figurinos de Rita Murtinho e iluminação de Maneco Quinderé captava a atenção do público desde o primeiro minuto, com aquele enorme barco suspenso sobre o espaço cênico.
Mas, meia hora depois de iniciado o espetáculo, a gente se sentia absolutamente perdido e sem saber, objetivamente, sobre o que o grupo queria falar. O elenco formado por Patrícia Selonk, Andressa Lameu, Leonardo Hinckel, Tomás Braune, Marcos Martins e Lisa Eiras esforçava-se para prender a atenção da plateia, mas era difícil. A linha dramática mudava de rumo a todo o momento. A fragmentação era mais que diversidade, tornava-se uma caminhada sem rumo, que levava ao nada e isso fez com que alguns espectadores, inclusive, se retirassem do teatro. Em que pese o esforço do grupo, só se pode lamentar a proposta que, sim, é absolutamente cheia de incertezas que são transmitidas ao público.
Daí, aconteceu aquele salto incrível, inesperado, memorável, inesquecível: a performance do espetáculo minimalista São Manuel Bueno, mártir. Trata-se de uma noveleta original do espanhol Miguel de Unamuno, escrita em Salamanca, em setembro de 1930, e mais tarde retomada, por ele, para formar um pequeno volume com dois outros textos. Unamuno, para além de suas qualidades como escritor e pensador do século XX, destaca-se por sua decidida resistência à ditadura de Francisco Franco, chegando a ser demitido enquanto Reitor da Universidade de Salamanca, sendo depois condenado à prisão domiciliar.
Unamuno é a principal figura da chamada geração de 1898. Mas tudo isso não justificaria o estupor e a emoção que se apossou de todos nós, ao assistirmos à encenação deste seu pequenino (no tamanho) texto, de prosa, transformado num texto dramático eletrizante, respeitado quase em sua integridade absoluta (poucas frases foram cortadas para certamente manter o ritmo do espetáculo). No diminuto espaço cênico, a arquibancada com o pequeno público acompanha, na arena abaixo, três atores, vestidos de preto, sentados em torno de uma mesa-redonda que, além do mais, pode ser movimentada circularmente. Sobre uma toalha, espalha-se areia e serragem. Os bonecos começam a surgir, à medida em que a narradora (Angela Carballino, vivida por Sandra Vargas, absolutamente inesquecível) relembra os acontecimentos em torno do cura da aldeia. Os bonecos, entalhes de madeira do escultor Mandy, são bonecos fixos, por vezes pedaços de madeira polidos e cortados de maneira a sugerir figuras, mas que em sua imobilidade, parecem ganhar vida e provocam profunda emoção. A dramaturgia de Luiz André Cherubini e Sandra Vargas, que também assinam o espetáculo, interpretando as personagens ao lado de Maurício Santana, são de uma sensibilidade e poeticidade a toda prova. Simplesmente inolvidáveis. O espetáculo resulta numa daquelas experiências raras, que elevam a produção sensível de um grupo de artistas ao nível maior da verdadeira arte.
A música, interpretada ao vivo, é composta por Henrique Annes, com cenografia de Luiz André Cherubini. Com ambientação de Telumi Helen, figurinos de João Pimenta e iluminação de Renato Machado, o texto de Unamuno ganha vida, emoção, poesia, transcendência: no dia seguinte ao espetáculo, fui procurá-lo e lê-lo. Não sei se o tivesse lido antes de assistir ao espetáculo, teria a mesma impressão. Certamente a leitura cênica proposta pelo grupo Sobrevento deu uma outra vitalidade ao original, fazendo com que este se tornasse o melhor espetáculo de muitos festivais a que temos assistido ao longo de anos. Deveria voltar para temporada específica ou numa próxima edição do festival.
Para se ver que nem tudo é fácil, o mesmo grupo, depois, apresentou um espetáculo com atores, Só, que inclusive tem trilha sonora de Arrigo Barnabé e inclui elenco com maior número de intérpretes. Em que pese uma dramaturgia bem desenvolvida, enorme atenção aos objetos em cena, não tivemos a mesma experiência poética e sensível: talvez até prejudicado pelo espetáculo anterior, decepcionou.
Por fim, ainda acompanhei Caminham nus empoeirados, direção de Gero Camilo e Luísa Pinto, com interpretações do próprio Gero Camilo e Victor Mendes, a partir de um texto do mesmo Gero Camilo. Confesso que fui para o teatro com enorme expectativa, mas mais uma vez me frustrei. O mesmo problema do espetáculo sobre o qual abro esta coluna: mistura demasiada de assuntos e perspectivas, acaba gastando e perdendo a atenção do público, em que pese os dois atores serem excelentes intérpretes.
Em suma, a segunda semana do festival nos deu o melhor, mas também nos ofereceu obras menores, resultado que talvez esteja a indicar a necessidade de uma maior multiplicidade de olhares quanto ao grupo curador.
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