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Cinema

- Publicada em 03 de Novembro de 2016 às 22:43

A grande ameaça

Numa de suas últimas entrevistas, Umberto Eco foi irônico ao afirmar que o escritor Dan Brown não existia realmente pois era uma criação sua, um personagem, portanto, de um romance do autor de O nome da rosa. Eco, um fascinado pelo mundo antigo e por figuras envolvidas em conspirações só derrotadas por quem tem amplo conhecimento da antiguidade, era um fascinado pelo processo destinado a esclarecer e resolver problemas ameaçadores.
Numa de suas últimas entrevistas, Umberto Eco foi irônico ao afirmar que o escritor Dan Brown não existia realmente pois era uma criação sua, um personagem, portanto, de um romance do autor de O nome da rosa. Eco, um fascinado pelo mundo antigo e por figuras envolvidas em conspirações só derrotadas por quem tem amplo conhecimento da antiguidade, era um fascinado pelo processo destinado a esclarecer e resolver problemas ameaçadores.
Ao mesclar, no romance citado, a intriga policial com o mundo medieval, ele mostrou que a Teoria da Conspiração poderia perfeitamente ser utilizada para que fosse erguida uma alegoria sobre deformações criadoras de forças guiadas por poderosos e desconhecidos, transformados em manipuladores de tudo o que acontece, deuses que a tudo orientam e comandam. A narrativa policial é vista assim como uma forma de tornar visível o oculto, transformar em concreto o abstrato. O diretor Ron Howard, por sua vez, é realizador que explora duas tendências. É capaz de realizar filmes como Frost/Nixon e No limite da velocidade, obras merecedoras de respeito e atenção, e também a agora trilogia baseada em Brown, completada por este Inferno e cujos dois primeiros títulos foram O código Da Vinci e Anjos e demônios. Esta parte de sua obra, a mais bem concretizada em resultado nas bilheterias, revela uma parte da personalidade de Howard: ele não tem medo do ridículo.
Depois da irreverência superficial do primeiro filme da trilogia, sobre um segredo defendido pela Igreja, e pela tentativa de um grupo de eleger como Papa um representante de sua organização, no segundo, o cineasta volta a colocar na tela, novamente interpretado por Tom Hanks, o professor Robert Langdon, uma espécie de Indiana Jones do mundo dos símbolos. Mas há uma enorme distância entre Howard e Steven Spielberg. Tal distância é marcada, principalmente, pelo humor, algo ausente em Inferno e nos outros dois filmes. Howard se leva muito a sério. Enquanto Spielberg vai buscar inspiração nos antigos seriados, ele procura posar de salvador da humanidade e tenta parecer um realizador culto, seja pela focalização de cenários relacionados às artes em geral, seja pelas citações de obras literárias. Mas basta ver como ele mostra um concerto durante uma perseguição para que se constate suas limitações e como ele está longe de um mestre como Hitchcock em O homem que sabia demais, para citar um cineasta que ele parece admirar. E as referências a Dante Alighieri chegam a ser constrangedoras, principalmente na sequência final, quando o protagonista cita a grande paixão do poeta, querendo comparar seu amor não concretizado ao de Dante por Beatriz.
Simplificação talvez seja a palavra exata para que o filme seja entendido. Estamos diante de um gênio do mal. Na verdade, trata-se de mais um genial condutor dos povos, que não hesita em sacrificar milhões para permitir quem apenas parte da população da Terra continue vivendo. Os fins justificam os meios, parece dizer o mais novo inimigo da humanidade. Para chegar a um cenário de harmonia e felicidade é necessário passar antes por sacrifícios e contemplar um cenário que só o gênio do poeta florentino foi capaz de criar. Ao trazer para a realidade uma visão literária, o grande inimigo se transforma na maior ameaça. Mas como ele já é liquidado na primeira sequência, o protagonista terá de descobrir, através da decifração de símbolos, como evitar que a peste medieval se torne, outra vez, numa força exterminadora. O tema malthusiano merece do filme um tratamento superficial. A superpopulação do planeta pode ser realmente uma preocupação, mas a narrativa de Howard em nenhum momento dela se aproxima. Tudo é pretexto de exibicionismos permitidos pela tecnologia. Os problemas colocados são resolvidos de forma rápida, como se tudo não passasse de exercícios físicos aos quais os atores têm de ser submetidos, correndo de um lado para outro, subindo e descendo escadas, enfrentando o medo de precipícios.
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