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Economia

- Publicada em 10 de Julho de 2016 às 22:45

Elevar impostos é inevitável, afirma Nóbrega

Ex-ministro da Fazenda no Governo Sarney defende que o governo limite gastos dos estados

Ex-ministro da Fazenda no Governo Sarney defende que o governo limite gastos dos estados


CASSIANA MARTINS/JC
Marina Schmidt
Minutos antes de participar de um painel sobre perspectivas para economia brasileira, promovido pelo Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), o economista e ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega sacramentou que a elevação de tributos deve se concretizar até o próximo ano. A exemplo da atual gestão de Michel Temer, Nóbrega também fez parte do quadro de um governo de transição, o de José Sarney. Nesta entrevista exclusiva concedida ao Jornal do Comércio na sexta-feira, o ex-ministro pondera sobre os desafios econômicos do País.
Minutos antes de participar de um painel sobre perspectivas para economia brasileira, promovido pelo Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), o economista e ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega sacramentou que a elevação de tributos deve se concretizar até o próximo ano. A exemplo da atual gestão de Michel Temer, Nóbrega também fez parte do quadro de um governo de transição, o de José Sarney. Nesta entrevista exclusiva concedida ao Jornal do Comércio na sexta-feira, o ex-ministro pondera sobre os desafios econômicos do País.
Jornal do Comércio - Há um argumento de que o Brasil enfrenta a pior recessão da história, contestado por muitos que viveram o período da hiperinflação. Quem está com a razão?
Maílson da Nóbrega - Se você considerar que recessão é uma queda da atividade econômica, esta que estamos vivendo é a pior da história. Só em 1930 e 1931 tivemos dois anos consecutivos de queda do PIB, o que acontece agora nos anos de 2015 e 2016. Só que a atual é com uma queda maior. Naquela época foi algo no conjunto de 3% a 4%, agora vai ser 7%. E temos uma economia muito mais complexa, onde os efeitos são mais acentuados. Se observarmos a questão do ponto de vista da perda de renda, de modo geral, da classe trabalhadora, a inflação é muito pior, e, sobretudo, a inflação do nível em que estava até o advento do Plano Real. Se você considerar, finalmente, que num processo hiperinflacionário o sistema de preços para de funcionar e, portanto, as decisões começam a ser irracionais, os riscos aumentam, então, eu diria que numa hiperinflação a crise é maior no seu conjunto.
JC - Quais são os riscos desta atual recessão?
Nóbrega - Aqui temos os riscos de um colapso fiscal. Nesse sentido a herança que o presidente interino Temer está recebendo é a pior da história, porque o País está caminhando para assistir a uma trajetória explosiva da relação entre a dívida pública e o PIB, que é o principal indicador de solvência do setor público. Em países que não emitem moeda, como é o caso da Grécia, o governo deixa de pagar sua dívida porque não tem como emitir dinheiro. No caso do Brasil, vamos emitir dinheiro para isso, de alguma forma. E o calote se daria não pela suspensão do pagamento, mas pela desvalorização dos papéis, porque isso colocaria em marcha, novamente, uma inflação galopante. Eu diria que esse é o grande risco pelo qual passa a economia brasileira neste momento. Felizmente, existe uma série de medidas econômicas em andamento e promessas de medidas que vão desde a emenda constitucional para limitar o gasto público global federal à inflação do ano anterior e dentro disso algumas medidas precisam ser adotadas para tornar operacional essa limitação. Isso implica reformar a Previdência, acabar com as vinculações de receitas e despesas e cobrar impostos. Infelizmente, o Brasil não vai se livrar - por mais que não queiramos - de haver aumento de tributos. Quando o governo fala que tem R$ 55 bilhões de receitas com expectativa de materialização em 2017, está dizendo: vamos cobrar mais impostos. Porque não cobrar impostos neste momento poderia agravar mais ainda a situação fiscal e aí a velocidade explosiva dessa relação seria aumentada.
JC - O senhor fala das medidas que começaram a ser tomadas por Temer, mas ainda é um momento em que as ações adotadas parecem confusas, por conta do ambiente político, como foi o caso da aprovação do reajuste para os três poderes. Como se equilibra essa balança?
Nóbrega - Não tem como contornar isso. As decisões de governo, principalmente em momentos de transição política, não seguem o mesmo tempo e a mesma racionalidade das decisões econômicas. O governo interino se deparou com um acordo celebrado entre o governo da presidente Dilma Rousseff e a classe dos servidores públicos. Negar esse acordo num momento delicado como este, em que o presidente é interino, poderia criar uma confusão que de alguma forma poderia atrapalhar o processo de condução do julgamento da presidente Dilma. Eu passei pelo governo e vivi momentos como este, entendo perfeitamente o que foi feito. Não tinha muita saída, porque agora todas as baterias estão voltadas para assegurar que o Senado confirme o impeachment de Dilma, porque a alternativa a isso é a catástrofe. Se Dilma voltar a ser a presidente da República vai ser a pior crise pela qual o Brasil já passou. Ela não tem nenhuma condição de governar o País e de atrair gente qualificada para o governo. Isso geraria uma onda de incertezas gigantesca e de fuga de capitais.
JC - E sobre o acordo com os estados, qual é a sua avaliação das medidas do governo interino?
Nóbrega - Esta é a quarta crise pela qual os estados passam desde os anos 1980, e se não tomarmos medidas para restringir a capacidade que os governos têm de tempos em tempos de ampliar gastos, vamos ter outra crise daqui a pouco. Só que tem uma realidade que se impõe: nenhum governo pode ficar insensível ao risco de colapso de serviços públicos essenciais nos estados. Saúde, educação e segurança: deixar essas áreas entrarem em colapso para preservar um ponto de vista meramente econômico não faz o menor sentido.
JC - As contrapartidas vão pesar para os estados neste momento em que a crise tem levado as pessoas a recorrerem cada vez mais para os serviços públicos, principalmente com saúde e educação. O gasto é crescente, mas a receita não. Não tem como equalizar isso, ou tem?
Nóbrega - Não tem. Esse é o drama. E isso não está de todo resolvido ainda. No caso dramático do Rio Grande do Sul, provavelmente o governo continua dando calote, agora nos fornecedores. Isso em algum momento vai ter que ter uma solução. Acho que a saída é criar algum mecanismo institucional de âmbito da Constituição que amplie limites para que não se repitam irresponsabilidades como vimos em vários estados em gestões passadas, com o governo federal, particularmente o Ministério da Fazenda e a Secretaria do Tesouro, autorizando aumento de endividamento absolutamente fora de uma certa racionalidade. Isso tem que ter um fim. Nós não podemos ir para uma quinta crise estadual porque o País inteiro paga por isso.
JC - O senhor sinalizou que a carga tributária irá aumentar. Qual é a sua perspectiva?
Nóbrega - Eu acho que tem três fontes que se pode enxergar de aumento de carga tributária: a primeira é a eliminação de muitas desonerações para aumentar a arrecadação. Outro candidato sério é a Cide, que pode gerar uma arrecadação para o governo de mais de R$ 30 bilhões. Mais um candidato natural é a CPMF, que é muito mais difícil de aprovar. Todo mundo perderia com a CPMF. Atinge todo mundo porque vai aumentando os custos de produção. De um modo geral, a Cide terá um impacto inflacionário importante, que acabaria afetando todo mundo. A questão é: o aumento de tributo afeta muito a sociedade brasileira, mas não fazê-lo e deixar o País caminhar para uma insolvência pode ser muito pior.
JC - Qual sua análise sobre a recente polêmica da jornada de trabalho de 80 horas semanais?
Nóbrega - Oitenta horas é um exagero. O que a França está tentando fazer é flexibilizar uma rigidez que existe em relação às 35 horas semanais, e não estabelecer um novo patamar. Temos o caso da Coreia do Sul, que após a guerra estava arrasada. A sociedade se uniu, aprovando uma jornada de trabalho de 56 a 60 horas por semana, e os trabalhadores folgavam um domingo e o outro não. Mas foi um momento de reconstrução, não chegamos a isso ainda.
JC - Há uma tese de que a redução da carga de trabalho para 36 horas fomentaria a geração de emprego. O que é melhor: aumento ou redução da jornada?
Nóbrega - A redução da jornada vem desde o século 19 não por benevolência do sistema político e nem pela força dos sindicatos, mas sim pelo ganho de produtividade. Na medida em que o trabalhador produz mais, a produtividade aumenta, e é muito justo que uma boa parte desse ganho vá para o trabalhador por aumento do salário ou redução da jornada, ou a combinação dos dois. Não vemos isso hoje no Brasil, pelo contrário, a produtividade do brasileiro é apenas 20% do trabalhador americano.
JC - Quando o Brasil vai retomar a trajetória de crescimento?
Nóbrega - O momento é muito ruim. O PIB deve cair de 3% a 3,5% neste ano, a inflação vai passar dos 7%, provavelmente iremos para 12 ou 13 milhões de desempregados. Mas algumas notícias boas já aparecem. A confiança começa a se recuperar tanto do consumidor quanto dos empresários. Está havendo uma reação espetacular do setor externo: o Brasil teve um déficit comercial de US$ 6 bilhões em 2014 e está caminhando para um superávit de US$ 50 bilhões em 2016. O comércio exterior irá começar a contribuir para a estabilização. Tudo indica que o fundo do poço está chegando, e talvez, a gente já entre em 2017 com pequeno crescimento da economia, em torno de 1,5%. Dificilmente, iremos ver o Brasil crescer acima de 3% antes de três a cinco anos, infelizmente essa é a realidade.
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