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Segurança nas estradas

- Publicada em 14 de Julho de 2016 às 21:59

Obrigatoriedade de exame toxicológico gera polêmica

Utilização de substâncias psicoativas, como cocaína, crack, ecstasy e anfetamina (o famoso rebite), é comumente associada à grande quantidade de desastres nas rodovias brasileiras

Utilização de substâncias psicoativas, como cocaína, crack, ecstasy e anfetamina (o famoso rebite), é comumente associada à grande quantidade de desastres nas rodovias brasileiras


VILMAR DA ROSA/DIVULGAÇÃO/JC
Um artigo introduzido no Código Brasileiro de Trânsito (CTB) pela Lei Federal nº 13.103 de 2015, mais conhecida como Lei dos Caminhoneiros, está causado polêmica, envolvendo motoristas, os Departamentos Estaduais de Transito (Detran) e entidades ligadas aos transporte rodoviário e logístico. Trata-se do item 138-A, responsável pela obrigatoriedade da realização de exames toxicológicos para adição de categoria ou renovação para detentores de Carteira Nacional de Habilitação (CNH) C, D e E (caminhões, ônibus e veículos articulados), sejam eles motoristas profissionais ou não.
Um artigo introduzido no Código Brasileiro de Trânsito (CTB) pela Lei Federal nº 13.103 de 2015, mais conhecida como Lei dos Caminhoneiros, está causado polêmica, envolvendo motoristas, os Departamentos Estaduais de Transito (Detran) e entidades ligadas aos transporte rodoviário e logístico. Trata-se do item 138-A, responsável pela obrigatoriedade da realização de exames toxicológicos para adição de categoria ou renovação para detentores de Carteira Nacional de Habilitação (CNH) C, D e E (caminhões, ônibus e veículos articulados), sejam eles motoristas profissionais ou não.
Em vigor desde o dia 2 de março de 2016, a resolução do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) tem o objetivo de detectar a utilização de substâncias psicoativas, como cocaína, crack, maconha, morfina, heroína, ecstasy, anfetamina - o famoso rebite - e suas derivações, nos 90 dias anteriores ao exame. Com isso, espera-se aumentar a segurança no trânsito, especialmente em rodovias, tendo em vista a associação entre acidentes envolvendo motoristas de caminhão e ônibus e o uso de algum tipo de droga. A argumentação é baseada em estudos da Polícia Rodoviária Federal (PRF) sobre esse tipo de ocorrência.
O exame tem um custo médio de R$ 300,00 e pode ser feito apenas por laboratórios credenciados pelo Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). A lista de clínicas autorizadas, disponível no site da entidade, conta com apenas seis opções, todas elas localizadas em São Paulo e no Rio de Janeiro. Motoristas de outros estados precisam buscar postos de coletas de material em suas cidades. Nesses casos, entre a coleta e a entrega do resultado, estima-se um prazo de 30 dias. Após abrir o processo em um Centro de Formação de Condutores, o procedimento é, agora, o primeiro passo para renovação de CNH dessas categorias.
A análise toxicológica é feita a partir de amostras de queratina, encontrada em fios de cabelo, pelos ou unhas. Caso identificada alguma das substâncias, a quantidade e a duração são submetidas à avaliação médica, também nas clínicas credenciadas, pois o condutor pode estar utilizando medicamentos, sob prescrição, que possuam em sua composição algum elemento detectado pelo exame. Somente a partir desse parecer será emitido um laudo final de aptidão ou não do candidato. Ou seja, a realização do exame e a identificação de substâncias não constituem por si só motivo de inaptidão. Ao conhecer o resultado, o indivíduo tem o direito de anonimato e de decidir sobre a continuidade dos procedimentos para obter a habilitação.
O Detran-RS, contrário à medida, interpôs, no dia 9 de março de 2016, uma ação judicial solicitando a suspensão da exigência do exame toxicológico no Rio Grande do Sul. A liminar, entretanto, foi indeferida duas semanas depois, mantendo a obrigatoriedade no território gaúcho, onde 884,1 mil condutores estão habilitados nas categorias C, D e E. De fevereiro de 2015 a fevereiro de 2016, último mês antes da resolução entrar em vigor, foram realizados 178,1 mil processo de renovação, mudança de categoria e adição, que seriam bloqueados sem o exame. O órgão estadual diz estar trabalhando em pesquisa para revelar o número de motoristas impedidos de realizar o processo devido ao impasse.
Outra entidade a buscar a justiça para dar fim ao impasse relativo à exigência de exame toxicológico é a Federação dos Caminhoneiros Autônomos do Rio Grande do Sul e Santa Catarina (Fecam), que representa de 300 mil motoristas transportadores de cargas no Estado. Na visão da Fecam, o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) "extrapolou seu poder regulamentar", uma vez que as resoluções que tratam do assunto vão contra o dispositivo do artigo 47 do próprio CTB, seu ato normativo primário. O presidente da Fecam, André da Costa, ressalta que a legislação de trânsito já trata do assunto no seu artigo 306, onde pune o uso de substâncias psicoativas que causem dependência, mas no momento da condução do veículo.
Em paralelo, as mesmas condições são questionadas por todo o Brasil. Enquanto os demais estados aguardam liminares, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Goiás, Amapá, Roraima e Maranhão obtiveram sucesso na batalha contra a obrigatoriedade recentemente. O Rio Grande do Sul aguarda o julgamento do agravo realizado após o indeferimento da primeira liminar, o que deve ocorrer em breve, segundo os especialistas. Além disso, duas ações direta de inconstitucionalidade, com objetivo de retirar definitivamente o artigo em questão do CTB, estão aguardando julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Como não há prazo definido para a causa ser avaliada no STF, a polêmica do exame deve prosseguir pelos próximos meses.

Detran diz que exigência leva à perda do controle da habilitação dos condutores

Utilização de substâncias psicoativas, como cocaína, crack, ecstasy e anfetamina (o famoso rebite), é comumente associada à grande quantidade de desastres nas rodovias brasileiras

Utilização de substâncias psicoativas, como cocaína, crack, ecstasy e anfetamina (o famoso rebite), é comumente associada à grande quantidade de desastres nas rodovias brasileiras


VILMAR DA ROSA/DIVULGAÇÃO/JC
Empenhado em barrar a exigência do exame toxicológico, o Departamento Estadual de Trânsito do Rio Grande do Sul (Detran-RS) alega que a avaliação física e mental comumente realizada é suficiente para garantir a aptidão física e mental do motorista. Conforme a diretora técnica do Detran-RS, Carla Badaraco Guglielmi, o exame médico, primeira etapa na obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), é realizado por profissionais credenciados com especialização em medicina do tráfego, que podem, inclusive, solicitar exames complementares caso julguem necessário.
Para Carla, um dos problemas da nova legislação é, supostamente, tirar do controle do Estado a responsabilidade pela habilitação dos condutores, pois o teste é feito em laboratórios particulares. "A formação de condutores é, por lei, uma questão de segurança pública que tem que ficar sob orientação e fiscalização do Estado. Com o exame toxicológico, perdemos uma informação dentro dos processos, pois os laboratórios não são controlados pelo Detran e utilizam um sistema informatizado diferente, nem há comunicação a respeito do resultado entre Detran e Denatran", afirma.
Além disso, também é questionado o custo adicional, a cargo do candidato à renovação ou adição de categoria, a incerteza em relação ao tempo necessário para obter os resultados e, inclusive, sua eficácia na detecção de substâncias na comparação com procedimentos mais simples, como aqueles realizados com amostras de urina. Carla ressalta ainda que a obrigatoriedade para as categorias C, D e E fere a isonomia entre os condutores. "Se vou examinar um, tenho que examinar todos. A diferenciação entre os condutores é inconstitucional, pois fere a dignidade humana. Esse é um dos fundamentos dessa ação judicial que o Detran interpôs", explica.
Por fim, a fiscalização, por meio de blitze e de ações como a balada segura, é considerada uma ferramenta mais eficaz para a promoção da segurança pelo Detran-RS. Nesse sentido, o órgão está desenvolvendo um projeto com o Núcleo de Estudo e Pesquisa em Trânsito e Álcool do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas, ligado à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Um dos objetivos é desenvolver o drogômetro, aparelho semelhante ao bafômetro, mas capaz de identificar, durante as ações de fiscalização, se o motorista fez uso de drogas.

Setcergs critica a duplicidade da exigência

Utilização de substâncias psicoativas, como cocaína, crack, ecstasy e anfetamina (o famoso rebite), é comumente associada à grande quantidade de desastres nas rodovias brasileiras

Utilização de substâncias psicoativas, como cocaína, crack, ecstasy e anfetamina (o famoso rebite), é comumente associada à grande quantidade de desastres nas rodovias brasileiras


VILMAR DA ROSA/DIVULGAÇÃO/JC
O Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística do Rio Grande do Sul (Setcergs) questiona, entre outros pontos, a duplicidade na obrigatoriedade do exame no caso de motoristas profissionais. Isso porque, na Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), há exigência do teste toxicológico na admissão e demissão. Ou seja, na opinião do Setcergs, além de gerar um custo demasiado, arcado pelas empresas, as obrigatoriedades trabalhista e de trânsito se acumulam.
Segundo o assessor jurídico do Setcergs, Marcelo Restano, para além da questão do Código de Trânsito, a demanda trabalhista gera insegurança jurídica. O prazo médio de 30 dias para obtenção do resultado é considerado muito extenso para um processo de seleção, que muitas vezes precisar ser ágil. Mas é a demissão que gera maior preocupação. "Quando a empresa dá um aviso prévio, ela tem 10 dias para cumprir todas as etapas até a homologação da rescisão de contrato. O prazo de um mês do exame gera insegurança, pois a empresa faz o desligamento sem ter como cumprir a legislação", explica.
Restano acrescenta que a lei tampouco esclarece qual deve ser o encaminhamento no caso de o exame testar positivo no momento do desligamento. Na exigência para renovação da Carteira Nacional de Habilitação e adição de categoria, o Setcergs lembra que todas as empresas do setor mantêm profissionais da área da medicina do trabalho para avaliação dos motoristas profissionais. "Se o médico do trabalho entender que deve solicitar exames complementares que adentrem na seara toxicológica, ele poderá fazê-lo", completa Restano.

Para médicos que trabalham com tráfego, norma é ineficiente

A Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet) também é contrária à exigência de exame toxicológico de larga janela de detecção. Para a Abramet, o teste exigido pelo Contran "se apresenta ineficiente sob diversos aspectos". Em posição ratificada por outras entidades do setor - como a Sociedade Brasileira de Toxicologia, Conselho Federal de Medicina, Sociedade Brasileira de Ciências Forenses, Associação Nacional de Medicina do Trabalho e Laboratório de Toxicologia da Faculdade de Medicina da USP -, a Abramet afirma que não há respaldo teórico, técnico e científico e legal para sua aplicação, tanto que o mesmo não é utilizado como ação de saúde pública em nenhum país.
O método que utiliza fios de cabelo, pelos e unhas, conforme o médico e diretor da Abramet, Dirceu Rodrigues Alves Júnior, não é capaz de definir com precisão o momento exato do consumo da substância ilícita. Ou seja, a alegação é que, para se enquadrar no caso de infração gravíssima na Lei de Trânsito, o condutor precisa estar sob efeito de substâncias psicoativas ilegais no ato de dirigir. Segundo Alves, o uso de entorpecentes dias ou até meses antes não teria relação de causa e efeito em um processo de investigação de acidentes de trânsito, o que seria o intuito da legislação.
Em nota, a Abramet diz que a norma alimenta extensa discussão judicial preexistente quanto à validade de impor ao cidadão obrigações que o autoincriminem. "É importante deixar claro que a Abramet e demais entidades científicas não colocam restrições, por si só, ao exame toxicológico de larga detecção. A crítica que se faz é quanto à utilização no escaneamento universal de condutores em momento que não o da condução de veículos automotores", enfatiza Alves.