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Entrevista Especial

- Publicada em 12 de Junho de 2016 às 21:56

TRE vai intensificar a fiscalização de caixa-2, diz Liselena

 "Ainda não elegemos 30% de mulheres, mas se houver candidatas já é um passo"

"Ainda não elegemos 30% de mulheres, mas se houver candidatas já é um passo"


MARCO QUINTANA/JC
Em um ano com mudanças substanciais no regramento das eleições, que vai desde a proibição de que empresas financiem campanhas eleitorais à duração menor do período de propaganda, Liselena Ribeiro tomou posse como presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Rio Grande do Sul na condição de primeira mulher a conduzir um pleito no Estado.
Em um ano com mudanças substanciais no regramento das eleições, que vai desde a proibição de que empresas financiem campanhas eleitorais à duração menor do período de propaganda, Liselena Ribeiro tomou posse como presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Rio Grande do Sul na condição de primeira mulher a conduzir um pleito no Estado.
Na opinião da desembargadora, com as mudanças, o esforço de fiscalização dos tribunais regionais terá de ser maior, principalmente com a possibilidade de se intensificar a prática do caixa-2. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Liselena também foi crítica em relação à obrigatoriedade da impressão do voto, que entrará em vigor nas eleições de 2018. "Acho que vai haver mais corrupção, porque a impressão garantirá, no caso de venda do voto, que o eleitor fez a venda certa", advertiu.
Um dos esforços do tribunal e do Ministério Público Eleitoral, segundo a juíza, é aumentar a participação feminina na política. "Esse é um desafio cultural que envolve toda a sociedade brasileira", afirmou.
Jornal do Comércio - Que mudanças práticas o fim do financiamento privado das campanhas eleitorais pode trazer para a vida do eleitor e dos candidatos?
Liselena Ribeiro - A campanha eleitoral desse ano estará mais pobre. A reforma eleitoral de 2015 determinou que não há mais doações por empresas, apenas por pessoa física. A nossa informação é de que, na última eleição, só 5% das doações foram de pessoa física e 95% vieram de empresas. Como a campanha vai estar mais simples, vai se restringir à televisão, rádio, e o eleitor vai ter que prestar mais atenção no perfil do candidato, nas promessas. Na rua, só poderá levar bandeira. Adesivos, um por imóvel, com meio metro quadrado. Não pode mais ter cavalete, placas em postes, placas nas ruas. Penso que vai ter muita propaganda pela internet.
JC - A questão da restrição da doação de empresas intensifica o risco do uso de caixa-2?
Liselena - A fiscalização terá que ser mais rigorosa. Em Porto Alegre, por exemplo, o limite permitido para uma campanha de prefeito, em um único turno, não poderá ultrapassar R$ 4,3 milhões, que corresponde a 50% do maior gasto da última eleição. Para vereador, o teto permitido na Capital é R$ 321 mil. Vai ter mais caixa-2, mas o que o tribunal tem que fazer? Fiscalizar a movimentação financeira das campanhas, visando exatamente a evitar esse dinheiro não declarado. Vai haver uma maior responsabilização por parte dos candidatos, inclusive o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem um programa em que há um cruzamento de dados em nível nacional para saber os valores doados e recebidos.
JC - No caso da doação de pessoa física, isso tende a criar uma participação financeira maior do eleitor?
Liselena - A campanha é nesse sentido, de que a pessoa física doe mais. Nós vamos ter que ver na prática, porque é a primeira vez que vai acontecer algo parecido.
JC - Sobre a votação biométrica, como está o recadastramento?
Liselena - No Rio Grande do Sul, dos 497 municípios, 326 já utilizarão o voto biométrico, 160 terão o voto híbrido e apenas 11, somente, o voto eletrônico. Então, nós temos 486 dos 497 municípios que terão biometria, com identificação biométrica. É muito mais seguro, não há duas digitais iguais, então isso vai certamente facilitar o ato de votar.
JC - Em eleições anteriores houve problemas com a urna biométrica. Como isso está previsto para esse ano?
Liselena - Esses problemas foram superados e cada vez está sendo aprimorada mais a urna biométrica. O tempo que se imagina é de dois minutos para a votação, pela identificação biométrica. Vão ter poucos candidatos, o que facilita também. A rigor, não teríamos mais problema nenhum. Foi feito inclusive um teste público, que apurou que todos aqueles contratempos foram resolvidos.
JC - Há possibilidade de que, em 2018, haja votação biométrica em todos os municípios do Rio Grande do Sul?
Liselena - Não, nosso prazo vai até 2020. Porto Alegre provavelmente iniciará em 2017, então em 2018 nós ainda vamos estar implantando a biometria em Porto Alegre, com certeza. É só garantido para 2020. De qualquer maneira, o nosso número de municípios já integrantes do sistema biométrico é bem grande, e nós temos quatro grandes cidades, Caxias, Canoas, Pelotas e Viamão, e agora também Alvorada.
JC - A senhora é a primeira mulher no TRE a presidir um pleito. Como tem acompanhado a participação feminina na política, e como fazer para ampliá-la?
Liselena - Acho que isso tudo é um desafio cultural que envolve toda a sociedade brasileira. Na verdade, há uma campanha do TSE que é para que a gente atinja o número mínimo de candidatas mulheres, 30%. Ainda não estamos conseguindo eleger 30% de mulheres, mas se tivermos 30% de candidatas, já é um bom passo. Para isso, o Ministério Público (Eleitoral) tem feito um trabalho nesse sentido, com todos os partidos, mostrando a importância disso. É a campanha Igualdade na Política.
JC - A média de mulheres nas Câmaras Municipais no Estado não chega a 10% dos parlamentares eleitos. Por que esse percentual é tão reduzido?
Liselena - Eu acho que há poucas mulheres se candidatando. É um desafio cultural. Primeiro que os recursos se destinam mais para os candidatos homens e os partidos não têm essa abertura. Por isso que agora a legislação está mais severa, impõe, e há punição para quem não cumpre. Por isso que eu comentei que o Ministério Público é atuante nessa atividade, para garantir o número mínimo de mulheres. Se nós tivéssemos mais mulheres eleitas talvez tivéssemos mais mulheres candidatas. O nosso índice de mulheres eleitas é baixo. Nós temos 45 mulheres na Câmara Federal que foram eleitas em 2010, 51 em 2014. Isso é 9,9% das cadeiras. Atualmente, nós temos 11 mulheres no Senado, que é o nosso melhor índice, 13%. E prefeitas nós temos 5% no Brasil. Ainda é pouco, mas se considerarmos que o primeiro voto das mulheres foi em 1932, nem faz tanto tempo assim. Mas vamos melhorar.
JC - A senhora é a favor do tipo de restrição que coloca um mínimo de formação escolar para candidatos a cargos eletivos?
Liselena - Acho que sim, acho que tem que ter um mínimo de instrução. É preciso haver um mínimo de entendimento, porque a nossa população é isso, o político é um espelho do que é o povo brasileiro, então nós temos candidatos de todos os níveis. O que chama a atenção é que hoje nós temos poucos candidatos com formação universitária.
JC - Com a reforma política aprovada no Congresso Nacional, houve algumas mudanças. Uma delas é a obrigatoriedade da impressão do voto nas eleições de 2018. Como a senhora avalia essa medida?
Liselena - Entendo que o papel é completamente desnecessário, porque a nossa urna eletrônica é 100% segura. Desde 1996 não há fraude comprovada. Ela funciona com diversos mecanismos que visam à segurança da ação. Não sei explicar exatamente como é o funcionamento, mas sei que há um software, que é desenvolvido pelo TSE, que garante uma cadeia de segurança, e os resultados são protegidos por assinatura digital. Por exemplo, não é possível modificar os dados de candidatos e eleitores presentes na urna. E esses testes de segurança públicos, que acontecem com acompanhamento do Ministério Público Eleitoral, dos partidos políticos e da OAB, asseguram isso, o funcionamento perfeito da urna eletrônica.
JC - Que consequências a obrigatoriedade da impressão do voto pode trazer?
Liselena - Acho que vai haver mais corrupção, porque a impressão garantirá, no caso de venda do voto, que o eleitor fez a venda certa. E vai haver uma despesa muito maior e completamente desnecessária. A despesa em papel é de R$ 1 bilhão, incluindo também a instalação da impressora. Não vamos nem ter espaço para isso.
JC - Também existe a questão de corte dos recursos para o TRE. Na prática, como é que o tribunal está lidando com essa restrição?
Liselena - A nossa dificuldade era para comprar urnas. A gente tem que ter um número de urnas excedente. Mas isso já está solucionado, o ministro Gilmar Mendes já diligenciou junto à presidência da República e já houve um aporte para essa verba. No resto, a gente está agindo de maneira que haja economia em cada tribunal. Temos a campanha para gastar menos energia elétrica, campanha para não gastar papel, tinta, toner. Houve corte e nós temos que trabalhar. O corte foi de 34%. Estamos indo dentro do que nós podemos, do nosso orçamento.
JC - Como acha que o eleitor sairá desse processo de crise política? Como isso vai se refletir no voto do eleitor?
Liselena - O eleitor vai ter que prestar maior atenção na campanha, vai ter menor tempo, menores possibilidades de campanha. Então, vai ter que prestar mais atenção e dar o voto certo, escolher melhor o candidato.
JC - Como funcionará nosso calendário eleitoral com as mudanças aprovadas no ano passado?
Liselena - A propaganda na televisão vai iniciar dia 26 de agosto. A duração era de 45 dias e passou para 35 dias. Vai ser feita em dois blocos no rádio e dois na televisão, 10 minutos cada um. Além desses blocos de 10 minutos, os partidos terão direito a 70 minutos diários em inserções, que serão distribuídas entre os candidatos a prefeito e vereador. Ou seja, prefeito vai ter 10 minutos mais 10 minutos, vereador não entra nesses 10 minutos fixos, apenas nas inserções. Desses 70 minutos, 60% serão para prefeito e 40% para vereador. Então, candidatos a vereador terão 28 minutos por dia em inserções. A campanha em si ficou reduzida, e começa dia 26 de agosto. De 90 dias passamos para 45 dias. Reduzimos pela metade.
JC - Como isso impacta na exposição dos candidatos?
Liselena - Essas mudanças visam à redução dos custos das eleições. Eu entendo que elas vão reforçar a manutenção dos partidos maiores, diminuindo a competitividade entre os partidos menores. Ou seja, quem já é conhecido, vai ser beneficiado, penso eu, porque vai haver menos tempo para conhecer os menores.
JC - Como contornar isso?
Liselena - Vão ter que se aproveitar da propaganda que já existe. Vamos ter debates com partidos com um mínimo de nove deputados federais. A empresa (de mídia) terá que convidá-los, aos demais será facultado o convite. Vai ser permitido carro de som, propaganda por meio de adesivo, papel e inclusive em carros e imóveis. Terá que se valer disso.
JC - Quanto à propaganda eleitoral na internet, o que será permitido?
Liselena - Calculamos que haverá 28 mil candidatos no Rio Grande do Sul. Nós não temos condição nem estrutura para fiscalizar esse volume de propaganda pela internet. Mas agimos muito por denúncias, e os partidos têm interesse, por óbvio. Depois do dia 15 de agosto pode haver propaganda pela internet, em sites de partidos ou de candidatos, qualquer tipo de comunicado, desde que feitos em provedores estabelecidos no Brasil e de forma gratuita. Nada pode ser pago na internet, em nenhum momento da campanha. É permitida a veiculação de propaganda por meio de blogs, de sites de relacionamento, Facebook, Twitter e mensagens instantâneas. A propaganda eleitoral na internet pode ser veiculada inclusive no dia da eleição.
JC - Acredita que o exercício do voto deve continuar sendo obrigatório?
Liselena - Acho que até mesmo se não fosse obrigatório, o brasileiro iria votar. Acho que tem que ser obrigatório, é um momento de cidadania. De 16 a 18 anos, que não é obrigatório, o índice de comparecimento é imenso, e o maior índice e é no Rio Grande do Sul.

Perfil

Liselena Schifino Robles Ribeiro é natural de Porto Alegre, onde nasceu em 9 de outubro de 1958. É formada em Ciências Jurídicas pela Pucrs. Ingressou no Tribunal de Justiça (TJ) do Rio Grande do Sul em 1980, no cargo de Oficial Superior Judiciário. Na magistratura, passou a atuar como juíza de Direito em 1985, tendo trabalhado nas comarcas de Mostardas, Dois Irmãos, Espumoso, Santa Maria e Porto Alegre; nas três primeiras, atuou também como juíza eleitoral. Foi promovida a desembargadora do TJ em 1998. Foi a primeira mulher a integrar a Administração do Tribunal de Justiça (eleita 3ª vice-presidente para o biênio 2010 - 2012). Tomou posse, em junho de 2015, nos cargos de vice-presidente, corregedora regional eleitoral e ouvidora do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) e vice-diretora da Escola Judiciária Eleitoral (EJE) do Rio Grande do Sul. Em junho deste ano, foi empossada nos cargos de presidente do TRE e de diretora da EJE.