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conjuntura

- Publicada em 26 de Junho de 2016 às 21:39

Charqueadas amarga fechamento de indústrias

Surto de desenvolvimento desandou, ampliando o desemprego

Surto de desenvolvimento desandou, ampliando o desemprego


FREDY VIEIRA/JC
Com uma economia que, no passado, girava em torno do charque (o que lhe rendeu o nome), Charqueadas, que ficou conhecida por abrigar o maior complexo penitenciário do Estado, viu, ao longo dos anos, um leque de opções se abrir nas áreas de geração de energia e industrial - o município sedia players de peso, como Gerdau e GKN. Nos últimos anos, a cidade ensaiou um surto de desenvolvimento, com a possibilidade de aumentar a produção de eletricidade e com a instalação de um polo naval, às margens do rio Jacuí. No entanto, pouco a pouco, as iniciativas começaram a fazer água, e as expectativas foram naufragando. Agora, Charqueadas está prestes a ver um empreendimento cinquentenário dar adeus à cidade: a termelétrica a carvão da Tractebel tem dia e hora para fechar as portas.
Com uma economia que, no passado, girava em torno do charque (o que lhe rendeu o nome), Charqueadas, que ficou conhecida por abrigar o maior complexo penitenciário do Estado, viu, ao longo dos anos, um leque de opções se abrir nas áreas de geração de energia e industrial - o município sedia players de peso, como Gerdau e GKN. Nos últimos anos, a cidade ensaiou um surto de desenvolvimento, com a possibilidade de aumentar a produção de eletricidade e com a instalação de um polo naval, às margens do rio Jacuí. No entanto, pouco a pouco, as iniciativas começaram a fazer água, e as expectativas foram naufragando. Agora, Charqueadas está prestes a ver um empreendimento cinquentenário dar adeus à cidade: a termelétrica a carvão da Tractebel tem dia e hora para fechar as portas.
A empresa já manifestou a intenção de interromper a operação em 31 de agosto por não conseguir conciliar eficiência e retorno financeiro. Apesar do impacto que a descontinuidade dessa usina implicará, essa não será a maior decepção na área de energia vivida pela comunidade local. Distante cerca de 60 quilômetros de Porto Alegre, quem chega a Charqueadas vindo da Capital pode logo perceber na entrada da cidade um esqueleto de dezenas de metros: a termelétrica Jacuí 1. A térmica teria 350 MW de capacidade instalada (cinco vezes mais do que a usina que ainda opera no município) e chegou a receber cerca de US$ 150 milhões em investimentos.
O empreendimento, que trocou de proprietários várias vezes, chegou a estar envolvido com um esquema de fraudes e nunca foi concluído. Mais recentemente, o fechamento do estaleiro da Iesa Óleo e Gás, companhia que sofreu com dificuldades financeiras e perdeu um contrato bilionário de módulos para plataformas de petróleo, feito com a Tupi BV (que tinha como acionistas a Petrobras, o BG Group e a Petrogal), ocasionou a demissão de cerca de 1 mil trabalhadores, em 2014. Agora, se confirmar a interrupção da térmica da Tractebel, a estimativa do Sindicato dos Mineiros do Rio Grande do Sul é que sejam desempregados em torno de 2,4 mil trabalhadores ao longo da cadeia produtiva.
O prefeito de Charqueadas, Davi Gilmar de Abreu Souza, admite que existe um clima de apreensão. O chefe do Executivo municipal enfatiza que se soma à crise econômica e política que o País atravessa os problemas locais. Souza diz que o município ainda não se recuperou do desfecho em relação à Iesa, que proporcionou uma enorme decepção quanto à perspectiva de formação de um verdadeiro polo naval na região. "Embora a Metasa esteja trabalhando, com muita dificuldade, não era o desenho que tínhamos para o polo naval", aponta. A Metasa abriu uma planta na cidade com o principal objetivo de atender aos pedidos da Iesa.
Souza salienta que o anúncio do fim das atividades da térmica da Tractebel, a única que queima carvão na região do Baixo Jacuí, pegou os moradores de surpresa. "A região vem em um 'perde-perde', a gente não quer nem ganhar mais nada, mas não queremos perder o que já temos." O prefeito afirma que o quadro é de muita desolação. Conforme Souza, a Copelmi (atual fornecedora de carvão para a usina) está tentando atrair um novo empreendedor para evitar a paralisação. Porém, o momento vivido no Brasil é de instabilidade e de problemas com a economia, o que dificulta a iniciativa. Esse panorama atrapalha, inclusive, a atração de projetos. O prefeito reforça que a cidade já começou a sentir os reflexos da situação pessimista, com a diminuição do movimento nas lojas. "As pessoas que estão desempregadas ou na iminência de ficar não estão priorizando compras de bens de consumo."
Souza adianta que ainda não é possível estimar o impacto nas contas da prefeitura, mas o serviço público, com a perda da arrecadação, encolherá. "O que vai acontecer aqui é um investimento maior em assistência social, quando deveria ser na Secretaria de Indústria e Comércio para tornar o município mais atrativo", prevê. O secretário da Fazenda, Jefferson Lindner, informa que a arrecadação de ISSQN do município é de cerca de R$ 2 milhões a R$ 3 milhões ao ano. A termelétrica, segundo o dirigente, está entre os quatro maiores contribuintes quanto a esse tributo para o município. No ano passado, a usina repassou R$ 222,4 mil para os cofres da prefeitura municipal.

Empresa reitera a intenção de desligar a usina

De acordo com o diretor de Geração da Tractebel, José Laydner, a data de encerramento das atividades da usina de Charqueadas foi definida considerando todas as medidas necessárias para que aconteça de forma programada. "Até o momento, estas ações estão ocorrendo dentro do planejado, e, uma vez que esta data foi aprovada pelo Conselho de Administração da empresa, não vemos razões para alterar", sustenta.
Em termos de operação do sistema, Laydner afirma que a geração da usina de Charqueadas não é necessária, conforme manifestação do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). O dirigente acrescenta que a companhia vê com naturalidade as manifestações e as preocupações das comunidades, sindicatos e políticos. "Informamos e explicamos, a todos, os nossos compromissos com os acionistas e que temos a responsabilidade de diminuir os riscos de uma operação prolongada de equipamentos tão antigos", reforça.
A respeito da possibilidade de a Aneel exigir a continuidade do funcionamento da térmica, Laydner ressalta que a Tractebel está sujeita às determinações do agente regulador do setor elétrico. No caso da termelétrica de Charqueadas, a empresa solicitou à Aneel a revogação da outorga da usina e está aguardando o pronunciamento, mas não vê razões para que o pleito não seja atendido.
O diretor adianta que, após a interrupção das atividades do complexo, os grandes equipamentos, pelo elevado número de horas de operação que cada um tem e pela tecnologia antiga, que não traz a eficiência exigida pela Aneel, serão desmontados e vendidos como sucata. Alguns poderão ser aproveitados em outras usinas do grupo, como computadores e sistemas de controles, baterias, compressores de ar, geradores a diesel, pequenas bombas d'água e motores.

Comunidade teme aumento do desemprego e retração econômica

 Matéria sobre impactos econômicos na cidade com a interrupção de vários empreendimentos na cidade de Charqueadas. Na foto: PEC - Penitenciária Estadual de Charqueadas

Matéria sobre impactos econômicos na cidade com a interrupção de vários empreendimentos na cidade de Charqueadas. Na foto: PEC - Penitenciária Estadual de Charqueadas


FREDY VIEIRA/JC
As consequências das possíveis demissões e os desligamentos já confirmados por empresas na região são percebidos entre os cerca de 38 mil habitantes de Charqueadas. O presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) do município, Nairo Delfin Delgado Mirapalheta, comenta que alguns estabelecimentos fecharam e há, hoje, inúmeras salas comerciais para alugar na cidade. Além disso, conforme informações da CDL, em 2016, verifica-se a demissão acentuada no segmento de varejo.
Se forem levados em conta os dados obtidos entre maio de 2015 e o mesmo mês deste ano, foram 290 demissões no comércio charqueadense. O cenário faz com que o dirigente reflita sobre as oportunidades abertas no passado no sistema prisional, que eram alvo de certa aversão, mas atualmente são vistas com outros olhos. "Antes, a gente não queria presídios; agora, a gente olha como uma fonte de renda, com o pessoal que trabalha ali consumindo no município", frisa o presidente da CDL.
Quanto às dificuldades enfrentadas, o vice-prefeito de Charqueadas, Edilon Oliveira Lopes, acrescenta que a unidade da Gerdau na cidade também sofreu com a economia em baixa. Lopes argumenta que, devido à crise no setor automobilístico, como a empresa é uma grande fornecedora para esse segmento, houve uma retração na produção. "A companhia teve que entrar em lay-off (suspensão de contrato de trabalho) por duas ocasiões", recorda. Além disso, no espaço de um ano, as notícias que chegam à prefeitura indicam que a Gerdau demitiu cerca de 400 pessoas. De acordo com a assessoria de imprensa do grupo, a quantidade de afastamentos é menor, porém a empresa não divulga o número exato de desligamentos.
Sobre a preocupação mais atual, a funcionária da Cacau Show Vanessa Dihl lembra que soube através do jornal que a Tractebel decidiu encerrar em agosto a termelétrica. Vanessa julga que o fim do empreendimento será ruim para Charqueadas. "A usina rende empregos e, na crise que estamos, tudo que é fechado não é legal, conheço bastante gente que vai ficar desempregada", lamenta. Ela ressalta que a fumaça que sai da chaminé da usina, e que se sobressai na paisagem da cidade, não a incomoda.
Também era do conhecimento da atendente da loja de roupas Afago Rosane Rocha que a termelétrica está prestes a interromper a produção. Ela resume em uma palavra o seu sentimento a respeito da perspectiva: "péssima". Rosane destaca que três familiares dela trabalham na usina e podem ir embora da cidade se ficarem desempregados. A colega dela, Keila Fernandes, acrescenta que as dificuldades da térmica e das outras empresas da região refletem em vários segmentos da economia, como o setor de imóveis. "Muita gente investiu, e agora está tudo parado", adverte.
O auxiliar de depósito da Copelmi André de Oliveira Lopes é um dos que serão diretamente afetados com o fechamento da usina, pois atua no abastecimento de carvão para a Tractebel. O trabalhador tem como função controlar o carvão que passa pelas correias, para que não ocorra excesso de carga nos dutos. Lopes recorda que seu avô e pai foram mineiros e isso influenciou a escolha da profissão. Ele diz que acompanha a atual situação com muita preocupação e tristeza.

Luta é pela continuidade da operação da termelétrica até o final do ano

 Matéria sobre impactos econômicos na cidade com a interrupção de vários empreendimentos na cidade de Charqueadas. Na foto: Rodrigo Marcolin

Matéria sobre impactos econômicos na cidade com a interrupção de vários empreendimentos na cidade de Charqueadas. Na foto: Rodrigo Marcolin


FREDY VIEIRA/JC
Se não for possível manter a térmica da Tractebel funcionando permanentemente, a batalha de políticos da região, da Secretaria Estadual de Minas e Energia e de representantes dos trabalhadores é por estender a atividade da estrutura, pelo menos, até dezembro. A aposta é que o tempo extra permita encontrar uma solução ou a substituição do empreendimento por outro similar que preencha o vácuo a ser deixado.
O presidente do Sindicato dos Mineiros do Rio Grande do Sul, Oniro Camilo, manifesta a esperança que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) determine que a usina fique operando até o final deste ano. "Mas é uma expectativa que a gente tem, não houve comprometimento com isso", afirma o dirigente. O vereador de São Jerônimo e presidente da Associação das Câmaras de Vereadores da Região Carbonífera (Acverc), Rodrigo Marcolin (PSDB), revela que, em reunião realizada há pouco tempo em Brasília, no Ministério de Minas e Energia, o diretor do órgão regulador, Reive Barros dos Santos, afirmou que, se na França (fazendo menção à origem da Engie, controladora da Tractebel) não se cumprem os acordos, aqui no Brasil se cumprem.
Camilo receia que o desligamento da termelétrica crie um hiato que afetaria toda a região, porque o carvão que abastece a usina de Charqueadas é proveniente de municípios vizinhos e ainda envolve transportadores, terceirizados, entre outros profissionais. O sindicalista antecipa que os mineiros, ficando sem demanda, terão que passar por uma reciclagem para poder buscar oportunidades no mercado do trabalho. "São pessoas, há anos atuando nessa área, que terão que encarar uma gurizada com um grau de estudo bem mais elevado e uma condição técnica muito maior", alerta.
Marcolin frisa que a pergunta mais inquietante é o que fazer após o fim da usina, mesmo que isso ocorra apenas em dezembro. O vereador defende que é preciso implementar uma ação especial para o segmento carbonífero, caso contrário as dificuldades enfrentadas hoje em Charqueadas também serão verificadas em breve pelas fases A e B, do complexo termelétrico Presidente Médici, em Candiota, e pelas unidades mais antigas do parque de Jorge Lacerda, em Santa Catarina.
Uma das opções para valorizar o carvão seria a realização de leilões regionais de energia, promovidos pelo governo federal, determinando o mineral como a fonte a ser explorada. "Iríamos trabalhar o lado social e comercial de todas regiões que têm carvão embaixo da terra", reforça Marcolin. O certo é que, até ter uma definição sobre o futuro, a insegurança irá pairar sobre Charqueadas. "É talvez o momento mais difícil da Região Carbonífera em toda a sua história", sentencia o presidente do Sindicato dos Mineiros do Rio Grande do Sul.