Michele Rolim
A ideia de produzir um espetáculo de dança voltado ao público infantil não é comum. Ainda mais no estilo flamenco. Pois essa é a proposta da Cia Del Puerto com o espetáculo Flamenco imaginário, que estreia neste sábado, às 16h, no Teatro de Arena.
"O flamenco é atrativo para crianças. Elas se interessam, não sabemos ao certo. Talvez pela percussão, pelo colorido, pelos gestos e pela dramaticidade natural, mas nunca tínhamos feito nada para crianças", explica Daniele Zill, que também dá aulas para os pequenos dentro na Escola Del Puerto.
A montagem tem livre inspiração em O Corcunda de Notre Dame, de Victor Hugo. "Quando li a obra, fiquei encantada, porque é extremamente atual. Desde a maneira como o texto fala da dificuldades dos artistas até a questão da deficiência física, que se refere à aceitação", diz Daniele, idealizadora do projeto, um dos vencedores do Prêmio de Incentivo às Artes Cênicas do Teatro de Arena de Porto Alegre.
Para ela, durante esse percurso, o mais importante foi encontrar, de uma maneira mais intensa, significados para ícones que são tão importantes para o flamenco, como sapateado e o gestual. "Às vezes, o flamenco fica em um lugar muito caricato, do forte e do sensual, mas ele não tem somente essa cara, são diversas possibilidades. Às vezes também é suave ou triste, por exemplo", relata.
A estrutura básica do flamenco é a tríade cante-guitarra-baile, mas, segundo Juliana Prestes, que assina as coreografias deste espetáculo, nem sempre esses elementos precisam estar explícitos em cena. A trilha sonora composta por Giovani Capeletti, por exemplo, é gravada e não ocorre ao vivo, como normalmente acontece.
"Ainda estamos educando o público para o flamenco. O espectador ainda espera, talvez, referências muito rígidas do que é o estilo, mas ele é uma arte contemporânea, não é um folclore. Então, o flamenco não tem que ser feito sempre do mesmo jeito", comenta Juliana, que completa: "Não me prendo muito em ter os signos explícitos para ser flamenco ou não. Eles estão dentro de mim e dos artistas no palco, pode ser que as pessoas vejam no gesto, na construção rítmica, em um estado da cena, por estar em vários lugares".
A direção é de Denis Gosch, um artista que transita frequentemente entre as linguagens da dança e do teatro e que já havia trabalhado com a Del Puerto, assinando a direção de cena do espetáculo Consonantes.
Ele propôs ao elenco - Ana Medeiros, Daniele Zill, Juliana Kersting e Leonardo Dias - a criação de laboratórios afetivos para que os artistas trouxessem, a partir de O Corcunda, as suas experiências e o que a obra despertava em cada um, como as vivências de bullying nas escolas, os primeiros amores etc.
"Pensei: vamos quebrar tudo, em termos de concepção; vamos nos aproximar da linguagem da dança, na qual está inserida o flamenco; e vamos nos aproveitar do que a dança tem de melhor, que não precisa de uma linha dramatúrgica cartesiana. Podemos brincar, por exemplo, com a quebra na dramaturgia", conta o diretor.
Esse é o quarto trabalho da Cia Del Puerto sem a fundadora, Andrea Del Puerto (que faleceu em 2007). O grupo foi fundado em 1999 e, desde então, realiza um trabalho de pesquisa do flamenco como linguagem, envolvendo técnica, expressividade e aspectos histórico-culturais. A companhia já circulou por todo o País, recebeu prêmios e indicações, entre eles o troféu Açorianos de Melhor Espetáculo por Tablao e Las Cuatro Esquinas.