Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

DIREITOS HUMANOS

- Publicada em 23 de Junho de 2016 às 21:22

Aumento no número de conflitos alerta para a necessidade de respeito aos direitos dos refugiados

Mais recente levantamento do Acnur aponta que 63,5 milhões de pessoas tiveram de deixar seus países e locais de moradia

Mais recente levantamento do Acnur aponta que 63,5 milhões de pessoas tiveram de deixar seus países e locais de moradia


ISSOUF SANOGO/AFP/JC
No dia 20 de junho celebrou-se o Dia Mundial do Refugiado. Na ocasião, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) divulgou um relatório anual, denominado Tendências Globais, que avalia dados a respeito do deslocamento forçado ao redor do mundo. O levantamento aponta que 65,3 milhões de pessoas estão nessa condição atualmente.
No dia 20 de junho celebrou-se o Dia Mundial do Refugiado. Na ocasião, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) divulgou um relatório anual, denominado Tendências Globais, que avalia dados a respeito do deslocamento forçado ao redor do mundo. O levantamento aponta que 65,3 milhões de pessoas estão nessa condição atualmente.
"Esse número é resultado de uma combinação de conflitos antigos que continuam acontecendo - como, por exemplo, na República Democrática do Congo, no Afeganistão e no Iraque - com conflitos novos, como é o caso da Síria", pondera Luiz Fernando Godinho, porta-voz do Acnur no Brasil. Embora o conflito sírio já esteja no seu quinto ano, em relação aos outros casos, pode-se considerar um conflito recente. Esta situação força, cada vez mais, as pessoas a se deslocarem, tanto internamente - dentro dos seus próprios países, que é o caso dos deslocados internos -, como refugiados e solicitantes de refúgio, que são aqueles que cruzam uma fronteira internacional em busca dessa proteção.
Segundo o disposto na Lei nº 9.474, de 1997, refugiado é a pessoa que "se encontra fora de seu país, ou não pode retornar a ele, devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opinião política". A lei brasileira também prevê a violação generalizada de direitos humanos como um fator causador de refúgio.
Segundo os dados do Comitê Nacional para Refugiados (Conare), até abril de 2016, o Brasil acolhia 8.863 pessoas na condição de refugiados, de 79 nacionalidades. "É um número que demonstra um aumento significativo no número de refugiados no País, mas que ainda é muito pequeno se comparado às dimensões do Brasil", comenta a doutora em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (USP) Liliana Jubilut.
Sobre os dados dos refugiados no Brasil, José Luis Bolzan de Morais, doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e membro do grupo de especialistas do Ministério da Justiça que trabalham na reforma da legislação de migrações, explica que os principais grupos são compostos por sírios (2.298), angolanos (1.420), colombianos (1.100), congoleses (968) e palestinos (376). "O número total de solicitações de refúgio aumentou mais de 2.868% entre 2010 e 2015 - de 966 solicitações em 2010 para 28.670 em 2015", afirma.

Refugiados têm direitos iguais aos concedidos a outros imigrantes

As normas internacionais determinam que, quando o refugiado ingressa em qualquer país do mundo, ele tem que ser aceito com os mesmos direitos ofertados a qualquer outro tipo de migrante. Ou seja, no que tange a direitos e acesso às garantias, o Brasil não pode discriminar o refugiado.
Segundo o porta-voz do Acnur no Brasil, Luiz Fernando Godinho, os refugiados possuem quase todos os direitos civis que o cidadãos brasileiros. Entre eles, destacam-se o direito à documentação, ao acesso às políticas públicas universais, direito de ir e vir, de abrir conta bancária, de trabalhar, de comprar e vender etc.
"A partir do momento da solicitação, os refugiados têm direito a documento de identificação (protocolo provisório), CPF e Carteira de Trabalho. Eles são titulares de direitos humanos e de direitos específicos típicos da condição de refugiado, entre os quais se destaca o non-refoulement, que vem a ser a proteção contra a devolução a um local onde sua vida, liberdade e segurança possam estar em risco", afirma Liliana Jubilut, que já foi consultora do Acnur.

Condição não é concedida, e sim reconhecida

Segundo Liliana, o refúgio é um direito, e não um ato discricionário do Estado. "Nesse sentido, o ideal é não se falar em concessão do refúgio, mas sim no reconhecimento do status de refugiado", explica. A solicitação ao Brasil para que se reconheça o status de refugiado é feita de maneira semelhante a realizada em outros países do mundo.
"O direito dos refugiados é um status jurídico internacional, regido por um tratado internacional, que é a Convenção de 1951, das Nações Unidas", afirma a doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. O Acnur possui um manual de procedimentos, que é internacional, e cria um mecanismo global, com algumas particularidades em cada nação. Segundo o texto, um refugiado precisa chegar ao país de acolhida, no caso o Brasil, e fazer essa solicitação por meio de um formulário.
O documento é preenchido junto à autoridade migratória, que, no caso do Brasil, é a Polícia Federal. Este pedido é protocolado e encaminhado ao Conare, que funciona no âmbito do Ministério da Justiça. "Nesse pedido, a pessoa justifica as razões pelas quais ela está solicitando refúgio: se é uma guerra, se é uma perseguição, por que ela fugiu, o que aconteceu. Ela conta uma história, e há uma técnica de checagem que averígua se as razões que ela está alegando são verdadeiras e se encaixam com a lei brasileira de refúgio", esclarece Godinho.
Caso as alegações sejam consideradas verdadeiras, o Conare defere o pedido, e a pessoa se torna uma refugiada reconhecida pelo Brasil. Conforme Bolzan, em caso de negação do pedido, cabe recurso ao Ministro da Justiça, permanecendo o refugiado e seus familiares em território nacional até a decisão definitiva, em sede administrativa. "Havendo a recusa definitiva de refúgio, ficará o solicitante sujeito à legislação de estrangeiros, não devendo ocorrer a transferência para o seu país de nacionalidade ou de residência habitual, enquanto permanecerem as circunstâncias que põem em risco sua vida, integridade física e liberdade, salvo nas situações determinadas em lei."
Liliana alerta que, apesar de ser um procedimento administrativo, como o refúgio é um direito, em caso de violação da legislação interna ou das disposições internacionais, é cabível recurso ao Poder Judiciário. "O refugiado tem direito a fazer prova, inclusive a constituir advogado, contra o próprio Estado de acolhida", observa Danielle. Uma vez que ele comprove que preenche os requisitos, ele é refugiado, mesmo que o Estado de acolhida se recuse a acolhê-lo. Não havendo nenhum impeditivo de ordem pública, previsto na legislação, o Estado não pode se recusar a acolher um refugiado.
As entrevistas que instruem o processo administrativo são sempre individuais, pois a análise é feita caso a caso. "Não dá para fazer uma análise pela televisão, obviamente; mas, a grosso modo, não se pode dizer que uma criança síria não é refugiada, ou seja, ela preenche todos os requisitos básicos. E recusar a solicitação e o acolhimento de uma criança, como está acontecendo na Europa, é uma violação ao Direito Internacional", elucida Danielle.

Assistência envolve sociedade e poder público

Existem diferentes organizações da sociedade civil que, junto ao Acnur e aos agentes políticos, atuam prestando auxílio aos refugiados. A primeira assistência é dada por ONGs, que fazem uma análise das necessidades socioeconômicas daquelas pessoas.
Destaca-se que a assistência é temporária e emergencial, visando dar os primeiros caminhos para que essa pessoa possa iniciar o seu processo de integração no país. Esta assistência envolve apoio psicossocial e legal, aulas de português, treinamento e capacitação para inserção no mercado de trabalho, algum auxílio financeiro, encaminhamento para os serviços públicos etc.
Entre as entidades que atuam na assistência aos refugiados no País destaca-se o trabalho do Conare, das Defensorias Públicas, do Grupo de Assistência aos Refugiados da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, entre outras. "Até mesmo a Procuradoria-Geral do Estado, por meio de sua Comissão de Direitos Humanos, tem participado das iniciativas para dar conta das demandas apresentadas pelos refugiados", destaca Bolzan.

Compromisso com a causa deve ser política de Estado

Notícias recentes apontam para uma decisão da presidência da República de suspender as negociações com Europa para receber refugiados sírios. No governo da presidente afastada Dilma Rousseff, iniciaram-se tratativas em obter recursos internacionais que possibilitassem alojar cerca de 100 mil pessoas que fugiram do conflito na Síria. Ressalta-se que o governo federal ainda não se pronunciou oficialmente sobre a suspensão.
Bolzan alerta que "a questão das migrações tem sido um dos grandes temas contemporâneos. Assistimos cotidianamente a fuga de pessoas, o calvário de sua peregrinação. A morte de centenas, ou milhares, nas travessias. A sua submissão, além de tudo, a toda a sorte de suplício". Estamos enfrentando a pior crise humanitária nos últimos 70 anos, sendo que apenas a guerra na Síria já motivou quase 5 milhões de refugiados.
Quanto ao compromisso do Brasil para com os refugiados, Liliana ressalta que deve ser uma política de Estado, com planejamento e recursos suficientes, e fundada na proteção, igualdade e respeito à dignidade humana. "O Brasil deve lembrar de sua formação por migrantes e efetivar seu espírito humanitário, atuando como líder na acolhida dos refugiados, e implementando propostas que possam auxiliar na crise atual, a qual vem batendo recordes de deslocamento a cada dia, com um total de mais de 65 milhões de deslocados forçados por conflitos ou perseguições", afirma.
Sobre o caso dos sírios, Danielle explica que um dos requisitos para a declaração de refúgio, previsto na Convenção, é a extraterritorialidade. É necessário que o migrante cruze sozinho a fronteira do Estado de acolhida. "Por mais cruel que isso seja, é um requisito previsto no tratado internacional, portanto não é uma discussão sobre justiça, é uma discussão sobre Direito Internacional", frisa. No entanto, ela enfatiza que considera a medida desumana. "Não há, na verdade, nenhuma violação direta às normas de Direito Internacional dos refugiados. O que há é uma decisão política, a meu ver, desacertada e desumana, diante, inclusive, de uma expectativa que esse acordo gerou."
Questionado quanto à decisão da presidência da República, o Acnur informou que não comentará a informação, pois é uma negociação que foi conduzida entre países, e que o órgão não participou.