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Jornal da Lei

- Publicada em 16 de Junho de 2016 às 19:42

'Pai é quem dá amor', afirma juiz

Segundo Pablo Stolze, o que o STF enfrentará são as situações em que o afeto superou a biologia

Segundo Pablo Stolze, o que o STF enfrentará são as situações em que o afeto superou a biologia


NEI PINTO /DIVULGAÇÃO/JC
Juiz de Direito junto ao Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, mestre em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e professor de Direito Civil na Universidade Federal da Bahia, Pablo Stolze entende que os vínculos afetivos são fundamentais em uma relação familiar. Nesta entrevista ao Jornal da Lei, Stolze discute a paternidade socioafetiva, enfatizando os efeitos oriundos dos laços de afeto.
Juiz de Direito junto ao Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, mestre em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e professor de Direito Civil na Universidade Federal da Bahia, Pablo Stolze entende que os vínculos afetivos são fundamentais em uma relação familiar. Nesta entrevista ao Jornal da Lei, Stolze discute a paternidade socioafetiva, enfatizando os efeitos oriundos dos laços de afeto.
Jornal da Lei - Como a legislação brasileira tutela os vínculos afetivos?
Pablo Stolze - Não há na lei dispositivo expresso cuidando de vínculo afetivo. A proteção que se reconhece hoje aos vínculos afetivos é, principalmente, decorrente de uma interpretação em nível principiológico, com base na nossa própria Constituição Federal. Mas não há uma lei que, explicitamente, regule os vínculos afetivos. Claro que existem normas que disciplinam casamento, união estável, adoção, mas uma norma legal que cuide especificamente de conceituar o vínculo afetivo, de definir afeto, isso eu realmente desconheço, creio que não exista.
JL - Quanto aos efeitos jurídicos, qual é a diferença entre a paternidade biológica, a paternidade socioafetiva e a adoção?
Stolze - Se o Poder Judiciário reconhecer o vínculo como sendo um vínculo paterno ou materno-filial, quer seja esse vínculo de raiz biológica - ou seja, consanguíneo -, quer seja socioafetivo, ou derivado da adoção - que também tem natureza socioafetiva -, pouco importa. Se o Judiciário reconhece que há o vínculo paterno ou materno-filial, quer exista ou não vínculo de sangue, é pai do mesmo jeito, não há discriminação.
JL - Qual o procedimento para que se reconheça a paternidade socioafetiva?
Stolze - O caminho mais comum para que se reconheça a paternidade socioafetiva é, segundo a doutrina, o procedimento de declaração de paternidade socioafetiva. Da mesma forma que existe uma ação investigatória ou declaratória de paternidade biológica, pode haver, de acordo com esse novo entendimento, uma ação declaratória de uma paternidade socioafetiva. Aquela paternidade construída ao longo do tempo com base no afeto.
JL - No caso de uma pessoa que já tenha reconhecido o vínculo biólogo e solicite, judicialmente, que se reconheça a paternidade socioafetiva, há alteração no registro de nascimento?
Stolze - Preciso distinguir duas situações. Na primeira , o pai biológico gera a criança, gera o filho, e o abandona. Vamos imaginar que esse pai biológico registrou e abandonou, e ao longo de toda a vida essa pessoa é criada pelo pai socioafetivo. A tese que desponta no Judiciário brasileiro admite que se reconheça o vínculo com esse segundo pai, socioafetivo, cancelando-se o registro do primeiro pai, biológico, que é ausente. No sentido de que nunca cuidou de dar amor, nunca cuidou de dar afeto, que simplesmente gerou. Então, nesta primeira hipótese, se o pai biológico registra e abandona, e o pai afetivo cria por toda a vida, já há entendimento admitindo que prevaleça o registro deste segundo pai. É isto que o Supremo Tribunal Federal (STF) está na iminência de enfrentar. Uma outra situação que pode ocorrer é a da multiparentalidade, mas é uma situação especial que não pode ser confundida com o que nós estamos tratando até aqui. Na multiparentalidade admite-se a convivência no registro do nome, simultaneamente, de dois pais ou de duas mães. Para que fique claro, eu vou dar um exemplo de um caso julgado em São Paulo. Uma mãe biológica morreu no parto, e a pessoa que nasceu foi criada, por toda a vida, pela mãe socioafetiva. Esta pessoa pediu ao Judiciário paulista que mantivesse no registro dela - e isso é muito bonito -, o nome de suas duas mães. A mãe que morreu durante o parto, dando-lhe a luz, e a que criou ele por toda a vida. Veja que, neste caso, o Judiciário, admitindo a tese da multiparentalidade, permite ao mesmo tempo, no registro, o nome do biológico e do socioafetivo, mas note que neste caso não houve um abandono deliberado por parte do pai biológico. É uma situação peculiar, da multiparentalidade, que não se confunde com a situação que estamos tratando, que é a mais comum, em que o biológico registra e abandona, e aí ele pode ter o registro cancelado.
JL - Caso o pleno do STF, no julgamento do recurso extraordinário que tramita, entenda que o vínculo afetivo é mais forte que o biológico, quais serão os efeitos?
Stolze - Como se trata de um julgamento do Supremo, com repercussão geral, isso vai vincular as decisões de tribunais e juízos inferiores, mas é muito importante que as pessoas não imaginem que a paternidade biológica perdeu a importância. Não é correto dizer que a paternidade biológica é desimportante. O que o Supremo vai enfrentar são aquelas situações em que o afeto superou a biologia, é aquela situação em que o pai biológico, ao longo da vida, não deu amor ao seu filho. Neste caso, portanto, o Judiciário amadureceu para perceber que ele não é pai, que pai é quem dá amor.
JL - Um ponto controverso em relação ao tema é a possibilidade de se renegar o vínculo biológico de um pai presente, em razão da existência de um vínculo afetivo com outra pessoa que possua um patrimônio maior. Como impedir que a paternidade socioafetiva se torne um recurso com fins exclusivamente financeiros, ou obscuros?
Stolze - Infelizmente, esta preocupação nós temos de ter não só em relação à paternidade socioafetiva, mas em relação a outros institutos do Direito, como o casamento e a união estável. Mas, no caso da paternidade socioafetiva, ela tem de ser construída ao longo do tempo. Não é simplesmente imaginar que o pai de criação vai prevalecer sobre o biológico, porque conviveu com o filho durante algumas semanas, ou alguns meses. Claro que não há um tempo mínimo para isso, mas é preciso que o juiz esteja convencido de que aquele vínculo foi construído com base no cimento do afeto e de acordo com a argamassa do tempo.
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