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Habitação

- Publicada em 24 de Maio de 2016 às 15:04

Reintegração é suspensa pela segunda vez

Desde novembro do ano passado, cerca de 70 famílias habitam o prédio público abandonado há 12 anos

Desde novembro do ano passado, cerca de 70 famílias habitam o prédio público abandonado há 12 anos


MARCELO G. RIBEIRO/JC
Nos rostos dos moradores da ocupação Lanceiros Negros, de Porto Alegre, figuravam sorrisos na manhã desta terça-feira. Os sorrisos surgiram após uma noite de medo e incerteza, com a Brigada Militar interditando a entrada do prédio, localizado na esquina das ruas General Câmara e Andrade Neves. A salvação veio das mãos dos advogados dos ocupantes, na forma de um documento. No papel, apresentado um pouco antes das 7h ao comandante do policiamento da Capital, tenente-coronel Mário Ikeda, figurava a liminar suspendendo o mandado de reintegração de posse estabelecido anteriormente. Essa é a segunda vez que as 70 famílias obtêm a suspensão da ação judicial, movida pelo governo do Estado, proprietário do imóvel.
Nos rostos dos moradores da ocupação Lanceiros Negros, de Porto Alegre, figuravam sorrisos na manhã desta terça-feira. Os sorrisos surgiram após uma noite de medo e incerteza, com a Brigada Militar interditando a entrada do prédio, localizado na esquina das ruas General Câmara e Andrade Neves. A salvação veio das mãos dos advogados dos ocupantes, na forma de um documento. No papel, apresentado um pouco antes das 7h ao comandante do policiamento da Capital, tenente-coronel Mário Ikeda, figurava a liminar suspendendo o mandado de reintegração de posse estabelecido anteriormente. Essa é a segunda vez que as 70 famílias obtêm a suspensão da ação judicial, movida pelo governo do Estado, proprietário do imóvel.
Representante do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), Jussara Vaz dos Santos, de 60 anos, habita o local desde o início da ocupação, em novembro do ano passado, junto com dois filhos e cinco netos. "Essa noite foi de muito medo, pois não sabíamos o que ia acontecer e nos preocupávamos com as crianças. Tinha gente chorando, porque não teria para onde ir se a reintegração ocorresse", relata.
Integram essas 70 famílias, 30 crianças que também habitam o prédio antigo, onde antes funcionava o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP/RS), e, há 12 anos, encontra-se fechado. Lá, os meninos e meninas têm acesso a uma biblioteca, a um espaço de estudo, a uma cama e a quatro refeições diárias. Todos estão matriculados em escolas. "Tiramos muita gente da região das ilhas, de áreas de risco, de casas caindo e até mesmo das ruas. Para eles, isto aqui é uma maravilha", conta Jussara.
Para desocupar o prédio público, o grupo reivindica moradia digna, em locais com saneamento básico e oferta de serviços como postos de saúde, instituições de ensino e transporte público. "Era para o Estado olhar por essas famílias que moram aqui, mas, como isso não acontece, o povo precisa se unir e fazer com que aconteça. É triste ver crianças com fome e o desespero das mães, que, muitas vezes, não têm o que dar para os seus filhos", desabafa Jussara. Segundo a militante, os mesmos políticos que visitam as favelas em épocas de eleição, ignoram os problemas das classes populares, como a falta de moradia, no restante dos períodos.
 

Advogados não tiveram acesso ao prédio

A coordenadora do MLB, Priscila Voigt, afirma que os ocupantes não foram notificados por nenhum oficial de Justiça sobre o mandado de reintegração de posse. A notícia sobre a ação judicial veio na segunda-feira à noite, quando notaram o movimento da Brigada Militar, que avisou os comerciantes dos entornos de que a área seria isolada e que, a partir das 7h de terça-feira, o trânsito seria interrompido.
O isolamento foi iniciado às 22h. "Alguns moradores da ocupação que trabalham à noite foram impedidos de entrar. Além disso, os policiais militares começaram a seguir todo mundo que morava na Andrade Neves e na General Câmara e acompanhar até em casa, para garantir que ninguém entrasse aqui", destaca.
Para Priscila, a atitude da corporação foi de cerceamento do direito de ir e vir dos moradores da região. A ativista conta, ainda, que os advogados não puderam entrar na edificação, e uma ocupante que tentou correr até a entrada do prédio foi arrastada para fora pela Brigada Militar. "Tudo isso para não deixar que viessem mais apoiadores para a ocupação. Mesmo assim, resolvemos, em assembleia, resistir e permanecer", pontua. Os ocupantes foram alertados, ainda, que a corporação informou à sua ouvidoria de que pela manhã já não havia crianças no local, o que não era verdade.
O coronel Ikeda assegura que não houve registro de incidentes de qualquer natureza durante o processo. "O mandado não estipulou o horário para fechar a rua. Fizemos o procedimento padrão: isolamos a rua, mas não impedimos que nenhum morador da região adentrasse sua residência. Apenas impedimos que pessoas que não estivessem residindo na ocupação adentrassem o prédio, pois isso iria aumentar o contingente de pessoas ali dentro", observa.
Os advogados, de fato, não puderam acessar a edificação. A indicação era para seus clientes irem para a parte externa do prédio se quisessem falar com os profissionais.

Recurso pode ser impetrado contra decisão

A decisão de conceder liminar suspendendo a reintegração de posse se deu pelas mãos do desembargador plantonista Jorge Luís Dall'Agnol. Em sua decisão, o magistrado considerou "mais apropriado conceder a suspensão da decisão impugnada" por esta se tratar de um recurso especial e extraordinário de eficácia imediata, com possíveis "danos ante eventual sucesso daqueles recursos". Devido ao risco de conflitos sociais e desabrigo de direitos, Dall'Agnol cancelou a medida. Da decisão, contudo, cabe recurso por parte da Procuradoria-Geral do Estado (PGE).
Conforme Priscila, há uma audiência de mediação de conflito marcada para 15 de junho pela Defensoria Pública do Estado (DPE), que tem mediado a situação. O órgão não confirma a data, pois a audiência só poderá ser marcada a partir de 1 de junho, quando passa a valer um recurso extraordinário do Judiciário. Com ele, todas as ações de reintegração de posse deverão ser mediadas por um grupo formado pela DPE, MP-RS, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), Estado, município e as partes envolvidas. As audiências ocorrerão em duas tardes por semana.
"Por isso essa urgência de fazer a reintegração sem mandado nem nada. Foi ilegal e imoral o que a Brigada Militar fez, porque dizem que só cumprem a ordem do oficial de Justiça, mas, na prática, estão causando o aumento da população em situação de rua", observa Priscila.
A defensora Luciana Schneider, do Núcleo de Defesa à Moradia, pediu que a Lanceiros Negros seja incluída como prioridade nas audiências de mediação de conflito. A principal demanda apresentada é que seja realizada uma audiência pública com a sociedade civil a respeito do déficit habitacional de Porto Alegre. Além disso, os ocupantes pedem mais transparência nos cadastros da prefeitura de candidatos ao aluguel social e a moradias populares. "O que se viu, com a suspensão da reintegração, é que a sociedade civil está organizada, quer ser ouvida e apresenta demandas legítimas", opina.