O decreto que regulamenta a Lei da Biodiversidade, previsto para ser publicado pelo Planalto nos próximos dias, pode se tornar alvo de ações judiciais dada a reação que o texto preliminar provocou em setores industriais e em ambientalistas. A lei, que define regras e possibilidades para a exploração comercial da biodiversidade - no caso, chamada de "patrimônio genético" -, já não tinha sido bem aceita por essas entidades.
Mas a expectativa era que a regulamentação, redigida pela Casa Civil, preenchesse lacunas abertas e desse segurança jurídica para empresas e para povos que ocupam as regiões exploráveis.
O decreto, se publicado conforme a última versão, cria burocracias e dificuldades para a realização de novas pesquisas - dizem as empresas -, além de não garantir a restituição adequada às comunidades tradicionais - dizem os ambientalistas.
Os setores industriais que mais reclamam são os ligados aos segmentos químico, farmacêutico e de cosméticos.
Segundo as empresas, as medidas representariam um desestímulo à inovação e uma desvantagem competitiva em relação a países que possuem biodiversidade semelhante - especialmente os que ocupam a Amazônia.
Um dos alvos da revolta é a previsão de multas de até R$ 10 milhões para empresas. Segundo o texto, a aplicação das penalidades seria "arbitrada" por autoridades competentes - Ibama, Marinha ou Ministério da Agricultura. Para a indústria, isso é um risco difícil de mensurar.
"É um texto que cria insegurança para quem investe em pesquisa no País", afirma Fernando Figueiredo, da Abiquim (Associação Brasileira da Indústria Química), que prevê a judicialização da questão. "Seria lamentável, mas o texto conseguiu desagradar a todos", complementa.
Um dos pontos de maior atrito entre empresários e ambientalistas é o pagamento da "repartição de benefícios" - royalties pagos às comunidades tradicionais pela exploração da biodiversidade.
O texto prevê a destinação de 1% da receita líquida do produto acabado para o FNRB (Fundo Nacional de Repartição de Benefícios). No entanto, não é possível saber se a regra se aplica somente aos produtos que tenham princípio ativo biológico ou se a todos os produtos que tenham qualquer parte biológica na composição.
Os ambientalistas também reclamam que a repartição de benefícios será cobrada apenas de produtos cuja pesquisa e desenvolvimento foi feita a partir do ano 2000. "Como as pesquisas são antigas, era uma manobra para livrar a indústria de pagar. Conseguimos tirar isso da lei, mas agora esse artigo volta na forma de regulação", afirma Maurício Guetta, do Instituto Socioambiental.
A "manobra" motivará questionamentos jurídicos, diz Guetta. "Essa lei será alvo de Adins (Ações Diretas de Inconstitucionalidade), pois suprime direitos das populações tradicionais."
Segundo a assessoria de imprensa da Casa Civil, o texto ainda está em análise e a pasta está avaliando as últimas manifestações das entidades interessadas no assunto. A pasta também diz ter utilizado contribuições recebidas por meio de uma consulta pública, encerrada no último dia 2 de maio.