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Impeachment

- Publicada em 01 de Maio de 2016 às 22:31

'O tribunal para julgar o processo contra a presidente é político'

Ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Sydney Sanches, fala sobre processo de impeachment da presidente da República

Ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Sydney Sanches, fala sobre processo de impeachment da presidente da República


ROVENA ROSA/ABR/JC
Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) de 1984 a 2003, Sydney Sanches presidiu o processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, em 1992. Na ocasião, o Senado Federal atuou como órgão judiciário, conforme previsão do artigo 52, I, e seu parágrafo único da Constituição Federal. Nesta entrevista ao Jornal da Lei, Sanches explica a tramitação do processo contra Collor e comenta algumas questões relacionadas ao processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) de 1984 a 2003, Sydney Sanches presidiu o processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, em 1992. Na ocasião, o Senado Federal atuou como órgão judiciário, conforme previsão do artigo 52, I, e seu parágrafo único da Constituição Federal. Nesta entrevista ao Jornal da Lei, Sanches explica a tramitação do processo contra Collor e comenta algumas questões relacionadas ao processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Jornal da Lei - Qual foi o rito processual estabelecido no caso do impeachment do ex-presidente Collor?
Sydney Sanches - No caso Collor, depois que a Câmara autorizou o Senado a instaurar o processo, este já nomeou uma Comissão Especial, que emitiu um parecer sobre o recebimento, ou não, da denúncia, isto é, se ela deveria ser admitida e processada. Em seguida, o plenário, tudo de um dia para o outro, decidiu que deveria ser recebida e processada a denúncia. A rapidez se deu porque o presidente Collor estava sem apoio, tanto na Câmara quanto no Senado. Ambas as Casas tinham boa vontade em relação ao processo de impeachment. Já no caso de Dilma, o que se observa é que há uma resistência, ainda grande, do partido ao qual ela pertence, dos aliados, e também dos movimentos sociais e sindicais, de maneira que ainda conta com apoio de parcela da população. Talvez, por isso, se tenha tomado a cautela de primeiro ouvir algumas testemunhas para depois decidir pelo parecer pró ou contra. O normal é que o réu só seja citado, intimado para se defender, depois que a denúncia for recebida pelo juiz. Se o juiz rejeita a denúncia, ele nem manda citar o acusado. Se admite a denúncia, aí sim ele manda citar o acusado. Neste caso, o presidente tem que se afastar do cargo. Dilma não vai ser afastada enquanto não houver a decisão do plenário.
JL - Quando o STF estabeleceu as regras para o processo de impeachment do ex-presidente Collor, foram impetrados alguns mandados de segurança contra a condução do processo. O que eles questionavam?
Sanches - Os mandados de segurança diziam respeito à alegação de que eu, no exercício da presidência do processo, cometi ilegalidades ou atos abusivos. O Supremo denegou todos os mandados de segurança, por maioria de votos. Não por unanimidade, de maneira que não houve corporativismo do Supremo. O roteiro havia sido aprovado em sessão administrativa, por todo o Plenário. O que eu fiz foi cumprir a Constituição e a Lei do Impeachment, e proferi as decisões que eu proferi. Na verdade, quem decide sobre instrução, sobre provas, é a Comissão Especial. Ela é incumbida de colher as provas no processo. Porém, cabe recurso das decisões da Comissão Especial para o presidente do processo, que é o presidente do Supremo.
JL - O senhor identificou alguma grande diferença entre o ritos definidos para o processo de impeachment da presidente Dilma e o do ex-presidente Collor?
Sanches - O rito que nós elaboramos previa que, quando o processo chegasse da Câmara, o Senado constituiria uma Comissão Especial, para emitir parecer sobre se receberia ou não a denúncia. Em seguida, o parecer da comissão iria para o plenário, que receberia ou não a denúncia. E foi assim que aconteceu. No momento em que a denúncia foi admitida pelo plenário do Senado, o presidente do Supremo foi convocado para presidir o processo, e o presidente da República ficou afastado do cargo. No caso de Dilma, parece que não é bem isso que estão fazendo. Estão colhendo, já, provas, com testemunhas, antes mesmo de a denúncia ter sido admitida pelo Senado, antes mesmo de a presidente ser citada para se defender. Está um pouco diferente. Não sei se há alguma razão que eu desconheça. Na Constituição e na lei eu não vejo que esse rito deva ser seguido, mas deve haver alguma razão para isso.
JL - Como ex-presidente do TSE, quais efeitos o senhor identifica em uma possível cassação da chapa Dilma Rousseff/Michel Temer, que disputou e venceu as últimas eleições presidenciais?
Sanches - Nesse caso, o presidente da Câmara assumiria a presidência da República e marcaria eleições no prazo de 90 dias. Nos dois primeiros anos do mandato, a eleição seria direta. Depois de dois anos, a votação seria indireta, pelo Congresso Nacional.
JL - As pessoas ainda discutem a respeito de o ex-presidente Collor ter renunciado, e o processo ter tramitado independentemente da renúncia, e a renúncia não ter impedido a condenação e a aplicação da pena de inelegibilidade. Se o TSE entender pela cassação, isso também se aplicaria?
Sanches - Seria a mesma coisa, pelo menos na minha opinião. Eu não sei se a composição atual do Supremo admite que se deva prosseguir, nessa hipótese. A decisão no sentido de que o Senado poderia decidir pelo prosseguimento foi minha. Eu, embora presidente do processo, não decidi essa questão, pois, quando o Supremo Tribunal Federal recebe uma denúncia em plenário, nem o relator nem o presidente do Supremo podem pôr fim ao processo. Precisa ser examinado pelo mesmo colegiado, o mesmo plenário. Como a denúncia foi recebida pelo plenário do Senado, só ele pode pôr fim ao processo. Eu perguntei a eles se poderia prosseguir ou não. Em seguida, os senadores se reuniram e votaram pelo prosseguimento e impuseram a segunda pena. A razão para a aplicação desta segunda pena é que ela seria autônoma, e não acessória. Isto é, são duas as penas previstas: uma é a perda do mandato e a outra é a interdição do exercício de função pública por oito anos. Se a segunda pena for acessória à perda do mandato, ela não poderia ser aplicada, pois, em Direito, o acessório segue o principal. E, se a principal não poderia ser votada, pois já houve renúncia, também a acessória não poderia. Prevaleceu o entendimento de que essa pena é autônoma e tem outra finalidade. A perda do mandato tem uma razão de ser: não continuar essa pessoa como presidente da República. A outra pena evita que a pessoa exerça qualquer função pública por oito anos. Portanto, não pode se candidatar, não pode nem, por concurso, ingressar no serviço público. E foi o que aconteceu com o Collor, que cumpriu os oito anos da segunda pena. Mesmo assim, essa questão foi debatida no Supremo, no último mandado de segurança impetrado contra mim e contra o Senado. A votação foi por seis a quatro, não foi uma decisão tão tranquila assim. É uma questão que divide a doutrina e a jurisprudência, mas o Senado decidiu prosseguir, e o Supremo disse que estava certo, que poderia prosseguir.
JL - Hoje, muitos juristas debatem a respeito das chamadas pedaladas fiscais. O senhor acredita que é cabível uma avaliação de mérito pelo STF, se isso é ou não um crime?
Sanches - Não, acho que não. Eu acho que, quanto ao mérito do julgamento do Senado, não cabe qualquer mudança por parte do Supremo. O tribunal escolhido pela Constituição Federal para julgar o processo de impeachment contra a presidente da República é um tribunal político. Um tribunal composto por julgadores que pertencem a um partido político, e por quê? Porque é um julgamento político, não é estritamente jurídico. Se não, a Constituição Federal mandaria o STF julgar a presidente da República tanto nos crimes comuns como nos de responsabilidade. No entanto, a Constituição só atribuiu ao Supremo o julgamento de crimes comuns do presidente da República, e não os crimes de responsabilidade.

Absolvidos pelo Congresso

Ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Sydney Sanches, fala sobre processo de impeachment da presidente da República

Ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Sydney Sanches, fala sobre processo de impeachment da presidente da República


ROVENA ROSA/ABR/JC
Getúlio Vargas (Brasil, 1954)
Intensamente atacado por setores da imprensa da época, Getúlio era acusado de tentar implementar uma república sindicalista no País. O presidente, porém, tinha maioria no Congresso e, assim, conseguiu evitar sua deposição, em 16 de junho de 1954, por 136 votos contra 35, além de 40 abstenções. Pouco mais de dois meses depois, Vargas se suicidou com um tiro no coração.
Ernesto Samper (Colômbia, 1996)
Acusado de envolvimento com o Cartel de Cáli, Samper foi a julgamento no Congresso colombiano. A investigação teve origem na denúncia de ex-membros da campanha eleitoral que o levou ao governo, em 1994, afirmando que o então candidato recebeu financiamento dos traficantes de cocaína. Os deputados, porém, rejeitaram a acusação e absolveram o presidente por 111 votos a 43.
Bill Clinton (Estados Unidos, 1999)
O ex-presidente norte-americano era conhecido por seu estilo boêmio e por boatos a respeito de infidelidade no casamento. O que não se sabia, porém, era que isso poderia lhe custar o cargo. Clinton esteve envolvido em um rumoroso caso de escândalo sexual com uma estagiária da Casa Branca, Monica Lewinsky. O presidente, no entanto, foi absolvido no Senado e completou seu segundo mandato.

Depostos pelo impeachment

Carlos Andrés Perez (Venezuela, 1993)
Escândalos de corrupção e um governo impopular geraram séria instabilidade política na Venezuela. Em 1992, dois golpes de Estado foram tentados, mas não obtiveram sucesso. No ano seguinte, porém, Perez não resistiu e foi deposto legalmente por meio de um impeachment.
Fernando Lugo (Paraguai, 2012)
O último caso de destituição de um presidente sul-americano ocorreu em 2012, no vizinho Paraguai. O então presidente Fernando Lugo foi tirado do posto em um processo relâmpago que durou menos de 24 horas. O país recebeu sanções da Unasul e do Mercosul que considerou a medida uma quebra da ordem democrática.
Viktor Yanukovych (Ucrânia, 2014)
Os eventos que antecederam e sucederam a retirada do cargo do presidente ucraniano pelo Parlamento foram uma consequência da grave crise política em que o país estava envolvido. A decisão, porém, aprofundou o quadro de forte instabilidade, causando convulsão social e resultando na anexação do território da Crimeia pela Rússia e um duradouro conflito armado civil ainda não resolvido que já causou, ao menos, 9 mil mortes em dois anos.