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sustentabilidade

- Publicada em 09 de Maio de 2016 às 13:49

Agroecologia em grande escala

Moura diz que o envolvimento com a natureza representou uma mudança importante para ele e para a família

Moura diz que o envolvimento com a natureza representou uma mudança importante para ele e para a família


FREDY VIEIRA/JC
Às margens da rodovia ERS-040, em Viamão, fica a entrada do Assentamento Filhos de Sepé. Andando poucos quilômetros por uma estrada de terra dentro da área na qual vivem 376 famílias do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), é possível avistar os 550 hectares de superfície azul da barragem das Águas Claras, uma das responsáveis pela formação do rio Gravataí. O cenário está estritamente ligado ao Refúgio de Vida Silvestre Banhado dos Pachecos, onde está a nascente da lâmina d'água, e vivem, entre outras espécies, animais em extinção, como o cervo do Pantanal.
Às margens da rodovia ERS-040, em Viamão, fica a entrada do Assentamento Filhos de Sepé. Andando poucos quilômetros por uma estrada de terra dentro da área na qual vivem 376 famílias do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), é possível avistar os 550 hectares de superfície azul da barragem das Águas Claras, uma das responsáveis pela formação do rio Gravataí. O cenário está estritamente ligado ao Refúgio de Vida Silvestre Banhado dos Pachecos, onde está a nascente da lâmina d'água, e vivem, entre outras espécies, animais em extinção, como o cervo do Pantanal.
A limitação desse território via reforma agrária aconteceu em 1998, mesmo ano da criação da Área de Preservação Ambiental (APA) do Banhado Grande, que ocupa aproximadamente dois terços da bacia do Gravataí. O assentamento nasce, portanto, integralmente na APA, com o desafio de desenvolver atividades produtivas em condições ecológicas e hidrológicas peculiares de conservação. Passados 18 anos, irradia da experiência dos moradores do Assentamento Filhos de Sepé um dos principais modelos de organização de uma cadeia agroecológica na América Latina, que agrega, em um mesmo contexto, cooperação social e preservação da vida e da água.
As famílias, oriundas em sua maioria das regiões das Missões e Alto Uruguai, produzem, por exemplo, hortaliças, frutas, panifícios, tubérculos, mel e gado de leite e de corte. Entretanto, em escala maior, é o arroz que domina boa parte da paisagem nos lotes de produção. Divididas em 25 grupos, 157 dessas famílias são responsáveis pelo plantio do grão em uma área que chegou 1,6 mil hectares na última safra, sendo 60 hectares destinados ao cultivo de sementes. Sem a utilização de uma gota de agrotóxicos ou fertilizantes sintéticos, tampouco sementes transgênicas, o assentamento deve colher 125 mil sacas no calendário agrícola de 2015/16.
Osmar Moises de Moura, um dos assentados, diz que nasceu e se criou em meio a plantações convencionais de soja, no Norte do Estado. "Entrava no meio das lavouras com trator para incorporar herbicida. Era aquele poeirão, o produto recém-aplicado na terra, e nós enfiados no meio daquilo tudo", conta. Tinha 16 anos quando se mudou para o acampamento Palmeirão, em Julho de Castilhos. Passou ainda três anos no Santo Antônio, em Tapes, até conquistar sua terra no Filhos de Sepé, em 1998, onde mora com a esposa e dois filhos, um menino e uma menina. "Trabalhar hoje em envolvimento com a água e a natureza é uma mudança da noite para o dia", afirma.
A relação entre os agricultores, a terra, a água, os microrganismos e os animais, aludido por Moura é um dos pressupostos do modelo. "A agroecologia propõe a saída de uma visão cartesiana da agricultura, na qual predomina o fator econômico, para uma visão sistêmica, onde se consiga desenhar sistemas de manejo, de produção, de vida, que consigam se reciclar ao longo do tempo", explica o professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) Fábio Kessler Dal Soglio. Ou seja, trata-se da manutenção da fertilidade do solo e da saúde da planta, em consonância com as relações ecossistêmicas locais e com as necessidades do produtor.
No caso do arroz orgânico, a gestão da água também é determinante. Cada grupo de produção tem um coordenador no conselho de irrigantes, responsável pelo gerenciamento hídrico. Além disso, é preconizada a nutrição do solo sem utilização de elementos externos, valendo-se do manejo da resteva - os restos da planta colhida - para proporcionar alimento para os microrganismos do solo, mesmo papel desempenhado pela associação com animais. O gado, por exemplo, favorece o crescimento e o controle de plantas na entressafra e, consequentemente, a fertilidade do solo. O controle biológico de insetos, como a lagarta, é feita pela presença de aves.
O Grupo Gestor do Arroz Agroecológico comemora a consolidação de quase 5 mil hectares de arroz controlado em todas as etapas de produção por meio de uma certificação participativa e de auditoria externa, associado ao desenvolvimento de hortas e criação de animais. "Por mais um ano, conseguimos comprovar que é possível plantar sem agrotóxico e, segundo, que é possível fazer isso em larga escala", destaca o engenheiro agrônomo Marthin Zang. Ao alçar a agricultura agroecológica a outro patamar, o trabalho do MST passa a ser reconhecido pelo que tem de mais simples e pelo que tem de mais revolucionário, respectivamente, a recuperação do equilíbrio do ecossistema e a quebra de paradigmas da agricultura industrial.

Fertilidade do solo garantida

Moura diz que o envolvimento com a natureza representou uma mudança importante para ele e para a família

Moura diz que o envolvimento com a natureza representou uma mudança importante para ele e para a família


FREDY VIEIRA/JC
O cenário das grandes metrópoles denuncia o óbvio: a população mundial não para de crescer. Em 2015, éramos 7,3 bilhões de seres humanos. A projeção do Instituto Francês de Estudos Demográficos (Ined) indica 10 bilhões de pessoas até 2050, a maior parte vivendo em centros urbanos. Diante da escalada populacional, apenas o aumento da produtividade no campo poderia gerar comida para tanta gente, certo? Não, defendem alguns especialistas em agroecologia, para quem o problema poderia ser amenizado simplesmente diminuindo o desperdício e melhorando a distribuição da comida.
"A fome está ligada a distúrbios ambientais, guerras, diferenças sociais, desperdício e falta de acesso a comida", afirma o professor da pós-graduação em Desenvolvimento Rural da Ufrgs Fábio Kessler Dal Soglio. Para equalizar o cenário, Dal Soglio defende a adoção da agroecologia em países onde os índices de produtividade são altos, reduzindo-a entre 10% e 15%.
Por outro lado, o desenvolvimento desse mesmo modelo agrícola em regiões onde a escassez de alimentos é um fato, como partes da Ásia, África e América Latina, poderia triplicar a rentabilidade no campo. "A questão pode ser resolvida pela agroecologia associada à inclusão das pessoas, equidade na distribuição de renda e redução de desperdício no campo e na mesa", completa.
Os dados levantados pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) corroboram a análise. De acordo com a FAO, a produção de alimentos está subindo de forma constante e superior ao crescimento populacional. Mesmo assim, cerca de 925 milhões de pessoas passam fome no mundo. As principais causas, aponta a entidade, são o desperdício de 1,3 milhão de toneladas de alimentos por ano, o que representa cerca de 1/3 do total; o recuo de 75% da diversidade de culturas desde 1900; e a perda estimada de 24 bilhões de toneladas de solo fértil por ano, afetando 1,5 bilhão de pessoas.
A agroecologia evita a degradação desse solo, conforme explica o agrônomo do Assentamento Filhos de Sepé, Marthin Zang. Imagine uma planta de arroz com um quilograma. Desse total, apenas 500 gramas são grãos a serem colhidos. Essa proporção de 50% entre a produção de grãos sobre o peso total é chamada de índice de colheita, o que significa que metade da energia produzida por essa planta fica no solo, metade sai. Na perspectiva agroecológica, o desafio é ter sementes que produzam grãos em boa quantidade, mas que deixem biomassa para fertilizar a terra naturalmente.
"Pelo contrário, a agricultura industrial favorece o melhoramento das variedades para exportar maior quantidade de carbono em forma de grão e deixar menos no solo", compara Zang. Essa última opção, presente majoritariamente na agricultura brasileira voltada à exportação de commodities, sobretudo de soja, paradoxalmente, acaba tendo que importar insumos sintéticos para nutrir a terra, criando um ciclo infinito de desequilíbrio e dependência de elementos externos. "Grande parte da perda de solo no planeta está ligada à retirada incansável de nutrientes do solo desde uma ideia de que a fertilidade vem de fora", critica.

Objetivo é aumentar a capacidade de beneficiamento de arroz orgânico

Moura diz que o envolvimento com a natureza representou uma mudança importante para ele e para a família

Moura diz que o envolvimento com a natureza representou uma mudança importante para ele e para a família


FREDY VIEIRA/JC
Em meados de abril, em Eldorado do Sul, o assentamento Integração Gaúcha dava os últimos passos na colheita do arroz orgânico. Em um dos centros de recebimento e distribuição, o representante da Cooperativa Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre (Cootap), Nelson Luiz Krupinski, projeta uma safra de 434 mil sacas, em uma área plantada superior a 4,4 mil hectares, em 17 assentamentos, localizados em 13 municípios, envolvendo 421 famílias.
O beneficiamento acontece em agroindústrias nos assentamentos de Tapes e Nova Santa Rita. Ampliar o parque industrial é uma das necessidades, pois as duas plantas não dão mais conta do processamento de oito milhões de quilos anuais. "Terceirizar gera entre 5% e 10% a mais de gasto com transporte, além do aumento do custo com estoque e arrendamento", informa. Esses recursos poderiam garantir uma sobra maior ao agricultor, o aumento do capital de giro da cooperativa e a diminuição do preço. Agregar valor com subprodutos, com a casca e o farelo, também faz parte dos planos. A licença para construção de uma unidade no Filhos de Sepé foi entregue em março de 2016.
A comercialização é garantida, principalmente, pelo mercado institucional. O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) do governo federal investiu mais de R$ 45 milhões na aquisição de 27 mil toneladas de alimentos de agricultores gaúchos em 2014. No mesmo ano, o Programa Nacional de Alimentação Escolar, por sua vez, liberou R$ 3,6 bilhões em compras, sendo 30% obrigatoriamente da agricultura familiar. "Fornecemos para mais de 2,5 milhões de crianças de escolas públicas que nunca conseguiriam comprar um quilo de arroz orgânico no mercado convencional", completa Krupinski.
Em outra frente, o MST investe na produção de sementes orgânicas. Assentamentos de 16 municípios do Estado estão organizados em 44 grupos de produção em torno da marca Bionatur. "No mercado convencional, levaríamos até um ano e meio para pagar o produtor, o que inviabilizaria a atividade", explica o coordenador-geral da Bionatur, Alcemar Adílio Inhaía. Com o PAA, se tudo ocorrer dentro do previsto, o prazo cai para cinco meses, Ao todo, 160 famílias atuam em solo gaúcho, e outras 50, em Minas Gerais. A construção de uma unidade de beneficiamento garantirá a produção de 75 variedades de hortaliças e forrageiras em 2016, cerca de 75 toneladas de sementes.

Autonomia agrega valor à cadeia produtiva

Moura diz que o envolvimento com a natureza representou uma mudança importante para ele e para a família

Moura diz que o envolvimento com a natureza representou uma mudança importante para ele e para a família


FREDY VIEIRA/JC
O Brasil é, desde o ano de 2008, apontado como o maior consumidor de pesticidas do mundo. O mercado brasileiro tem 434 ingredientes ativos, que, combinados, resultam em pelo menos 2.400 formulações de agrotóxicos. O Ministério da Saúde registrou, no período de 2007 e 2014, 34 mil notificações de intoxicação em função do uso de defensivos agrícolas.
No entanto, segundo a Organização Mundial da Saúde, para cada caso oficializado, estima-se outros 50 sem aviso. "Nossa saúde não tem preço. Quando estamos trabalhando sem agrotóxico, preocupados com alimento de qualidade e ambiente equilibrado, estamos pensando no todo", pondera o vice-presidente da Cooperativa dos Citricultores Ecológicos do Vale do Caí (Ecocitrus), Ernesto Carlos Kasper.
A Ecocitrus foi criada em 1994 por agricultores familiares articulados em busca de um modelo produtivo economicamente viável, mas com benefícios ambientais e sociais de longo prazo. Procurando alternativas para substituir insumos, desenvolveu, a partir do ano seguinte, uma usina de compostagem.
Desde então, resíduos são coletados em empresas da região, processados e transformados em adubo. Os associados recebem o material, e o excedente ainda é comercializado. Junto à usina, desde 2012, também é produzida energia a partir de biogás.
"Além de fornecer os insumos, a usina se tornou rentável, pois cobra para descartar resíduos de empresas, produz biogás e vende o excedente processado", explica Kasper. Com um domínio cada vez maior sobre a cadeia produtiva, a Ecocitrus procurou eliminar intermediários também na comercialização.
Foi assim que nasceu, em 2001, a agroindústria para limpeza, seleção, classificação, embalagem e armazenamento das frutas. O projeto foi ampliado em 2013, quando a cooperativa passou a produzir o suco orgânico em sua própria fábrica.
O crescimento do faturamento está alicerçado na redução dos custos produção, não necessariamente no aumento do volume. "Isso se faz tendo controle sob os insumos, a produção e a comercialização. É a autonomia que agrega valor à cadeia." Hoje, são 60 famílias envolvidas, com incentivo à participação das mulheres e dos filhos nas atividades da cooperativa.
"A tecnologia da agroecologia está no conhecimento do agricultor", destaca o dirigente. Segundo Kasper, ao ficar dependente de produtos químicos no modelo convencional, por outro lado, o agricultor vem perdendo a noção de observar o meio ambiente em que está inserido e procurar soluções para os problemas.