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Teatro

- Publicada em 17 de Abril de 2016 às 15:21

K x K: Kraemer encena Kane

Sarah Kane é um nome infelizmente ainda pouco conhecido no Brasil. Escreveu apenas cinco peças, mas é considerada a dramaturga inglesa mais importante do final do século XX. Estreou com Blasted (Devastada), em 1995, suicidou-se em 1999, aos 26 anos de idade, sendo sua quinta e última obra, considerada autobiográfica, encenada apenas depois de sua morte: 4:48 Psicose, referência à hora em que um psicótico chegaria ao ponto culminante de sua desesperança em que atinge a coragem de se matar.
Sarah Kane é um nome infelizmente ainda pouco conhecido no Brasil. Escreveu apenas cinco peças, mas é considerada a dramaturga inglesa mais importante do final do século XX. Estreou com Blasted (Devastada), em 1995, suicidou-se em 1999, aos 26 anos de idade, sendo sua quinta e última obra, considerada autobiográfica, encenada apenas depois de sua morte: 4:48 Psicose, referência à hora em que um psicótico chegaria ao ponto culminante de sua desesperança em que atinge a coragem de se matar.
Eduardo Kraemer, que assina o espetáculo Cadarço de sapato ou ninguém está acima da redenção, afirma que o texto seria uma criação coletiva de todo o grupo. Imagino, porém, que tenha sido ele quem, ao final, tenha feito a costura, a seleção e a organização das cenas, de modo a se ter uma narrativa coerente e, não apenas, uma colagem fragmentária de cenas e alusões. O que se tem, como resultado, é trabalho de pouco mais de uma hora de duração, extremamente denso e tenso, que evidencia um amadurecimento do dramaturgo (seja ele quem for) e do encenador: porque o espetáculo está sempre no limite da emocionalidade, mas nunca escorrega para o emocionalismo e, sobretudo, guarda estrita relação entre elementos biográficos da dramaturga e alusões aos textos por ela produzidos, ao longo de sua curta e produtiva vida.
O título da obra faz referência direta ao objeto utilizado pela autora em seu suicídio. Há, assim, uma indicação de que texto e espetáculo buscam relacionar a biografia e a obra, sem concretizar, contudo, um procedimento mecânico. Neste sentido, ganha significado o fato de que, se a obra de Kane poderia ser considerada desesperada, descrente na humanidade, niilista e por aí afora, algumas passagens escolhidas para serem apresentadas na montagem evidenciam exatamente o contrário: se Sarah Kane escrevia para salvar-se (e salvar a nós todos, suas projeções e continuidades), ela, na verdade, acreditava no ser humano, e buscava, ao escrever, justamente livrar-se do peso das correntes e emoções que a puxavam para o fundo do poço, tentando situar-se acima da água que terminaria por afogá-la. A leitura de Kane, portanto, tem de ser feita sempre sob tal perspectiva.
Eduardo Kraemer, a exemplo de outros vários de seus trabalhos, assina mais um espetáculo extremamente pessoal, o que não quer dizer individualista. O Teatro Ofídico, seu grupo, é, de certo modo, uma expansão de sua personalidade. Assim, qualquer espetáculo assinado por Kraemer é sempre uma assinatura coletiva, na medida em que os integrantes de seu grupo se identificam com um projeto e assim se comportam. Portanto, qualquer trabalho do Teatro Ofídico é um espetáculo coletivo, e assim deve ser considerado Cadarço de sapato. Mas isso não impede que as individualidades também possam se afirmar ao longo do espetáculo: Renato Campão, premiado no ano passado, como melhor ator, tem uma performance muito bem marcada por variações emocionais admiráveis; Rejane Meneghetti - que figura, por vezes, uma rainha - é precisa em suas entradas em cena; Adriana Lampert é eloquente, sobretudo na sequência que protagoniza bem junto ao público, na primeira metade da encenação (eloquência intimista, sem contradição). Por fim, Aline Szpakowski é uma dividida figura feminina, que se equilibra com um problemático personagem corporificado por Gustavo Razzera, enquanto Jairo Klein distancia-se de seu inolvidável Fernando Pessoa para se transformar numa figura como que mitológica em cena.
Em tudo, e o tempo todo, desde o primeiro minuto da encenação, o público é como que trazido ao palco, misturado aos personagens e envolvido por seus traumas e desafios. A cenografia de Alexandre Navarro, igualmente premiada no ano passado, trabalha com pedaços, com objetos rotos, com sobras - metáfora das personagens e de suas condições. Eduardo Kraemer, considerado o melhor diretor de 2015, mais do que merecidamente, pode retornar com seu espetáculo e mostrar porque tem se projetado e afirmado enquanto realizador teatral.
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