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Cinema

- Publicada em 10 de Abril de 2016 às 21:12

O último ato

Hélio Nascimento
Uma das curiosidades cinematográficas nas últimas décadas do século passado foi a eclosão, no Irã, de um movimento cinematográfico tão importante como surpreendente. Tendo por base lições do neorrealismo italiano, cineastas como Abbas Kiarostami, Jafar Panahi e Mohsen Makmaldaf deixaram valiosas contribuições ao cinema, descobrindo caminhos antes não percorridos. Certamente não foi fácil trabalhar sob as leis de uma teocracia, e para tanto foi necessário criar uma série de subterfúgios que não revelassem de forma explícita tanto a crítica como a inconformidade. Um dos recursos utilizados foi a utilização de crianças, estas personagens que são as primeiras a sentirem o peso da disciplina e as dores da repressão. Colocar crianças em cena - e os cineastas iranianos sabem fazer isso de forma notável - foi um ato que permitiu falar sobre imposições e rigores e também de revoltas diante do peso do autoritarismo. Os três cineastas citados enfrentaram problemas em seu país, mesmo tendo sido consagrados no exterior. Kiarostami teve de abandonar o Irã para continuar seu trabalho e realizar em Cópia Fiel uma homenagem a Roberto Rossellini. Panahi esteve preso e proibido de filmar, mas tem conseguido encontrar maneiras de continuar ativo, numa evidência, aliás, que existem divergências em setores do poder. Panahi, aliás, foi punido por ter filmado aquelas manifestações marcadas pela cor verde contra a eleição, apontada como fraudulenta, de um presidente que depois absolveria os nazistas de seu grande crime, ao negar o Holocausto. Makmaldaf, o realizador de O presidente, abandonou o país e realizou na Geórgia, com o apoio de outras nações europeias, este relato sobre os últimos dias de um ditador.
Uma das curiosidades cinematográficas nas últimas décadas do século passado foi a eclosão, no Irã, de um movimento cinematográfico tão importante como surpreendente. Tendo por base lições do neorrealismo italiano, cineastas como Abbas Kiarostami, Jafar Panahi e Mohsen Makmaldaf deixaram valiosas contribuições ao cinema, descobrindo caminhos antes não percorridos. Certamente não foi fácil trabalhar sob as leis de uma teocracia, e para tanto foi necessário criar uma série de subterfúgios que não revelassem de forma explícita tanto a crítica como a inconformidade. Um dos recursos utilizados foi a utilização de crianças, estas personagens que são as primeiras a sentirem o peso da disciplina e as dores da repressão. Colocar crianças em cena - e os cineastas iranianos sabem fazer isso de forma notável - foi um ato que permitiu falar sobre imposições e rigores e também de revoltas diante do peso do autoritarismo. Os três cineastas citados enfrentaram problemas em seu país, mesmo tendo sido consagrados no exterior. Kiarostami teve de abandonar o Irã para continuar seu trabalho e realizar em Cópia Fiel uma homenagem a Roberto Rossellini. Panahi esteve preso e proibido de filmar, mas tem conseguido encontrar maneiras de continuar ativo, numa evidência, aliás, que existem divergências em setores do poder. Panahi, aliás, foi punido por ter filmado aquelas manifestações marcadas pela cor verde contra a eleição, apontada como fraudulenta, de um presidente que depois absolveria os nazistas de seu grande crime, ao negar o Holocausto. Makmaldaf, o realizador de O presidente, abandonou o país e realizou na Geórgia, com o apoio de outras nações europeias, este relato sobre os últimos dias de um ditador.
Um outro meio empregado seguidamente por cineastas iranianos é o da metalinguagem, seja por expor recursos de filmagem, seja por mesclar o real e a fantasia. O espelho, de Panahi, um filme sobre uma personagem que aguarda a mãe na frente de uma escola, se transforma numa espécie de documentário sobre uma menina contratada por uma produtora para interpretar aquela figura. Quando a protagonista se rebela diante das ordens do diretor e retira da cabeça o véu, torna-se claro o tema do filme. Makmaldaf, por sua vez, em O presidente, oferece ao espectador uma retrospectiva do que há de mais revelador no cinema iraniano. O país no qual a ação transcorre não é identificado. Mas é de opereta europeia do século XIX a cena de abertura, na qual as luzes da cidade, segundo a rádio oficial, são tão fortes que rivalizam com as estrelas. A seguir entra em cena a criança. Agora se trata do neto do ditador do país. E será através dos olhos do menino que a ação será estruturada, algo que fica evidente nas ordens que ele recebe para fechar os olhos em certos momentos, inclusive no trecho que encerra o filme. O ditador que o cineasta focaliza tem poder absoluto e com uma simples ordem faz a escuridão dominar a cidade. E quando as luzes não retornam e a valsa de Strauss deixa de ser ouvida, a realidade começa a aparecer: a família que detém o poder está em fuga, e as condições em que vive a população passam a ser reveladas.
Makmaldaf ergue uma alegoria e, mesmo se deixando levar por situações nas quais a simbologia é o destaque, não se afasta daquela encenação realista, elemento principal do cinema iraniano. Este ditador fugitivo está evidentemente inspirado em figuras recentes, cujas trajetórias foram encerradas de forma bastante conhecida de todos. Mas o personagem do avô também é uma referência ao final de Benito Mussolini, o que não deixa de ser outra ligação com o país no qual surgiu o movimento cinematográfico inspirador. O filme, mesmo se caracterizando por sua crítica às ditaduras, não se limita a ser um relato sobre os males da autocracia. É que ela está na origem de sectarismos e revides iguais às suas ações. A turba em ação que o filme focaliza é uma das consequências. É quando o filme se aproxima da agressividade máxima, do descontrole maior. A pergunta que fica no epílogo se refere às dúvidas sobre se as forças discordantes de ações desordenas e violentas serão suficientes para deter a irracionalidade.
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