Ricardo Gruner
Ele revelou artistas como Roberto e Erasmo Carlos, criou o bordão "10, nota 10", da avaliação de escolas de samba, e ainda foi compositor, apresentador e diretor. Para quem não conhece, essas são algumas das credenciais de Carlos Imperial - retratado em documentário desenvolvido pelos mesmos cineastas de Uma noite em 67 (2010).
Em cartaz na Capital desde quinta-feira, Eu sou Carlos Imperial tem como objetivo não só apresentar este homem - que também pode ser descrito como mulherengo, visionário e pilantra - mas ainda passar ao público as nuances de sua personalidade. "Sabíamos que ele tinha muita história, e não íamos dar conta de tudo. Decidimos fazer um filme que tentasse passar o espírito de quem ele foi", resume Ricardo Calil, que assina a direção junto a Renato Terra.
De certa forma, o documentário começou a ser pensado ainda nas filmagens do trabalho anterior da dupla, sobre a final do 3º Festival da Música Popular Brasileira. Ao longo das entrevistas para a obra, Imperial foi citado como um nome importante daquele período, instigando os realizadores. No ano seguinte, eles leram a biografia Dez, nota dez! - Eu sou Carlos Imperial, de Denilson Pereira, e bateram o martelo sobre o projeto audiovisual.
O documentário reúne imagens de arquivo e depoimentos de familiares, amigos e colegas. Nomes como Roberto Carlos, Eduardo Araújo, Paulo Silvino e Tony Tornado lembram casos da carreira do "pilantra": midiático e malandro, o compositor de Vem quente que eu estou fervendo e Mamãe passou açúcar em mim registrava canções de domínio público e criava e se aproveitava de factoides. Segundo ele, os Beatles regravaram Asa Branca, por exemplo. Já um dos filmes que dirigiu em suas incursões no mundo do cinema, Mulheres, mulheres, era supostamente baseado em conto do italiano Pier Paolo Pasolini. Lorota, claro.
Conforme Calil, essa faceta foi fundamental para que ele e Renato Terra achassem o tom do filme. A narrativa apresenta e desmente alguns golpes aplicados pelo personagem-título - embora inclua brincadeiras dos diretores. Alguns depoimentos falsos, como o de um suposto crítico musical, foram inseridos para fazer jus à essência do retratado. "Uma das coisas que nos chamou atenção na biografia foi justamente esse lado mentiroso do Imperial. Pareceu muito saboroso fazer um documentário, formato que lida supostamente com a verdade, sobre um mentiroso. E embaralhar as coisas", ressalta.
O filme também relembra parte da vida íntima de Imperial: seus dois filhos participam com depoimentos que revelam um pai, muitas vezes, ausente e com a casa repleta de mulheres. Apesar disso, os relatos aparecem sem rancor, assim como os testemunhos de outros que estiveram com o personagem. "Mesmo quem foi sacaneado falou com carinho. Acho que depois de tanto tempo [Imperial morreu em 1992], as pessoas conseguem ver mais o quanto ele as ajudou no começo de carreira do que as eventuais sacanagens", comenta o diretor.
Para o cineasta, a própria picaretagem que tanto marcou a trajetória do produtor passa também pelo desenvolvimento de uma imagem pública. "Quem conviveu de perto sabia que ele fazia essas coisas... Mas muito era por causa desse personagem que inventou. Na intimidade, não era um filho da mãe. Ele brincou com a criação dessa caricatura de vilão e às vezes se confundiu com ela", opina Calil.
Em cartaz há sete semanas em São Paulo - um número expressivo, especialmente para documentários -, o longa-metragem exibido no circuito comercial não é o mesmo que rodou por festivais. Uma cena que relembra o encontro de Tim Maia com Imperial teve de ser retirada do corte final por questões de direitos autorais, mas está disponível nas redes sociais.
Outra ausência lamentada por Calil é a do ator Mário Gomes. Após conflito a respeito do filme O sexo das bonecas, Imperial lançou um boato de que o artista havia dado entrada no hospital com uma cenoura entalada no orifício anal. "Tentamos falar com o Mário Gomes, mas ele não quis participar", explica o cineasta, que também faz um exercício de imaginação: "Imperial era uma figura que produziu - um pouco - o tempo dele, mas também era um produto daquele tempo. Hoje, ele não poderia fazer provocações no mesmo nível das décadas de 1960 e 1970, mas acho que ia encontrar maneiras de aparecer, acontecer".