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Tributos

- Publicada em 25 de Abril de 2016 às 12:43

Renúncia fiscal para obter royalties do petróleo agrava crise na arrecadação

Dependência econômica do combutível para estados como o Rio de Janeiro persiste mesmo com a derrubada dos preços do barril no mercado internacional

Dependência econômica do combutível para estados como o Rio de Janeiro persiste mesmo com a derrubada dos preços do barril no mercado internacional


VISUALHUNT.COM /DIVULGAÇÃO/JC
A arrecadação de royalties e participações especiais de petróleo no estado do Rio de Janeiro cresceu 1.800% em valores correntes entre 1999 e 2015. Já o recolhimento de seu principal tributo, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e de Serviços (ICMS), ostenta vigor bem mais discreto. Segundo dados do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), nesse período, a receita do governo fluminense com ICMS subiu 356% em valores correntes, passando de R$ 7,229 bilhões para R$ 33,033 bilhões. É a menor variação entre os 27 estados e o Distrito Federal.
A arrecadação de royalties e participações especiais de petróleo no estado do Rio de Janeiro cresceu 1.800% em valores correntes entre 1999 e 2015. Já o recolhimento de seu principal tributo, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e de Serviços (ICMS), ostenta vigor bem mais discreto. Segundo dados do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), nesse período, a receita do governo fluminense com ICMS subiu 356% em valores correntes, passando de R$ 7,229 bilhões para R$ 33,033 bilhões. É a menor variação entre os 27 estados e o Distrito Federal.
Nos últimos meses, a crise fiscal do Rio de Janeiro se aprofundou de tal forma que o governo estadual atrasou o pagamento de funcionários públicos e deixou de pagar, em abril, a aposentadoria de servidores públicos com salários acima de R$ 2 mil. Ao todo, 137 mil aposentados e pensionistas só devem receber até 12 de maio.
Os números mostram que o Rio de Janeiro, nos últimos anos, contou com os bilhões que passou a receber de royalties desde 1999, como resultado da mudança na Lei do Petróleo, passando a adotar uma política tributária de incentivos e pouca atenção à arrecadação do ICMS, que, segundo os especialistas, não rendeu os frutos esperados. Em 16 anos, a valores de hoje (atualizados pelo INPC), o estado recebeu R$ 114,9 bilhões em royalties e participações especiais sobre campos de petróleo, segundo dados do InfoRoyalties, base de dados elaborada pela Universidade Candido Mendes, em Campos (Ucam-Campos).
Os incentivos tributários criados na última década, por sua vez, ganharam força ano após ano. Somente entre 2008 e 2013, a renúncia fiscal chegou a R$ 32,4 bilhões, destaca estudo feito pela Secretaria de Fazenda do Estado do Rio. Apesar do esforço de atração de novas empresas na última década, a economia do Rio de Janeiro ainda continua dependente do petróleo, que responde atualmente por 33% de seu Produto Interno Bruto (PIB).
Essa dependência resiste mesmo à atual crise no setor de petróleo, que derrubou os preços do barril no mercado internacional e reduziu em 40% os royalties obtidos no ano passado, agravando ainda mais a crise fiscal do Rio. A forte retração da indústria petrolífera abala ainda a arrecadação de ICMS: 15,5% da receita fluminense com o tributo vem do setor.
Professor de pós-graduação em Planejamento Regional e Gestão de Cidades da Universidade Cândido Mendes, em Campos, José Vianna lembra que a renúncia fiscal acabou não compensando, já que hoje o estado sofre com a falta de recursos oriundos do petróleo, agravada ainda com a paralisia do setor decorrentes da Operação Lava Jato. Segundo ele, nem sempre a atração de um grande empreendimento se reflete no aumento de outros serviços ao redor, gerando, assim, mais tributos para os cofres públicos.
"Além disso, o estado tem um aumento de custos, com o investimento em infraestrutura para atender a um novo empreendimento e para manter essas melhorias. No atual cenário, as políticas de renúncia fiscal precisam ser reavaliadas, ainda mais em um momento de queda no preço do petróleo", avalia Vianna. O panorama fica ainda pior se for levado em conta que muitos investimentos subsidiados feitos no estado nos últimos anos foram polarizados pela cadeia de óleo e gás, como os portos logísticos, o complexo petroquímico, o setor naval e a siderurgia, complementa o professor.

Falta de planejamento tributário recebe críticas

A renúncia fiscal para atrair empreendimentos é fruto da chamada guerra fiscal dos estados, que baixam os valores do ICMS na disputa por empresas. Exemplos não faltam. Em alguns casos, montadoras tiveram ICMS zero por até dois anos e laboratórios de tecnologia tiveram isenção de impostos para a compra de equipamentos. 
Além disso, 29 municípios fluminenses oferecem hoje ICMS reduzido - a alíquota chega a 2%, dependendo do setor - para ajudar na atração de companhias. Ao todo, 51 cidades estão enquadradas na lei que permite a redução e que foi criada em 2005 pela então governadora Rosinha Garotinho e que sofreu adaptações ao longo dos governos de Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão.
Para a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) especializada em finanças públicas Margarida Gutierrez, o efeito das renúncias fiscais sobre a economia pode ser frágil, causando apenas custo aos cofres públicos. "As desonerações têm que ser embasadas em uma política industrial complexa", salienta Margarida.
A situação fica mais difícil enquanto as contas ficam cada vez mais dependentes da renda do petróleo, que tem sido muito volátil. Levantamento feito pelo gabinete do deputado Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB-RJ) mostra que o peso do ICMS sobre o total arrecadado pelo estado diminuiu nos últimos anos. Em 2002, o ICMS representava 53,49% dos ingressos nos cofres estaduais, que ficaram em R$ 19,2 bilhões naquele ano.
A fatia do ICMS na receita caiu conforme o peso dos royalties aumentou. No ponto mais baixo da série histórica, o imposto chegou a responder por 40,5% da receita estadual, em 2013. No ano passado, com a queda do petróleo e a crise no setor, o ICMS voltou a responder por mais da metade da arrecadação, com peso de 56,7% no orçamento.
O peso dessa dependência aparece nos resultados do ano passado. Considerando a receita efetivamente recebida pelo estado (e não apenas as previsões em orçamento), o volume de ICMS subiu apenas 1,5%, variação bem inferior à inflação do período. Já a receita com royalties despencou 38%. A expectativa para este ano é de nova retração, de 28%, considerando petróleo a US$ 30 o barril e dólar a R$ 4,00.
Para o deputado, que é de oposição, faltou ao governo uma estratégia para lidar com a falta de recursos do petróleo. "Até a Arábia Saudita (maior produtora mundial de petróleo) está fazendo seu dever de casa, com a criação de um fundo soberano, mas o Rio de Janeiro está inerte", compara Rocha.

Espírito Santo minimizou efeitos da crise

Enquanto o estado do Rio de Janeiro vive uma grave crise fiscal - teve déficit fiscal primário de R$ 4,17 bilhões no ano passado -, o vizinho Espírito Santo, também produtor de petróleo, se orgulha de ter minimizado os efeitos da crise no setor sobre seus cofres. Os capixabas fecharam o ano passado com as contas públicas equilibradas, garantindo superávit de
R$ 206 milhões. Parte da diferença está relacionada à arrecadação dos tributos. No Rio de Janeiro, a queda do volume de impostos recolhidos foi de 28,71%, já descontada a inflação. No Espírito Santo, a retração foi bem menor, de 4,57%, de acordo com dados da plataforma Compara Brasil.
No ano passado, as contas do Espírito Santo foram impulsionadas principalmente pela alta em três tributos: ICMS, IPVA e Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (Itcmd), que incide sobre heranças e doações. Assim como no Rio de Janeiro, o ICMS é o imposto mais importante da economia capixaba e registrou alta de 4,96% no ano passado, contra avanço de 3,59% no Rio. O estado se beneficiou ainda da alta de 37,3% do Itcmd. Em relação às despesas, cortou 17% dos seus gastos. Nesse caso, o ajuste no Rio foi mais intenso, com redução de 19,87% no ano passado.
Segundo a secretária de Fazenda do Espírito Santo, Ana Paula Vescovi, parte do resultado positivo está relacionada à melhoria da gestão tributária, inclusive de fiscalização. Na prática, a estratégia aumenta o recolhimento de impostos sem elevar alíquotas. Uma das ações foi acelerar o andamento de julgamento de processos tributários. "Tivemos ganhos de eficiência na arrecadação, absorção de tecnologias, para que a gente pudesse fazer uma fiscalização mais eficiente, uma revisão ampla de normas. Fizemos um programa de recuperação de ativos, o Refis, com características diferentes dos tradicionais, que visa abrir uma janela para que contribuintes se tornem adimplentes no estado", lista Ana Paula.
Parte desses ganhos foi com recuperação de dívida ativa, que injetou R$ 483 milhões nos cofres estaduais. O montante compensou, com sobra, as perdas de R$ 416 milhões que o estado amargou com a queda da arrecadação de royalties de petróleo. Embora seja fruto de uma melhora na gestão tributária, a professora da UFRJ Margarida Gutierrez, especialista em contas públicas, destaca que esse tipo de receita pode variar. "Isso dá fôlego para, em uma hora dessas, ter recursos para financiar gastos. Eles tiveram uma receita extraordinária. Ela funciona bem na hora da crise, mas não se pode contar sempre com esses recursos."
Para François Bremaeker, gestor do Observatório de Informações Municipais, a gestão tributária pode fazer a diferença, mas o efeito demora. "As duas economias têm muita semelhança. A grande diferença está na queda da receita tributária. A gestão tributária pode fazer efeito, que não é imediato", afirma Bremaeker.
A economia do Espírito Santo é bem menor que a do Rio, o que se reflete nos orçamentos dos dois estados. No ano passado, despesas e receitas fluminenses foram da ordem de R$ 70 bilhões, contra R$ 15 bilhões do vizinho. Os efeitos da crise, no entanto, foram semelhantes. O boom do petróleo na década passada fez com que, assim como no Rio, essa fonte de renda ganhasse importância nas contas capixabas. Para se ter uma ideia, em 2008, o dinheiro da exploração de óleo e gás era de apenas R$ 145 milhões, equivalente a 1,6% do total da arrecadação. Em 2015, saltou para R$ 1,3 bilhão, ou 9,19%. O governo avalia que é preciso depender menos dos royalties, já que a cotação da commodity dificilmente voltará ao patamar dos US$ 100 o barril, como ocorreu em 2014.
"Temos essa leitura, de que o mercado não se recupera a patamares anteriores. Nossa previsão é de US$ 40 (o barril de petróleo). O mercado está muito instável. Estamos tentando fortalecer ao máximo as receitas próprias, com a preocupação de não aumentar alíquotas de impostos. Nos interessa muito mais arrecadar de forma segura do que forçar uma marcha no aumento de alíquotas e ter um setor produtivo enfraquecido ainda mais. Nosso esforço é cobrir as brechas de sonegação, fazer uma arrecadação mais legítima", afirma Ana Paula.
A secretária admite ainda que a gestão da receita do petróleo precisa ser repensada. No início dos anos 2000, quando a fonte de renda começou a ser relevante, os royalties eram destinados para investimento. A partir de 2010, começaram a ser incorporados na receita corrente. Ou seja, o Orçamento capixaba está mais exposto ao vaivém dos preços internacionais e do humor do mercado, que, no Brasil, sofre impactos adicionais por causa da crise da Petrobras.

Para governo fluminense, não há prejuízo

Na avaliação do governo estadual, as isenções fiscais oferecidas ao setor produtivo nos últimos anos não foram em vão. Segundo o secretário de Desenvolvimento do Rio, Marco Capute, os programas foram feitos para atrair empresas e, sem os incentivos, muitas não teriam se instalado no Rio de Janeiro, o que implicaria na falta de arrecadação. De acordo com Capute, R$ 5,2 bilhões em investimento foram gerados entre 2008 e 2013, via regime tributário, com o desconto do ICMS.
Já com o programa de parcelamento do tributo, que prevê desconto na alíquota em caso de pagamento adiantado, foram gerados, apenas no ano passado, cerca de R$ 2,8 bilhões em ICMS nos setores automotivo e cervejeiro. O secretário calcula ainda que, de 2010 a 2015, foram gerados 12 mil empregos e investimentos de R$ 1,5 bilhão com atração de 124 empresas em 29 municípios através da lei que reduz o ICMS.
"É uma renúncia fiscal hipotética. Sem isso, as empresas não viriam para o Rio. As empresas querem benefício fiscal. É fácil criticar. Não há prejuízo com os incentivos", disse Capute. Para o secretário, o problema do Rio é o inchaço, como os gastos com a previdência. "Se a lei na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) for aprovada, ao suspender novos benefícios por dois anos, vamos perder novos investimentos, criando um reflexo daqui para frente", aponta.
O secretário diz que os incentivos refletem a guerra fiscal dos estados. E garante que o Rio de Janeiro não tem a política mais agressiva. Ele exemplifica o caso de estados do Nordeste, como Bahia e Pernambuco, que chegam a dar desconto de até 95% no ICMS e ainda contam com desconto no Imposto de Renda, por meio da Sudene. Destaca ainda que São Paulo concede incentivos em resposta à política de outros estados.
"Mas se precisar dar incentivo, vou dar. Claro que tudo tem que ser dosado. Perdemos muitas empresas do setor de fármacos na década passada, mas estamos voltando a conquistá-las com os incentivos. No caso da Hyundai, por exemplo, tivemos que zerar o ICMS por dois anos, pois, sem isso, perderíamos para São Paulo. Agora, a Arno está vindo para o Rio com investimento de R$ 300 milhões e ICMS entre 2% e 3%", afirmou Capute, que admite ser difícil tirar o peso do petróleo na economia do Rio de Janeiro.