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entrevista especial

- Publicada em 06 de Março de 2016 às 22:09

Britto avalia que momento é ruim para privatizações

 Antonio Britto, presidente da Interfama,SP,

Antonio Britto, presidente da Interfama,SP,


NELSON TOLEDO/DIVULGAÇÃO/JC
Sem filiação partidária há 14 anos, desde que disputou a eleição ao Palácio Piratini pelo PPS, o ex-governador Antonio Britto vive há oito anos em São Paulo, onde atua como presidente da Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa).
Sem filiação partidária há 14 anos, desde que disputou a eleição ao Palácio Piratini pelo PPS, o ex-governador Antonio Britto vive há oito anos em São Paulo, onde atua como presidente da Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa).
Mesmo a distância, o ex-governador do Estado segue acompanhando a crise financeira do Rio Grande do Sul, e avalia que o momento é ruim para a privatização de estatais, uma das saídas discutidas na gestão de José Ivo Sartori (PMDB). "Ninguém estácomprando absolutamente nada. E não sei se existem ativos que o Estado poderia abrir mão sem prejudicar suas finalidades e que, ao mesmo tempo, teriam alguma atratividade em um momento de crise tão grande."
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Britto também aponta a falta de diálogo entre governo e oposição como a principal crise a ser superada. "Temos um metabolismo político doente. Não é de graça que o Rio Grande do Sul é o único dos estados grandes do Brasil que nunca reelegeu nenhum governador. Nenhum projeto de reforma conseguiu ir adiante." O ex-governador ainda critica a falta de debate dos problemas concretos nas eleições e analisa a crise política nacional.
Jornal do Comércio - A situação de penúria das finanças do Estado tem solução?
Antonio Britto - A situação do Rio Grande do Sul decorre de três crises, que vão ser resolvidas mais cedo ou mais tarde, dependendo da vontade das lideranças políticas em enfrentar os problemas verdadeiros. A primeira é uma crise econômica dentro do Rio Grande do Sul, que, ao longo das últimas décadas, sofreu um processo de esvaziamento, passou a se concentrar de forma excessiva em apenas duas ou três regiões, viveu um processo de encarecimento muito forte em áreas tradicionais de agricultura e pecuária, apostou em um Mercosul que não aconteceu. E a consequência é que o Estado gera pouca riqueza e uma riqueza muito dependente de fatores como mercado externo, clima e câmbio.
JC - Sim...
Britto - Esse é um problema complexo porque exige um reposicionamento da economia do Estado. Quando o Brasil passou por uma fase de enorme crescimento em termos de mercado consumidor, o Rio Grande do Sul perdeu a chance porque fica longe dos mercados consumidores mais importantes. E hoje, a oportunidade para o Rio Grande do Sul vai estar muito mais ligada à tecnologia e serviços. É por aí que imagino que vai estar o caminho.
JC - E as outras crises?
Britto - A segunda crise que o Rio Grande do Sul enfrenta é a crise nacional, que obviamente atinge a todos, e fortemente ao Rio Grande do Sul. Mas acho que é a terceira crise que, na verdade, tem que ser a primeira a ser resolvida. E enquanto essa terceira não for resolvida, a gente não consegue resolver nem a primeira, nem a segunda, nem nenhuma outra. Nós temos uma forma de fazer política que levou a um exagero e a um ponto prejudicial o que era, na origem, uma qualidade. Nos orgulhamos, com razão, que o gaúcho tem posição, que o gaúcho é firme, que o gaúcho é rigoroso, só que isso tudo, praticado de forma extremada, vira defeito. Perde-se a condição de diálogo, perde-se a condição de consenso, perde-se a condição de separar o que é interesse coletivo do que é interesse partidário. Eu gosto de brincar dizendo que alguém no Rio Grande do Sul espalhou que em democracia é proibido concordar e isso acabou pegando. Então, é proibido concordar, é proibido ceder. E isso levou a fenômenos que são muito gaúchos, quer dizer, a dificuldade de aprovar matérias que todo mundo sabe que são de interesse de todos, mas, nesse jogo de governo-oposição, oposição-governo, não são aprovados nunca e levam a esse festival de incoerência que é o governo de hoje pedir para aprovar o que ele mesmo, quando era oposição, se recusou a aprovar.
JC - É aquele problema da famosa dualidade, maragatos e chimangos, Grêmio e Inter...
Britto - Mas os tempos são outros. E a gente precisa saber aquela famosa história: tudo, dependendo do volume, da quantidade, pode virar defeito. Até qualidade, quando perde a noção de momento e oportunidade, dependendo, pode virar defeito. Então, temos um metabolismo político que está doente. Essa é uma frase que digo muito respeitosamente, mas ela é verdadeira. Não é de graça que o Rio Grande do Sul é o único dos estados grandes do Brasil que nunca reelegeu nenhum governador.
JC - É um caso raro.
Britto - Raro não, único. Não é por acaso que no Rio Grande do Sul nenhum projeto de reforma conseguiu ir adiante. Reforma de um lado ou de outro. Não é de graça que a gente tem no Rio Grande do Sul esse processo de grande distanciamento entre os segmentos partidários. O último evento que alguém cita de unidade do Rio Grande é o famoso episódio de 1976 em torno do Polo Petroquímico. Meu Deus do ceú, são 24 16, vai fazer 40 anos. Quarenta anos da última vez que o Rio Grande se uniu, 40 anos!, 40 anos! Então, para concluir a resposta, acho que temos uma crise econômica grave no Estado, com uma crise grave no País, mas antes delas e pior do que elas, é a dificuldade que a gente está tendo no metabolismo político.
JC - E nesse momento em que o governo federal está enfrentando uma série de dificuldades, haveria alguma forma de agir. Tem alguma sugestão ao governador Sartori?
Britto - Sem querer personalizar, quero lembrar o seguinte: não tenho filiação partidária nenhuma há 14 anos, e não tenho vida política nem partidária. Isso me deixa muito a vontade para dizer o seguinte: a gente está vivendo uma situação em que o eleitor gaúcho, a cada quatro anos, resiste a ouvir falar sobre a gravidade da doença do Estado. E ele praticamente tem levado a que o candidato, para ser bem sucedido eleitoralmente, seja um candidato que diga pouco sobre o que pretende fazer. Então, não é de graça que tivemos em diversas últimas campanhas palavras como "unidade", "amor", "união", e silêncio sobre as questões graves do Estado, as questões práticas, objetivas.
JC - Sobre os problemas específicos.
Britto - Quando alguém se elege, essas palavras todas perdem o sentido porque quando o candidato vira governador, o dicionário dele passa a conviver com as palavras "dívida", "orçamento", "falta de recursos", "funcionalismo", "magistério" e por aí vai... Então, o processo eleitoral no Rio Grande do Sul - isso é curioso -, não tem servido para aquilo que é a finalidade de uma eleição. A eleição é a hora em que um grupo de pessoas discute onde está, o que precisa, e escolhe alguém que tenha ideias para resolver os problemas que aquela comunidade está enfrentando. Mas não, no Rio Grande do Sul, geralmente, a eleição tem servido para "deseleger" alguém, para mandar alguém para casa. E aquele que tenha sido um pouco mais neutro, simpático, jeitoso, leva a eleição. Só que essa figura jeitosa acaba dois depois da eleição, absorvida pelos problemas...
JC - Chega a hora da verdade...
Britto - Aí tem que mudar de dicionário, e começa aquele ciclo de ter que construir maioria para o programa que não foi discutido, tem a ocupação das galerias na Assembleia Legislativa, o cerco da Praça da Matriz, esse ciclo todo que é uma repetição... Meu Deus do céu, estamos numa repetição muito grande de tudo isso há muito tempo.
JC - A negociação da dívida do Estado com a União, há 20 anos, foi no seu governo. E o problema continua cada vez maior e pior. Agora, o governador Sartori entrou com uma ação contra a União. Qual sua opinião deste momento e dessa ação?
Britto - A questão da dívida é que, quando tu tiras a paixão, ela fica muito fácil de explicar e de comprovar com os números. Até 1994, os estados podiam contrair dívidas junto aos bancos privados. Então, os juros pagos eram extraordinariamente altos, perto dos juros que se poderia obter junto ao sistema público. O que foi feito naquela época, sob aplauso geral, foi conseguir que houvesse uma estatização da dívida, no sentindo de que o governo federal a assumisse. E a União assumiu. Em vez de os estados deverem para o Bradesco e o Itaú, por exemplo, passaram a dever para a União. Portanto, a primeira pergunta poderia ser: estaria melhor o Rio Grande do Sul se estivesse devendo para o Itaú e o Bradesco? Eu acho que não. A segunda pergunta é: o Rio Grande do Sul aguenta da forma como a dívida ocorre hoje em relação ao governo federal? E sou o primeiro a dizer que não. Por quê? Porque no processo que ocorreu nesses 20 anos, evidentemente os indicadores previstos naquela época se tornaram demasiados para corrigir a dívida em relação a situação que se vive hoje.
JC - Então, qual é a saída?
Britto - A saída é essa que está se construindo hoje, ou seja, alongar o perfil da dívida em termos de prazo e mudar o indicador. Isso tem que ser feito. Agora, isso não significa que há 20 anos não se devesse ter saído do Bradesco e do Itaú. É aquela velha história, a pessoa quando julga um fato que ocorreu no passado, sem examinar os dados do passado, ou comete uma desonestidade intelectual, ou comete um erro de análise, porque não dá para separar a decisão do momento.
JC - O governador está estudando um programa de privatização e extinção de órgãos. E foi feito algo semelhante no seu mandato. O Estado ainda tem o que privatizar para buscar recursos e amenizar seus problemas financeiros?
Britto - De novo, as circunstâncias são totalmente diferentes. Em primeiro lugar, o Brasil, pelos erros que comete, tem uma situação em que perdeu acesso aos mercados internacionais, ganhou vergonhosamente um selo de mau pagador, isso transforma a situação brasileira em uma situação muito complicada para buscar recursos lá fora. Internamente, a gente tem uma situação de um empresariado retraído, contraído, ou para usar uma linguagem futebolística, literalmente na retranca. Então, a primeiro circunstância em relação à questão privatização, é que não há compradores, de nada! Ninguém está comprando absolutamente nada. Em segundo lugar, pelo que julgo conhecer da estrutura do Estado, não sei se existem ativos que o Estado poderia abrir mão sem prejudicar suas finalidades e que ao mesmo teriam alguma atratividade em um momento de crise tão grande.
JC - Um dos muitos grandes problemas atuais do Rio Grande do Sul é a insegurança. Roubos, assaltos, furto de automóveis, assassinatos estão crescendo assustadoramente. O que o governo do Estado precisaria fazer para diminuir esta violência?
Britto - Moro em São Paulo. A gente vê que essa situação da insegurança é, infelizmente, comum a todo o País. Agora, não vou me furtar a fazer um comentário que é específico do Rio Grande do Sul: não tem como enfrentar a consequência, o Rio Grande do Sul precisa enfrentar a causa. Ou seja, pode-se falar que provavelmente a educação está perdendo qualidade, seguramente, que as estradas estão perdendo qualidade.
JC - Pode, rodovias e ruas estão esburacadas...
Britto - Pode-se falar que a segurança do Rio Grande do Sul perdeu em termos de indicadores, em termos de vidas humanas, que a saúde perde... bom, os serviços públicos tem sofrido. Na verdade, tudo isso é consequência do quê? Da perda de condição do Estado, do setor público, minimamente manter padrões que foram conquistados lá atrás, no passado. Isso nos leva a uma imagem que uso muito: o setor público no Rio Grande do Sul está doente. Quando não consegue atender segurança, saúde, educação, estradas, ele está doente. Mas o que chama a atenção, não é o fato de estar doente, é uma certa recusa da sociedade em entender que se ele está doente e terá que passar por algum tratamento. Então, o Rio Grande do Sul tem mais ou menos o comportamento de alguém que se queixa de dores da cabeças aos pés. Aí vem o primeiro médico e diz: "Olha, acho que tu devias fazer tal coisa." Ele não aceita. Vai no segundo médico, se queixa de dores da cabeça aos pés. O segundo médico é de outra corrente, diz que o tratamento tem que ser outro. Ele também não aceita. Vem um terceiro médico, de uma terceira corrente, e ele novamente não aceita. O que acontece? Não adianta nada, porque ele não se resolve a buscar a cura. E a doença fica cada vez mais grave. Existe um conservadorismo nessa atitude. Ou seja, a gente não para de se queixar, com razão, porque está doendo muito, mas, ao mesmo tempo, não se dispõe a aceitar a opinião dos médicos e seguir o tratamento. Para uma pessoa como eu - nós todos -, que nasceu e vai morrer com o orgulho de ser gaúcho, é triste ver isso acontecendo.
JC - E no âmbito nacional, vamos sair dessa crise política misturada com econômica?
Britto - Essa é a pior crise que o País já viveu, porque a gente tem uma crise econômica gravíssima, uma absoluta ausência de liderança e de articulação política. Uma definição supersimples da função da política, é que a política é aquela atividade, quando bem feita, que na hora em que se fecham os espaços, na hora em que parece que não tem saída, vem lá a política e abre um espaço, abre um caminho. Exemplo: Jânio Quadros renuncia à presidência da República, há um conflito entre os militares querendo impedir a posse do Jango, o (Leonel) Brizola lidera a (Campanha da) Legalidade, o País entra numa tensão danada, aparece um brasileiro chamado Tancredo Neves e se produz uma saída po-lí-ti-ca, que foi o Jango assumir a partir da adoção do parlamentarismo. Não se trata de dizer se a saída foi boa ou não, mas achou-se uma saída. Lá adiante, não deu certo a emenda das Diretas, construiu-se uma saída nas Indiretas, de novo via Dr. Tancredo. Esse é o papel histórico da política.
JC - Mas, para isso, é preciso ter líderes políticos...
Britto - É exatamente onde eu ia chegar. O grave da situação de hoje, é que as portas estão fechadas, e quem deveria abrir essas portas em termos de atividade política, não tem mínimas condições, em alguns casos até morais, de exercer essa tarefa. É uma coincidência muito triste para o Brasil que na hora da crise grave, a crise nunca foi tão grande, e as lideranças políticas nunca foram tão pequenas. É essa defasagem, é essa diferença de altura, entre o tamanho gigantesco da crise e do apequenamento da atividade política. E isso aí não é de graça. Isso aí vem acontecendo ao longo dos últimos anos e a gente veio fechando os olhos.
JC - O sistema político-partidário foi degenerando, perdendo seriedade?
Britto - É essa coisa maluca, que é a permissividade para abrir partidos, esse absurdo que é permitir que partidos sobrevivam com a esperteza da coligação na véspera da eleição. O absurdo que se tornou o custo das campanhas eleitorais, a infidelidade, ou seja, montamos um sistema partidário que facilita o surgimento e a manutenção desse tipo de líder sem liderança. E essa atividade política dificulta enormemente... Fico me perguntando se uma pessoa como o doutor Paulo Brossard de Souza Pinto, para dar um exemplo, será que ele entraria hoje na política? Para falar de uma pessoa que está aí: Nelson Jobim, líder da OAB, lá de Santa Maria, será que ele entraria hoje na política? Enfim, só entra quem é rico ou quem vai montar um esquema não legal...
JC - O que acha da Operação Lava Jato?
Britto - A Operação Lava Jato faz um bem ao País quando consegue comprovar ilegalidades. A gente tem que aguardar que sejam comprovados os casos (de corrupção). Na medida em que são comprovados, é evidente que se promove uma limpeza. Agora, não adianta absolutamente nada se não for resolvido o fato que gera isso tudo. Olha aqui, teve a questão dos Anões do Orçamento, teve o mensalão... A gente até esquece os escândalos... Mas por que continua tendo escândalo? Porque o fator gerador não é mexido, que é essa sequência: campanhas eleitorais caras, partidos de aluguel, busca do proveito próprio...

Perfil

Antonio Britto Filho, 63 anos, é natural de Santana do Livramento. Jornalista, atuou no Estado até ir para a Rede Globo. Cobriu política em Brasília e foi secretário de imprensa do presidente eleito Tancredo Neves atuou como porta-voz das informações médicas antes da morte de Tancredo, em 1985. Filiou-se ao PMDB e foi eleito deputado federal constituinte em 1986, sendo reeleito em 1990. Em 1992, assumiu como ministro da Previdência Social no governo Itamar Franco. Dois anos mais tarde, foi eleito governador do Rio Grande do Sul. Sua gestão (1995-1998) foi marcada pela atração de investimentos, como a montadora da General Motors em Gravataí, e pela privatização da CRT e de parte da CEEE. Perdeu a disputa à reeleição. Em 2001, deixou o PMDB, se filiou ao PPS e concorreu de novo ao Piratini em 2002. Derrotado, deixou o partido, a política e passou a trabalhar na iniciativa privada. Foi executivo da Calçados Azaléia, Claro, integrou o Conselho de Administração da Braskem e, desde 2009, é presidente executivo da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma).