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- Publicada em 13 de Março de 2016 às 21:23

Argollo: 'Mais Médicos não mudou realidade do País'

 Entrevista com o presidente do Simers    NA FOTO: Paulo de Argollo Mendes

Entrevista com o presidente do Simers NA FOTO: Paulo de Argollo Mendes


JONATHAN HECKLER/JC
Suzy Scarton
No comando do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers) desde 1998, o gastroenterologista e especialista em Medicina Interna Paulo Argollo Mendes vê a União como protagonista da crise na saúde. Para ele, os cortes prejudicam o setor e sobrecarregam estados e municípios, que não possuem verbas necessárias para a manutenção do atendimento à população. Em entrevista ao Jornal do Comércio, Argollo comenta o posicionamento contrário a iniciativas do governo, como o Mais Médicos e a criação de novas escolas de Medicina no País.
No comando do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers) desde 1998, o gastroenterologista e especialista em Medicina Interna Paulo Argollo Mendes vê a União como protagonista da crise na saúde. Para ele, os cortes prejudicam o setor e sobrecarregam estados e municípios, que não possuem verbas necessárias para a manutenção do atendimento à população. Em entrevista ao Jornal do Comércio, Argollo comenta o posicionamento contrário a iniciativas do governo, como o Mais Médicos e a criação de novas escolas de Medicina no País.
Jornal do Comércio - Como os cortes na saúde afetam o trabalho dos médicos?
Paulo de Argollo Mendes - Nos últimos 15 anos, a União reduziu de 60% para 45% a participação no custeio da saúde. As demais despesas foram empurradas para o município e para o Estado. O dinheiro não se desmancha no espaço. Quando sai de um lugar, vai para o outro. Enquanto o governo destina 4,2% do orçamento para a saúde, investe 48% da receita em pagamento de juros bancários. Mesmo com toda a crise, o Bradesco teve, no ano passado, o maior lucro da história. Os bancos recebem boa parte do dinheiro que anteriormente era destinado à saúde. No Estado, o governador (José Ivo) Sartori se comprometeu a cortar em 20% o orçamento de todas as pastas, exceto nas áreas de saúde, educação e segurança. Teria de ter aumentado os repasses para a saúde, mas isso não se cumpriu, continuamos com os 12% previstos em lei. Por outro lado, nos últimos quatro anos, houve um aumento de 600% no repasse de recursos para os hospitais filantrópicos. Já sabemos que continuar nesse ritmo não dá certo: o dinheiro entra nos hospitais, mas some. Embolsam o dinheiro, e os administradores investem em equipamentos desnecessários. Resumindo, temos esses três problemas: a União que não prioriza a saúde; o Estado, que não cumpriu o prometido; e a incompetência gerencial de hospitais filantrópicos.
JC - Outro tema bastante em pauta é a questão da violência. Médicos se sentem acuados e preferem não comparecer ao trabalho. Isso é uma consequência da falta de repasses?
Argollo - Tivemos aquele caso no Postão da Cruzeiro (em novembro de 2015), por exemplo, que foi bastante preocupante. Um dos supostos traficantes levou um tiro na cabeça, estava claramente morto, mas um médico foi coagido a atendê-lo. Por medo, o médico entubou um cadáver, ventilou e encaminhou à ambulância. Isso dá uma amostra da insegurança. Em postos de saúde, há muitas pessoas esperando por atendimento, então, a chance de conflito é grande. Os locais precisam ser policiados e adaptados às normas que um serviço de saúde requer. Hoje, as prefeituras cedem uma casinha velha e transformam em um posto. Ninguém fala com ninguém, a Brigada Militar (BM) fica em um canto, a Guarda Municipal em outro, a Polícia Civil e a BM não dialogam, e a prefeitura não sabe de nada. Não funciona como rede, e o conceito moderno prevê a presença do Estado como um todo em comunidades carentes. Outro fator que aumenta a violência é a escala. O ideal seria disponibilizar oito médicos ao mesmo tempo para o atendimento em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), mas escalam dois. Daí as pessoas ficam desesperadas, chegam a ficar 12 horas esperando, é evidente que a população vai se indignar. A escala insuficiente dos profissionais para a demanda acaba expulsando os médicos do Sistema Único de Saúde (SUS).
JC - O Simers é contrário a iniciativas do governo federal, como o Mais Médicos, menina dos olhos da presidente Dilma Rousseff?
Argollo - Somos frontalmente contrários ao Mais Médicos. Podemos chamá-los de médicos superfaturados. Supostamente, o profissional inscreve-se para ganhar
R$ 3 mil, mas os outros R$ 7 mil são colocados em uma ilha do Caribe, que é Cuba. O médico nunca vai ver esse dinheiro. Mas são pessoas educadas, atenciosas, que conversam muito com o doente, a fim de estabelecer uma intimidade. Se estiver realmente doente, a pessoa é encaminhada ao médico brasileiro. Então, a resolutividade é praticamente nula. Trouxeram toda essa quantidade de médicos e, em termos de saúde pública, não houve mudança nenhuma. É um programa eleitoral que não acrescentou médicos ao atendimento da população em 48% dos casos, de acordo com o Tribunal de Contas da União. Depois, vieram com a proposta de que os cubanos seriam enviados para locais onde os brasileiros não querem ir. Mas o TCE disse que foram enviados dez vezes mais médicos para São Paulo do que para Roraima. Além disso, temos 420 mil médicos no Brasil. Trouxeram cerca de 18 mil cubanos. Do ponto de vista da saúde pública, não muda nada. Mas, para o marketing, é ótimo.
JC - A União tem incentivado a criação de novas escolas de Medicina e vagas para residência médica. Qual o posicionamento do Simers em relação a isso?
Argollo - O que falta não são médicos. O Ministério da Saúde preconiza que haja um médico para cada mil habitantes, e temos dois para cada mil. Falta distribuí-los de maneira adequada. Além disso, o Brasil é o segundo País com mais faculdades de Medicina - só perde para a Índia. A carga horária da Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) é de 10,5 mil horas/aula. Essas novas escolas, autorizadas pelo governo, tem 7,2 mil horas/aula. Isso nos preocupa, uma vez que já temos estudantes saindo com fragilidades. Não temos um órgão que controle as faculdades de Medicina, cada uma faz como quer. Que tipo de médico vamos formar? O pior de tudo é que não temos como medir a incompetência de profissionais com má-formação. A população vai ser mal atendida sem saber que isso ocorre. Como não tem controle de qualidade nem como o paciente fazer essa fiscalização, vão colocar qualquer tipo de gente com título de médico e pronto. No entanto, o projeto de aumentar o número de vagas para residência é ótimo.
JC - O senhor acredita que esteja consolidada uma ideia de que o médico é uma categoria corporativista?
Argollo - O governo foi muito hábil nisso, muito mais competente que nós. Era só o que faltava: o governo querer ganhar voto em cima das pessoas amontoadas em emergências. Convenceram todo mundo de que o Mais Médicos era algo bom e que o médico que for contrário à ideia quer reserva de mercado. Não é que os profissionais não queiram trabalhar no interior, é que não existem condições que os atraiam. Vão ganhar pouco, são contratos emergenciais, que podem acabar logo, daí o profissional volta à capital tendo de procurar um emprego. Se houvesse condições adequadas, plano de carreira, seguranças trabalhistas, aí sim conseguiríamos médicos propostos a trabalhar no interior. Mas acho que, aos poucos, a população vêm percebendo. O paciente não é burro. Ele procura o médico estrangeiro, que dá umas vitaminas e manda voltar pra casa, e assim vai indo, até que o paciente prefere ir direto à emergência. O Estado deveria proporcionar um modelo que possa pagar e que seja vantajoso para o profissional. Algo pé no chão, que não espante os médicos.
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