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Mercado Imobiliário

- Publicada em 13 de Março de 2016 às 21:23

Cenário econômico aumenta o número de pedidos de distratos

Souza e a esposa, Fernanda, desistiram da compra do apartamento

Souza e a esposa, Fernanda, desistiram da compra do apartamento


JONATHAN HECKLER/JC
"Era o apartamento dos sonhos, mas virou um pesadelo." A frase resume a frustração do técnico em radiologia Alex Matos de Souza com a compra o imóvel, que se tornou um imbróglio do qual ele não consegue se desvencilhar. Com a promessa de que o apartamento adquirido na planta há dois anos, no Jardim Carvalho, seria entregue em setembro do ano passado (a obra vai atrasar, pelo menos, seis meses), o mutuário está desde meados de 2015 tentando solucionar com a incorporadora impasses relativos à aquisição.
"Era o apartamento dos sonhos, mas virou um pesadelo." A frase resume a frustração do técnico em radiologia Alex Matos de Souza com a compra o imóvel, que se tornou um imbróglio do qual ele não consegue se desvencilhar. Com a promessa de que o apartamento adquirido na planta há dois anos, no Jardim Carvalho, seria entregue em setembro do ano passado (a obra vai atrasar, pelo menos, seis meses), o mutuário está desde meados de 2015 tentando solucionar com a incorporadora impasses relativos à aquisição.
"Dei R$ 30 mil de entrada, financiamos 26 parcelas de R$ 1,5 mil, que era a princípio fixa, mais R$ 130 mil na entrega das chaves e financiaríamos os R$ 150 mil que faltariam para quitar", conta. "Aquele valor cabia no nosso bolso." Na negociação, estava tudo perfeitamente ajustado. O imóvel, que inicialmente valia cerca de R$ 380 mil, foi negociado, e o negócio foi fechado, com desconto, em R$ 354 mil. Era o primeiro passo em direção ao sonho, mas a trajetória começou a desandar já nas primeiras parcelas mensais pagas pelos compradores.
"A primeira parcela seria de R$ 1,5 mil, mas veio R$ 1.518,00; a segunda, R$ 1.520,00; depois R$ 1.532,00", detalha. "Liguei para a corretora, mas ela informou que estava no contrato a incidência do Índice Nacional de Custo da Construção (INCC), mas que era baixinho e que não iria aumentar muito. De R$ 1,5 mil, quando começamos, pagamos por mais ou menos 18 meses, quando já estava em quase R$ 2 mil por mês", acrescenta.
A informação não é um mero detalhe: ele e a esposa, a química Fernanda dos Santos, calcularam cuidadosamente a compra, contando com a venda de um outro imóvel que já possuem para quitar o saldo de R$ 130 mil na entrega das chaves (exatamente o valor do apartamento em que residem atualmente). Ele alega que não foi informado da incidência do percentual sobre as parcelas e sobre o saldo a ser pago para entrega das chaves.
"Quando fui atrás para me informar sobre o pagamento da parcela intermediária, já não estava mais em R$ 130 mil. Tinha chegado a R$ 156 mil", explica. "Mesmo que eu venda o meu apartamento, ele não está valendo R$ 156 mil. Avaliamos nosso imóvel em R$ 130 mil a R$ 140 mil, mas, ainda mais com essa crise, não conseguimos chegar a R$ 156 mil." Com todos os valores adicionais incidindo sobre a compra, o valor pago seria superior a R$ 450 mil.
A ironia é que, atualmente, o mesmo apartamento está sendo vendido por até R$ 300 mil, segundo o casal cotou recentemente. "Ou seja, não vale a pena manter o contrato", constata. "Então resolvemos desistir, porque a gente pega o que pagou e compra um no mesmo local praticamente à vista ainda. Qual a vantagem que eu tenho de comprar um apartamento na planta?" Só que o termo de distrato prevê que a restituição de apenas 10% do valor pago até o momento pelo casal, que está ingressando com processo contra a empresa, que até agora não aceitou negociar uma condição mais favorável para a dissolução do termo de compra.
A história de Souza é mais uma entre tantas que se acumulam em um período de aumento dos distratos de compra e venda de imóvel. Segundo dados da agência de classificação de rating Fitch, de cada 100 imóveis vendidos na planta no ano passado, 41 foram devolvidos às construtoras. Segundo a consultoria, o acréscimo no percentual de desistências de compras é considerável, já que a média tradicional do mercado imobiliário é de cerca de 10%. O levantamento da Fitch foi feito com base em dados de nove companhias e indica que o número de distratos resultou em um volume de quase R$ 5 bilhões em devoluções.
Para o brasileiro, a dissolução do contrato é, na maioria dos casos, a última alternativa cogitada. "Em geral, o comprador adquire o imóvel para moradia, e não para investimento. Então, a prioridade para manter o financiamento até o fim é enorme", define o presidente da associação dos mutuários, Anderson Machado. Ele nota que a elevação dos distratos no Rio Grande do Sul tem crescido com a deterioração do cenário econômico, motivada, sobretudo, pelo aumento do desemprego e pela queda no poder aquisitivo da população. Na base de dados da associação, as devoluções aumentaram 16% no último ano.

Impasse também atrapalha as construtoras

O caso do porto-alegrense Alex Matos de Souza não gera problema só para ele. O comprador está sentindo o peso de ficar com a compra do imóvel indefinida, o que afeta diretamente sua vida, já que não pode vender o imóvel (que já recebeu manifestações de interesse) antes de verificar o valor já pago que será restituído para investir em uma nova aquisição.
Porém, a construtora também fica de mãos atadas quanto à comercialização do imóvel que está sendo alvo de desistência. "O distrato depende de uma atuação de ambas as partes. Os dois precisam assinar", esclarece o advogado e sócio do escritório Freitas Macedo, José Antonio Chagas Azzolin.
Quando as duas partes estão negociando a dissolução, o problema acaba sendo solucionado em um período médio de tempo. Mas há situações mais penosas às construtoras. "Tem se tornado corriqueiro o sumiço do comprador. Ele não mantém atualizado o cadastro, ou adquire o imóvel e some", diz o advogado. "Inúmeras notificações estão voltando."
Muitos casos são de compradores que pagaram a entrada e poucas parcelas. "São condições em que não teriam dinheiro a ser restituído e, por isso, não buscam o reembolso." A legislação prevê que é necessário ter o acordo do comprador para realização do distrato. Na impossibilidade de retorno, as construtoras dependem de decisão judicial. O processo costuma durar cerca de um ano e meio. 

Construtoras devem devolver entre 75% a 100% do valor pago pelo comprador

Embora existam cláusulas contratuais estipulando restituições de valores mínimas para os compradores nos casos de distrato, a Associação dos Mutuários e Moradores das Regiões Sul e Sudeste do Brasil reforça que essas condições são consideradas como abusivas pela Justiça. Em muitos casos, os compradores que desistem da aquisição só conseguem obter uma condição mais favorável depois de ingressarem com uma ação.
O diretor institucional da associação, Anderson Machado, esclarece que, quando a desistência é provocada por um ato da construtora, como o atraso na entrega do imóvel, por exemplo, a empresa é obrigada a devolver 100% do valor pago com correção. "Hoje, muitos juízes, observando o crescente número de processos, estão aplicando, também, danos morais", revela. O transtorno e o custo com a compra do imóvel muitas vezes supera os previsíveis.
Um fenômeno recente é o de mutuários que, devido a mudanças no orçamento doméstico, estão, cada vez mais, optando pelo distrato. "Nesses casos, o entendimento da Justiça é de que a construtora só pode reter 20%. Há interpretações que consideram até 25%", detalha. Dessa forma, independentemente da razão, a companhia deve reembolsar pelo menos 75% ao desistente. "A empresa já ficará com o imóvel para vender a outro comprador", pondera o dirigente.
A quantidade de compradores que recorrem na Justiça ainda é baixa, avalia Machado. "Muitas vezes, o comprador se conforma, porque é o que está no contrato, mas sempre deve buscar orientação."