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Cinema

- Publicada em 03 de Março de 2016 às 22:13

A bússola e as estrelas

O filme colombiano O abraço da serpente, dirigido por Ciro Guerra, ambientado na Amazônia colombiana, foi um dos integrantes do quinteto que concorreu ao Oscar de filme estrangeiro. Esta produção também obteve espaço em outras mostras cinematográficas importantes, como a Quinzena dos Realizadores do Festival d e Cannes e o Festival de Sundance, mostra norte-americana que tem aberto espaço para produções de todo o mundo e caracterizadas por se expressar através de propostas que procuram distanciamento da linha tradicional imposta pelo mercado exibidor. É um filme incomum por vários motivos, sem que isso signifique afirmar que estejamos diante de uma obra-prima. O trabalho de Guerra revela algumas fraquezas, entre elas uma tentativa de se igualar a 2001: uma odisseia no espaço, de Stanley Kubrick, quando, quase ao final da narrativa, recorre a abstrações para depois voltar ao tom realista que desde as primeiras cenas domina a ação. Esta não é a única referência a títulos clássicos do cinema. Há citações a Apocalypse now, de Francis Ford Coppola, e também é possível constatar que o cineasta colombiano conhece e admira Aguirre, a cólera dos deuses e Fitzcarraldo, dois filmes de Werner Herzog. Essas referências também revelam outra característica do trabalho: ele não participa de manifestações ingênuas decorrentes de observações superficiais do encontro entre elementos pertencentes a culturas tecnicamente evoluídas com comunidades ainda dominadas pelas fantasias criadas pelo fascínio diante de esplendores e ameaças da natureza.
O filme colombiano O abraço da serpente, dirigido por Ciro Guerra, ambientado na Amazônia colombiana, foi um dos integrantes do quinteto que concorreu ao Oscar de filme estrangeiro. Esta produção também obteve espaço em outras mostras cinematográficas importantes, como a Quinzena dos Realizadores do Festival d e Cannes e o Festival de Sundance, mostra norte-americana que tem aberto espaço para produções de todo o mundo e caracterizadas por se expressar através de propostas que procuram distanciamento da linha tradicional imposta pelo mercado exibidor. É um filme incomum por vários motivos, sem que isso signifique afirmar que estejamos diante de uma obra-prima. O trabalho de Guerra revela algumas fraquezas, entre elas uma tentativa de se igualar a 2001: uma odisseia no espaço, de Stanley Kubrick, quando, quase ao final da narrativa, recorre a abstrações para depois voltar ao tom realista que desde as primeiras cenas domina a ação. Esta não é a única referência a títulos clássicos do cinema. Há citações a Apocalypse now, de Francis Ford Coppola, e também é possível constatar que o cineasta colombiano conhece e admira Aguirre, a cólera dos deuses e Fitzcarraldo, dois filmes de Werner Herzog. Essas referências também revelam outra característica do trabalho: ele não participa de manifestações ingênuas decorrentes de observações superficiais do encontro entre elementos pertencentes a culturas tecnicamente evoluídas com comunidades ainda dominadas pelas fantasias criadas pelo fascínio diante de esplendores e ameaças da natureza.
O filme de Guerra está estruturado a partir de fatos reais - a trajetória de dois exploradores por território colombiano: o alemão Theodor Koch-Grünberg, um etnologista, e o botânico norte-americano Richard Evans Schultes. O primeiro esteve no país no início do século passado e o segundo durante e após a Segunda Guerra Mundial. Ambos não apenas fizeram trabalhos importantíssimos em suas áreas como puderam constatar a violência e mesmo o barbarismo que por muitas vezes comandaram a expansão de uma cultura materialmente evoluída, mas incapaz de controlar impulsos gerados por imposições com raízes num misticismo que prosseguia no comando, mesmo numa fase em que a ciência já tinha desvendado muitos segredos. Uma sequência do filme é reveladora nesse sentido. Trata-se daquela na qual, referindo-se a Joseph Conrad, base do filme de Coppola antes citado, o cineasta encontra nas selvas um fanático que espalha o terror entre seus seguidores. Esta caricatura, em termos cinematográficos longe do modelo, mostra o lado sangrento e as distorções geradas pela civilização. Mas não é a única do filme. Na missão religiosa, que parece, depois da ameaça inicial, um cenário capaz de proporcionar harmonia, a visão do menino índio sendo sadicamente chicoteado é outro momento revelador do posicionamento do cineasta diante do processo colonizador.
Este encontro de culturas não serve ao cineasta apenas para a denúncia. Quando a bússola troca de mãos, o cientista europeu argumenta que tal instrumento vai alterar o comportamento dos índios. Mas é o defensor da cultura da terra que adverte que o ser humano tem o direito de aprender e evoluir. Estamos, portanto, longe do maniqueísmo, sem que Guerra abandone a crítica dura a métodos e ações do homem tecnicamente mais avançado. Mais do que um encontro, o filme fala de um choque e na cena final, deixa claro que, ao ser abandonado pelo que representa seu passado o ser humano terá de enfrentar uma solidão imensa, grande como a natureza que o cerca. É como se o filme fosse em busca de um novo começo. O botânico traz consigo um gramofone no qual ouve o trecho inicial de A criação, de Joseph Haydn, aquele no qual, antes do Fiat lux!, o compositor descreve o caos e a busca pelo mundo a ser depois habitado. O velho guia é quem afirma a necessidade de ser ouvida a música dos ancestrais, o que de certa forma é uma volta ao tema da bússola, na medida que realça o encontro do novo com o antigo. Só por tratar de tal tema sem simplificações e infantilidades, o filme de Ciro Guerra é um destaque num panorama padronizado e cada vez mais dominado pela rotina. É um ato de resistência.
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