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Cinema

- Publicada em 10 de Março de 2016 às 22:21

A indesejada

Hélio Nascimento
A contribuição do diretor Hector Babenco ao cinema brasileiro não deve, de forma alguma, ser subestimada. Num meio em que, não raras vezes, deficiências e desconhecimentos foram encarados como tentativas de renovação da linguagem cinematográfica, ele propôs, desde seu primeiro longa de ficção, O rei da noite, em 1975, um cinema estruturado a partir de uma narrativa comprometida com a presença de personagens e não de abstrações. Seu cinema, desde aquele primeiro momento, sempre buscou, também, a correção formal e situações que revelassem dados importantes para a compreensão de uma época. Lúcio Flávio, o passageiro da agonia, realizado em 1977, não se limitava a ser um excelente filme policial, pois também tentava revelar ao público as entranhas de um sistema autoritário. A competência de Babenco lhe permitiu uma carreira internacional com O beijo da mulher aranha, Ironweed e Brincando nos campos do senhor. O primeiro destes três filmes consagrou o ator protagonista, William Hurt, que ganhou a Palma de Ouro em Cannes e o Oscar da Academia de Hollywood. Babenco voltaria a Cannes com Carandiru, um dos maiores êxitos de bilheteria do cinema brasileiro. Seu novo filme, Meu amigo hindu, é claramente autobiográfico, na medida em que reconstitui a dura luta do diretor para enfrentar um câncer, afastar a mais indesejada das ameaças e voltar ao trabalho. E também por colocar em cena um desfile de imagens que evidenciam suas influências e admirações como criador cinematográfico.
A contribuição do diretor Hector Babenco ao cinema brasileiro não deve, de forma alguma, ser subestimada. Num meio em que, não raras vezes, deficiências e desconhecimentos foram encarados como tentativas de renovação da linguagem cinematográfica, ele propôs, desde seu primeiro longa de ficção, O rei da noite, em 1975, um cinema estruturado a partir de uma narrativa comprometida com a presença de personagens e não de abstrações. Seu cinema, desde aquele primeiro momento, sempre buscou, também, a correção formal e situações que revelassem dados importantes para a compreensão de uma época. Lúcio Flávio, o passageiro da agonia, realizado em 1977, não se limitava a ser um excelente filme policial, pois também tentava revelar ao público as entranhas de um sistema autoritário. A competência de Babenco lhe permitiu uma carreira internacional com O beijo da mulher aranha, Ironweed e Brincando nos campos do senhor. O primeiro destes três filmes consagrou o ator protagonista, William Hurt, que ganhou a Palma de Ouro em Cannes e o Oscar da Academia de Hollywood. Babenco voltaria a Cannes com Carandiru, um dos maiores êxitos de bilheteria do cinema brasileiro. Seu novo filme, Meu amigo hindu, é claramente autobiográfico, na medida em que reconstitui a dura luta do diretor para enfrentar um câncer, afastar a mais indesejada das ameaças e voltar ao trabalho. E também por colocar em cena um desfile de imagens que evidenciam suas influências e admirações como criador cinematográfico.
É interessante como tal retrospectiva é organizada. Assim como já havia acontecido em O beijo da mulher aranha, temos em cena um ator norte-americano, o que certamente contribuiu para a discutível opção pelos diálogos em inglês. Agora é a vez de Willem Dafoe, com muitos importantes filmes na carreira, e que também costuma frequentar os palcos. Ele atuou, ao lado de Mikhail Barishnikov, inclusive no Rio de Janeiro e em São Paulo, na peça A velha, que Robert Wilson escreveu a partir de uma narrativa do autor russo Daniil Kharms, uma das vítimas do stalinismo, morto num campo de prisioneiros com 36 anos de idade. Dafoe vive em cena, com outro nome, o próprio Babenco. A matriz de todos os filmes nos quais acontecimentos vivenciados pelo narrador dominam a narrativa é Oito e meio, de Federico Fellini, citado, por sinal, num diálogo de Meu amigo hindu. Bob Fosse, em All that jazz, também havia prestado sua homenagem ao italiano, algo que depois igualmente seria feito por outro coreógrafo e cineasta, Rob Marshall, em Nine. A citação a Bergman, através do jogo de xadrez com a morte, e as homenagens a Laurel e Hardy e a Gene Kelly completam o painel pelo qual Babenco tenta mostrar que há algo que o tempo, este implacável e impiedoso agente, não consegue apagar.
A presença da morte, representada por um burocrata entediado, acompanhada por uma figura caricata que simboliza a deformação esculpida pelo passar dos anos, é uma das irreverências praticadas pelo cineasta em seu novo filme. Algumas delas surgem como provocações que parecem ser apenas tentativas de escandalizar a plateia. Talvez não seja apenas isso. É que elas acontecem quando, na festa do casamento, o protagonista já está ameaçado pela morte próxima e externa sua inconformidade através de agressões. Mas também é possível classificar aqueles diálogos como desnecessários, o que certamente não poderá ser dito da cena da reação do personagem diante do médico, quando recebe a notícia de que terá pouco tempo de vida se não se submeter a um tratamento que mesmo assim poderá ser ineficaz. Mas o ponto que assinala o início da vitória da vida e da arte é quando o protagonista se transforma em personagem de O beijo da mulher aranha, passando a narrar e a encenar momentos de grandes aventuras cinematográficas. E se nem sempre o diretor consegue mesclar com a perfeição desejada realidade e imaginação, a cena final é convincente ao se aproximar da alegria do renascimento e prestar homenagem, além de Cantando na chuva, aos epílogos de Morangos silvestres e A rosa púrpura do Cairo, de Woody Allen, outro cineasta que costuma falar dele próprio sem esquecer de lembrar as fontes que sempre lhe inspiraram.
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