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Direitos Humanos

- Publicada em 25 de Fevereiro de 2016 às 17:25

Violência sexual:um crime sem testemunha

 Empresas &Negócios - Responsabilidade Social - violência contra mulher - visualhunt divulgação

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VISUALHUNT/DIVULGAÇÃO/JC
Uma das principais dificuldades de quando se fala em processos envolvendo agressão sexual diz respeito à produção de provas para embasar a denúncia contra o agressor. Por ocorrer, geralmente, em ambientes domésticos ou ermos, sem a presença de testemunhas, a comprovação dos fatos para o embasamento processual se torna, muitas vezes, difícil.
Uma das principais dificuldades de quando se fala em processos envolvendo agressão sexual diz respeito à produção de provas para embasar a denúncia contra o agressor. Por ocorrer, geralmente, em ambientes domésticos ou ermos, sem a presença de testemunhas, a comprovação dos fatos para o embasamento processual se torna, muitas vezes, difícil.
Em razão disso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu em 114 acórdãos que o depoimento de vítimas de crimes contra a liberdade sexual tem valor de prova, uma vez que o delito é praticado sem a presença de testemunhas e pode não deixar vestígios. Além disso, em se tratando de crianças e adolescentes, é aconselhado coletar os relatos através da modalidade "depoimento sem dano", o qual é realizado por um psicólogo em uma sala especial.
Existe uma maior sensibilidade no Judiciário ao julgar crimes de estupro ou assédio sexual, principalmente quando vitimizam crianças e adolescentes. Uma pesquisa feita com os 350 processos de crimes sexuais em trâmite, em 2015, na 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), constatou que as faixas etárias mais abusadas são de cinco (29%), nove (31%), 11 (31%), 12 (40%) e 13 anos (39%).
Mecanismos de prevenção e punição são desenvolvidos para fomentar menores índices de violência na infância. Todavia, a violência sexual contra a mulher ainda é bastante tolerada, pois ainda se julgam as vestimentas, o horário e o local no qual a vítima se encontrava. O desembargador José Antônio Daltoé Cezar, da 7ª Câmara Criminal do TJRS, ressalta já ter visto processos nos quais os juízes fizeram perguntas como: Qual roupa você estava vestindo aquele dia? Você tinha bebido? Você havia ficado com alguém naquela semana? Com quantos anos você perdeu a virgindade?. Contudo, ele acredita não ser perversidade do operador de Justiça, sim falta de capacitação. "A pessoa não se dá conta de que está em frente a uma vítima, que está com dificuldade de falar e que não tem de expor sua intimidade. Se ela era virgem ou não, isso não permite que seja violentada", ressalta.
Para isso, o Estado investe em cursos para melhorar o atendimento das vítimas, abordando a forma de recebê-las, técnicas de depoimento mais humanizado e intervenções menos diretas, permitindo um relato mais livre. A Polícia Civil ofertou a instrução a 25 profissionais. "Os encarregados do primeiro contato com a vítima vão fazer o inquérito policial, ouvindo de maneira mais adequada a criança ou adolescente. O Judiciário também fornece cursos para juízes e servidores, que vão trabalhar na escuta de crianças e adolescentes durante o processo judicial", ressalta Daltoé.

Exposição das vítimas é um dos principais problemas

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VISUALHUNT/DIVULGAÇÃO/JC
Mestre em Ciências Criminais e integrante do Grupo Nacional Assessor da Sociedade Civil - ONU Mulheres, a advogada Lívia de Souza salienta que deveria haver, nos casos de violência contra a mulher, a mesma sensibilidade que se tem em casos de proteção da infância.
"A vítima tem de relatar a violação na frente da polícia, depois em uma audiência, depois em outra. Uma vez atendi uma mulher que havia sido violentada na frente do filho. Um ano depois do caso, ela tinha que falar tudo de novo, na frente de várias pessoas. Temos que repensar sobre a maneira que isso é feito e a sensibilidade de quem pergunta. Mesmo que se queira saber a verdade, tem maneiras e maneiras de se saber alguma coisa", explica.
Lívia também fala sobre o julgamento social ao qual a mulher é submetida. "Há a ideia de que ela é adulta, sabe se cuidar e ninguém a mandou estar de saia, estar na rua às 2h. Se a mulher não se cuidar, os homens vão violentá-la, porque é instinto de homem. É levado ao máximo o ditado 'segure suas cabras que os meus bodes estão soltos'", lamenta.
Em um estudo realizado pelo Sistema de Indicadores de Percepção Social (Sips), estima-se que, a cada ano, 0,26% da população brasileira sofre violência sexual, ou seja, há cerca de 527 mil tentativas ou casos de estupros no País. Já o Ministério da Saúde divulgou, em 2011, que o gênero feminino é vitimizado em 88,5% dos casos - 50,7% são crianças de até 13 anos; 19,4%, entre 14 e 17 anos; e 29,9%, de 18 anos ou mais.
Segundo a advogada, o alto nível de violação dos direitos das mulheres e o atendimento precário fazem com muitas mulheres escondam o abuso por vergonha. "Se você sofrer qualquer tipo de crime, todos vão te ver como uma vítima. Agora, quando é estupro, parece que ela se colocou em uma situação de violência. Ela deixou acontecer."

'Meninas e meninos precisam ser tratados da mesma maneira'

A questão de gênero também motivou uma pesquisa intitulada #Meninapodetudo. Desenvolvido pela Énois I Inteligência Jovem, em parceria com o Instituto Vladimir Herzog e o Instituto Patrícia Galvão, o estudo ouviu 2.285 jovens de 14 a 24 anos, com renda familiar de até
R$ 6.000,00, moradoras de 370 cidades brasileiras, para descobrir o que é ser menina no Brasil. O estudo destacou que 90% das entrevistadas já deixaram de fazer o que desejavam por medo, como sair à noite, usar determinada roupa e responder a uma cantada, sendo que 82% disseram já ter sofrido preconceito por ser mulher e 74% foram tratadas com diferença por conta do gênero.
Sobre a questão "A violência contra a mulher aparece em seu dia a dia? Como?", as entrevistadas não se sentem confortáveis no espaço público, pois a palavra rua foi a mais citada em todas as respostas. O local é visto como não seguro, e foi onde 94% já foram assediadas verbalmente e 77%, fisicamente. Por isso, temem utilizar as vias públicas. Um dos intensificadores do medo são os próprios pais, que estimulam os estigmas de que menina é frágil, enquanto menino é valente.
Lívia destaca a importância de dispositivos de proteção à mulher, mas adverte que terão um efeito ainda melhor quando forem amplamente debatidos no âmbito familiar e escolar. "Os pais precisam entender que os filhos têm de ser tratados da mesma maneira. Quando se define esses conceitos de que menino é viril, violento e aborda, enquanto menina é frágil, educada, doce e bonita, essa mentalidade cria uma vítima em potencial", afirma.