Disposição para trabalhar durante uma viagem de lazer, vontade de conhecer pessoas e alguma habilidade que seja útil no dia a dia de uma hospedagem. Estas são algumas das características para que turistas de qualquer nacionalidade possam permanecer entre 30 dias e quatro meses (ou mais) residindo de graça em albergues, hostels, pousadas e hotéis. No cardápio de destinos já se soma 174 países com alguma hospedaria disposta a receber viajantes interessados em trocar trabalho voluntário por estadia. E o número de empresas que oferecem esta alternativa (mais de 2 mil) tem atendido parte da demanda de pelo menos 140 mil pessoas em todo o mundo. "Desde que criamos um sistema de intermediação entre viajantes e meios de hospedagem, já registramos mais de 60 mil pernoites baseadas em moeda de troca", comenta o co-fundador da startup Worldpackers, Eric Faria.
Não importa qual é a habilidade do viajante, desde que ele tenha alguma que contribua para a "casa" que o recebe. "O trabalho voluntário pode ser realizado desde o atendimento na recepção até serviços de fotógrafo, cozinheiro, músico, eletricista, professor de yoga, entre outras mais de 30 alternativas", resume o empresário que atua desde 2014 na plataforma global de conexão entre viajantes e hoteleiros. "Eu queria viajar com pouco dinheiro e busquei uma solução na internet. Foi assim que pude conhecer São Paulo", conta a argentina Maria Cecilia Bogado (25 anos).
Desde o final de 2015, Maria trabalha voluntariamente durante três turnos da semana como recepcionista e ajudante na limpeza de um hostel localizado a poucas quadras da avenida Paulista. Conhecer novos lugares negociando a força de trabalho e recebendo em troca um quarto e café da manhã inspirou a viajante, que trabalha como designer industrial e de produto em Garupá Misiones, em seu país de origem. Além de aprender sobre gestão, empatia com clientes, e conhecer pessoas com quem debate sobre arte, turismo e outros assuntos em geral, a experiência tem enriquecido o campo profissional da argentina. "Mesmo que eu tenha trabalhado quatro meses em algo totalmente fora da minha área, voltarei com muitas ideias de produtos e serviços que se pode oferecer para beneficiar o turismo da minha região." Outra vantagem para Maria Cecilia foi a oportunidade de residir em um bairro nobre de São Paulo, sem ônus. "Para se hospedar próximo da avenida Paulista é muito caro, seria impossível de outra forma."
A economia é um dos motores que impulsionam o negócio de permuta. Enquanto um hóspede comum pagaria R$ 6 mil em média para garantir estadia (custo da diária em período de baixa temporada é de R$ 200,00 por pessoa) na Pousada Jacarandá, em Troncoso (Bahia), um voluntário desfruta do conforto do local apenas arregaçando as mangas algumas vezes por semana. "Em menos de um ano e meio, já recebemos 10 pessoas que nos ajudaram em diversos setores da pousada: desde o check-in e check-out na recepção até pintura e reforma da estrutura", comenta a proprietária, Anelice Sousa Costa. A pousada tem seis bangalôs, um jardim grande, espaço aberto, piscina, bar e restaurante.
De acordo com o co-fundador da Worldpackers, no caso da plataforma de conectividade, o voluntário paga uma taxa para reservar a oportunidade de estadia em troca de trabalho. "Funciona de forma simples: o interessado preenche um cadastro, onde descreve suas habilidades e destinos pretendidos e através do perfil sugerimos meios de hospedagem. Se o hostel confirma que existe vaga, cobramos a taxa, que é de no máximo US$ 100,00." Mas o valor pode ser bem menor (dependendo do local, gira em torno de R$ 50,00), e ainda é possível conseguir isenção. "Neste caso, a moeda de troca é ter 20 amigos que confirmem e passem referências sobre as habilidades do candidato", explica Faria.
Experiência aproxima hóspedes e empreendedores
Turismo Maria Cecilia Bogado Gomez na recepção do Hostel em que trabalha voluntariamente, com dois hóspedes Australianos foto arquivo pessoal
ARQUIVO PESSOAL/DIVULGAÇÃO/JC
Localizada em uma das praias mais cobiçadas do Brasil, Trancoso, na Bahia, a pousada Jacarandá procura um viajante que saiba fazer reparos e trabalhe durante quatro horas por dia, com direito a dois dias de folga. "Há vagas ainda para instrutor de yoga, que trabalhe por uma hora/dia e tenha uma folga por semana", lista a proprietária, Anelice Sousa Costa. "O tipo de trabalho varia de acordo com o que vou precisando", comenta. A pousada, que tem seis bangalôs e um jardim, oferece aos voluntários o café da manhã e o chá da tarde inclusos na estadia. "O melhor de tudo é ter sempre gente diferente trabalhando conosco e estar sempre fazendo novas amizades", opina.
"A primeira viajante que trabalhou por estadia em nosso estabelecimento hoje é uma de nossas melhores amigas", concorda o sócio-proprietário do Did's Hostel (em São Paulo), Guilherme Rovai. Atualmente, quatro pessoas residem no local em sistema de permuta. "Recepção calorosa é o nosso forte", garante o empresário, que apostou na ideia quando percebeu que o turnover do negócio é alto. "Antes de entrar para a plataforma, tínhamos funcionários contratados, mas, como neste segmento não existe um plano de carreira, geralmente o pessoal fica um tempo e segue para outro lugar no mercado", comenta. Hoje, Rovai trabalha com apenas dois funcionários e aumentou o número de vagas para voluntários, que, em geral, são "mais motivados" e que acrescentam positivamente na "energia" do hostel, sinaliza. "O hóspede se sente mais à vontade, o clima muda, pois ele percebe um ambiente mais animado e familiar." Dentre os voluntários que passaram pelo Did's, grande parte é de turistas estrangeiros.