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Teatro

- Publicada em 21 de Janeiro de 2016 às 21:45

Revivendo a commedia dell'arte

Menecmos (gêmeo) é como se chamava a peça do dramaturgo romano Plauto, que serviu de inspiração para A comédia dos erros, de William Shakespeare que, por sua vez, ambas ajudaram Carlo Goldoni a idealizar Os dois gêmeos venezianos, que Suzi Martinez adaptou, dirigiu e que cumpre temporada no Porto Verão Alegre, constituindo-se em mais uma estreia a ocorrer neste festival que, assim, rompe certo marasmo das reprises e reposições para trazer espetáculos novos ao público local.
Menecmos (gêmeo) é como se chamava a peça do dramaturgo romano Plauto, que serviu de inspiração para A comédia dos erros, de William Shakespeare que, por sua vez, ambas ajudaram Carlo Goldoni a idealizar Os dois gêmeos venezianos, que Suzi Martinez adaptou, dirigiu e que cumpre temporada no Porto Verão Alegre, constituindo-se em mais uma estreia a ocorrer neste festival que, assim, rompe certo marasmo das reprises e reposições para trazer espetáculos novos ao público local.
O risco de se assistir a estes textos ditos clássicos é esperar-se deles as mesmas características narrativas dos espetáculos concebidos contemporaneamente, em tempos de internet e de fragmentação temporal e espacial. Ora, para se poder usufruir um texto como o de Goldoni, há que se voltar um pouco no tempo e desfrutarmos do prazer de acompanhar uma intriga que é, ao mesmo tempo, comum e criativa, porque depende, não apenas do enredo em si mesmo, quanto da competência de um diretor - capaz de manter o ritmo do espetáculo - e de um elenco - hábil suficiente para trazer graça a seus personagens.
Neste caso, em que pese a referência aos gêmeos, aqui vividos por Luciano Pieper, na verdade a grande figura em cena é o Arlequim, interpretado por Henrique Gonçalves (não por acaso, ele é quem aparece em primeiro lugar no rol de intérpretes do programa de encenação). E isso ocorre, de certo modo, por uma ironia do destino, ou melhor, da história da dramaturgia e, sobretudo, da história do espetáculo teatral ocidental: Goldoni tinha fortes restrições à comedia dell'arte, que considerava um espetáculo menor, graças às suas improvisações, muitas vezes de mau gosto e à repetição de seus tipos, como o arlequim, a colombina, o doutor etc. Para derrubar esta (que considerava má) tradição, Goldoni resolveu desenvolver uma dramaturgia que, embora guardasse as referências a tais tipos, aprofundaria os traços psicológicos e emocionais, transformando os tipos em personagens, permitindo-lhe, pois, analisar mais profundamente as contradições dos caracteres humanos.
Foi um prolífico dramaturgo: de certo modo, alcançou seus intentos, mas, com o passar das décadas, seu nome acabou ligado justamente ao gênero que queria fazer desaparecer. Certamente, o dramaturgo por vezes deve se revolver na cova, mas o que fazer? A sabedoria popular resolveu bem a questão. É provável que, sem a dramaturgia de Goldoni, tais tipos se tivessem perdido nas sombras da história dramática, justamente porque os textos de tais espetáculos não eram escritos, transmitindo-se tais tradições de geração para geração.
Graças a Goldoni, fixaram-se os tipos no texto dramático, as figuras - embora criticadas, continuaram presentes no palco - e a tradição se perpetuou. Esta é a importância, pois, de se poder assistir a um texto como Os dois gêmeos venezianos: uma peça deste tipo fez e faz, ainda hoje, a passagem entre dois tipos de espetáculos teatrais, ambos imprescindíveis para a tradição: aquele que valoriza o espetáculo e aquele que defende a importância do texto.
Goldoni acabou ficando no meio termo, e com isso garantiu a ambos: o enredo de Os dois gêmeos venezianos é simples, simplório mesmo, até porque se repetiria e se reinventaria nas comédias de costumes que atravessariam o século XIX e invadiriam o século XX. Mas é através deste tipo de enredo que podemos conhecer os usos e costumes cotidianos de determinadas sociedades, no caso, a italiana do século XVIII, em que os interesses grosseiros e imediatos, na maioria das vezes, venciam sobre os ideais e as utopias (aliás, é assim que ficamos reconhecendo, também, que a humanidade sempre teve tais comportamentos e desvios). Neste caso, Goldoni ousa matar um personagem, mas ao contrário da tragédia, que aqui se esboçaria, consegue, através de um subterfúgio que, um século depois, o folhetim ressuscitaria e que sobrevive até hoje nos folhetins eletrônicos da televisão, garantir o divertimento e um final feliz: a potencial viúva perdeu o possível noivo, mas encontrou um irmão. E o irmão, por sua vez, garantiu uma noiva e uma irmã, sem trair a nenhuma das duas... Quando vamos encontrar um final feliz assim nos enredos contemporâneos?
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