A intenção final não era ter um negócio, mas a ideia funcionou e passou a ser levada a sério

Mudança de planos: o bico virou meu ganha-pão


A intenção final não era ter um negócio, mas a ideia funcionou e passou a ser levada a sério

Imagine precisar de dinheiro para pagar um MBA e seu trabalho não cobrir as despesas. Ou, então, pintar a vontade de passar três meses na Bahia, mas sem precisar recorrer à ajuda financeira de terceiros. Qual a solução? Vender algum produto? Fazer um bico? Imagine agora que essa venda dê tão certo que vire um negócio, e, consequentemente, sua principal fonte de renda.
Imagine precisar de dinheiro para pagar um MBA e seu trabalho não cobrir as despesas. Ou, então, pintar a vontade de passar três meses na Bahia, mas sem precisar recorrer à ajuda financeira de terceiros. Qual a solução? Vender algum produto? Fazer um bico? Imagine agora que essa venda dê tão certo que vire um negócio, e, consequentemente, sua principal fonte de renda.
Uma das cenas descritas no início da reportagem foi vivida por Marcelo Machado, 32 anos, que há uma década, após voltar da Tailândia, resolveu passar três meses em Morro de São Paulo (BA). Junto com amigos, produziu 400 calças em Porto Alegre para pagar as despesas e as levou na mala. Deu tão certo que todas foram comercializadas e hoje ele é um dos donos da marca Budha Khe Rhi. "Não queríamos ficar explorando o dinheiro dos 'coroas'", lembra.
Atualmente, a marca tem 10 lojas espalhadas pelo País. Além do Rio Grande do Sul, a franquia já chegou a São Paulo, Mato Grosso, Espírito Santo e Ceará.
O nome da empresa faz referência ao buda que sorri. Nas lojas, a inspiração da Tailândia predomina. "A essência é respeitar a natureza, fazer o bem e disseminar mensagens positivas", explica Machado. A Budha foi uma das primeiras empresas do Sul a oferecer descontos para quem fosse à loja de bicicleta. "Incorporamos a ideia de capitalismo consciente", defende ele, que também preside a Câmara de Dirigentes Lojistas Jovem de Porto Alegre (CDL Jovem). Agora, na Budha Khe Rhi, o carro-chefe de vendas fica com as camisetas. O leque de produtos oferecidos também inclui óculos, vestidos, shorts, bermudas e alpargatas. Segundo o empresário, o negócio cresceu 75% somente em 2014. Cada franquia fatura em média R$ 100 mil por mês.
Depois do começo um tanto curioso e muita experiência acumulada, Machado entende que o grande desafio do empreendedor é lidar com as pressões do dia a dia, sem perder a vontade de trabalhar. "Reconhecer quando tu erra, dar dois passos para trás quando o caminho te leva para o muro e não parar na estrada: tudo isso é empreender", sugere.
"O sujeito que usa formas de sustentar pequenos desafios, de forma natural, com pouca consequência e risco, aumenta a capacidade de compreensão de sua natureza e autonomia", diz Luis Humberto de Mello Villwock, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs) e coordenador da Rede Inovapucrs. Segundo ele, essa prática é comum em outros países. "Nossa cultura é muito voltada para o emprego, estabilidade, concurso público, trabalhar numa grande empresa", acrescenta, sobre o Brasil.
Professor Villwock ressalta que a experiência de Machado poderia ter se limitado ao período na Bahia, não fosse um detalhe: "o nível de ambição, preparo e adequação".
Características e condições que podem, sim, surgir ao longo do processo empreendedor, e não precisam estar atreladas à elaboração de um plano.

Poupança para MBA estimula produção de doces de mãe e filha

A publicitária Jaqueline Turco, 28 anos, precisava de ajuda para pagar o MBA. Com o salário de analista de marketing em uma rede de artigos e roupas infantis, não conseguiria bancar os estudos. Pensando em resolver isso, navegou na internet, encontrou uma receita de trufas e passou a complementar a renda vendendo os doces caseiros no trabalho. Quase um ano depois, abandonou o emprego fixo para se dedicar exclusivamente à Chic Chocolate, que hoje não apenas vende trufas, mas também bolos de pote e cones trufados.
O microempreendimento nasceu em março de 2014, e com total apoio da família, a começar pela mãe. Luiza Turco, 60, perdeu a conta de quantas madrugadas ficou em claro com a filha - primeiro para testar as receitas, depois para produzir as encomendas. "Eu sempre disse que ajudaria no que ela precisasse", conta. Sete meses depois, com o auxílio do pai e da irmã, ambos contadores, Jaqueline formalizou o negócio e deu nome à empresa.
Em fevereiro, tomou a decisão de sair do emprego. "Eu tinha quatro anos de empresa e não tinha sido promovida. 'Por que não usar o conhecimento que tenho na minha própria empresa?'", questionou. Enquanto se debruçava na cozinha, a mãe vendia as guloseimas pelas ruas do bairro Passo d'Areia, em Porto Alegre, onde moram. Elas também atendem festas particulares com um bar de brigadeiros, serviço em que o convidado monta o doce como preferir.
Há cerca de quatro meses, a Chic Chocolate adquiriu uma food bike que, além de ecologicamente correta, ocupa pouco espaço e carece de baixo investimento - se comparada com um food truck. O gasto foi de aproximadamente R$ 5 mil. "Todo mundo que olha a bike nos elogia, achando legal, dizendo que nunca tinha visto", conta Jaqueline.
O único problema com relação às "bicicletas de comida" é que Porto Alegre ainda não tem legislação específica para o conceito. A publicitária diz que, até agora, só conseguiu a intenção de alvará da Secretaria Municipal da Produção, Indústria e Comércio (Smic). "Mas eu não posso ficar esperando a liberação sentada. Preciso divulgar a nossa marca na rua." Ela e a mãe já pedalaram até um parque da Capital para vender os doces da Chic Chocolate. "Foi muito bom! A gente vendeu bastante e ainda fechamos uma parceria para participar de um evento e de um casamento", diz Jaqueline, orgulhosa.
Segundo ela, em outubro, a empresa comercializou cerca de 150 bolos de pote e 120 cones trufados. Sobre as trufas, produto oferecido no princípio da empresa, ela observa uma queda nas vendas - foram 80 no mês passado. As pessoas não gostam? "Gostam, mas, hoje em dia, tem trufa em tudo o que é lugar. O pessoal gosta mesmo é de novidade, como o nosso bolo de pote", afirma.
Quanto ao MBA, Jaqueline ainda está cursando. Deve terminar no semestre que vem.

Uma oportunidade nas férias dá origem à Hope

O libanês Nissim Hara, em 1956, trabalhava carregando caixas em uma transportadora em Nova Iorque. Certo dia, recebeu o telefonema de um tio, dono de uma empresa de construção civil no Brasil, pedindo-lhe que passasse 10 dias cuidando de seus negócios no Rio de Janeiro.
Hara, na época, tinha 22 anos. Quando o tio voltou de viagem, o libanês não quis retornar aos Estados Unidos. Um amigo lhe apresentou outro amigo que fabricava calcinhas, e os dois viraram parceiros. O negócio foi um sucesso e deu origem à marca Hope, que hoje está presente em 18 países com suas lingeries.

Alfajores para pagar as contas e o surfe

Cansado de Porto Alegre, a intenção de Jeison Scheid era se mudar para Garopaba, em Santa Catarina, e arranjar uma maneira de ganhar dinheiro para pagar as contas e surfar. Foi assim que criou a Odara Alfajores Artesanais. Odara, aliás, significa paz de espírito e tranquilidade.
"Não pensei como negócio, fui sem plano nenhum. Foi um tiro no escuro, sem ambição total", conta. A experiência começou em 2013, quando ele ficou na cidade de novembro a maio de 2014. Funcionou e virou seu trabalho.
Hoje, de volta à capital gaúcha - já que no inverno o movimento em Santa Catarina cai -, vende cerca de 5 mil unidades de alfajores por mês. A distribuição, em Porto Alegre, ocorre em mais de 60 pontos.
Atualmente, a empresa é que dá sustento a Scheid. Outras quatro pessoas trabalham para o negócio e há interessados para revender no Brasil inteiro. As vendas continuam em Santa Catarina, onde tudo começou. "Hoje, vamos dois fins de semana por mês repor os alfas e surfar", revela, não eliminando a possibilidade de voltar a morar no local.

BOM SABER...

Segundo o professor da Pucrs, Luis Humberto de Mello Villwock, “o ato de empreender é uma das coisas mais maravilhosas que o ser humano pode usufruir”. Segundo ele, a autonomia é sinônimo de liberdade. “Se sujeitar a fazer o que patrão quer, em vez da vontade própria, é uma violência.” #descubraoseuramo