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energia

- Publicada em 26 de Outubro de 2015 às 16:45

Brasil investe em tecnologia nuclear

Estudos que pesquisadores desenvolvem sobre a estabilidade de materiais nucleares que compõem os reatores aumentam a segurança do processo

Estudos que pesquisadores desenvolvem sobre a estabilidade de materiais nucleares que compõem os reatores aumentam a segurança do processo


MARCELO G. RIBEIRO/JC
O tema é polêmico. Não há como falar em energia nuclear sem mencionar episódios dramáticos que marcaram a história, caso do bombardeio de Hiroshima e Nagasaki, na Segunda Guerra Mundial, e acidentes radioativos como os ocorridos nas usinas de Chernobyl, na Ucrânia, em 1986, e de Fukushima, no Japão, em 2011. No entanto, a tecnologia que causou tragédias também é utilizada para salvar vidas e gerar a tão sonhada energia sustentável. E é nesta segunda opção que muitos países querem apostar, inclusive o Brasil.
O tema é polêmico. Não há como falar em energia nuclear sem mencionar episódios dramáticos que marcaram a história, caso do bombardeio de Hiroshima e Nagasaki, na Segunda Guerra Mundial, e acidentes radioativos como os ocorridos nas usinas de Chernobyl, na Ucrânia, em 1986, e de Fukushima, no Japão, em 2011. No entanto, a tecnologia que causou tragédias também é utilizada para salvar vidas e gerar a tão sonhada energia sustentável. E é nesta segunda opção que muitos países querem apostar, inclusive o Brasil.
A fonte nuclear envolta em uma nuvem de estigmas também permite a realização de diagnósticos e terapias para pacientes e se transforma em recurso de energia limpa. E, no que depender do esforço de diversos países, entre eles o Brasil, é a serviço da saúde e do abastecimento sustentável que esta tecnologia estará focada. Hoje, três grandes projetos estão na linha de frente do governo brasileiro: a instalação de novas usinas nucleares, o que inclui a conclusão de Angra 3, a construção do Reator Multipropósito Brasileiro (RMB) para a produção de radiofármacos e o desenvolvimento de reatores de propulsão naval.
Em março do ano passado, 35 países comprometeram-se a adotar uma aplicação mais rigorosa das regras internacionais de segurança nuclear, de forma a minimizar riscos de acidente e proteção contra ações terroristas. A determinação dessas nações, que são signatárias do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, é para que os reatores nucleares deixem para trás o papel de vilões e passem a ser vistos como solução para necessidades diárias da população. "A energia nuclear carrega um estigma que não se justifica mais hoje em dia", destaca Paulo Fichtner, professor titular do Departamento de Engenharia Metalúrgica e pesquisador da equipe do Laboratório de Implantação Iônica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs).
As técnicas nucleares em outras áreas, na verdade, já são velhas conhecidas do público, caso da radioterapia, utilizada em pacientes com câncer. Além de diagnósticos, exames e terapia de tumores, também são aplicadas em pessoas que sofrem de doenças renais, pulmonares, neurológicas e cardiovasculares, entre outras. O Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), em São Paulo, é o responsável por produzir a maior parte dos radiofármacos utilizados em cerca de 80% dos procedimentos adotados na Medicina Nuclear. Do reator IEA-R1, saem mais de 30 tipos diferentes, que permitem oferecer mais de 430 variações de serviços e a realização de 2 milhões de procedimentos, por ano, no Brasil, conforme dados da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen). Deste total, cerca de 30% são cobertos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
No entanto, o volume produzido pode crescer de forma exponencial ao eliminar a dependência de matéria-prima importada. Atualmente, apenas quatro reatores nucleares - no Canadá, na Holanda, na África do Sul e na Bélgica - atendem toda demanda mundial. Uma interrupção na produção do reator do Canadá já fez com que pacientes que dependem da Medicina Nuclear, inclusive no Brasil, ficassem sem atendimento por falta dos radiofármacos necessários.
O RMB, que terá investimentos estimados de US$ 500 milhões, não só garantirá a autonomia de fontes radioativas para a área da saúde como também possibilitará que os radioisótopos também sejam aplicados para produtos na indústria, em processos de proteção ao meio ambiente e desenvolvimento da agricultura, com a preservação de alimentos. A licença prévia para instalação do reator, que será feita em Iperó (SP), foi liberada em maio deste ano pelo Ibama, e a estimativa é que entre em operação a partir de 2020. No caso do projeto naval, a iniciativa permitirá não apenas a fabricação de submarinos nucleares voltados ao patrulhamento da costa do País. A usina de conversão de urânio Usexa, no Centro Tecnológico da Marinha, em São Paulo, também irá contribuir para que usinas como Angra 1, 2 e 3, quando em operação concomitante, sejam autossuficientes na conversão da matéria-prima.
 

Laboratório de Implantação Iônica da Ufrgs é referência

Fichtner  destaca importância de  identificar peças a serem substituídas antes que apresentem falhas

Fichtner destaca importância de identificar peças a serem substituídas antes que apresentem falhas


MARCELO G. RIBEIRO/JC
A questão da segurança e da vida útil dos reatores nucleares para utilização da energia é um ponto nevrálgico de todo o programa brasileiro. Para garantir essas condições, é preciso investir em testes que verifiquem a estabilidade dos materiais que compõem os reatores. "Ao receber irradiação, os materiais se deterioram, pois a sua estrutura atômica vai mudando continuamente, conforme o tempo de irradiação", explica Paulo Fichtner, professor titular do Departamento de Engenharia Metalúrgica e pesquisador da equipe do laboratório da universidade.
Assim, é possível detectar as peças a serem substituidas antes que apresentem falhas que possam levar a vazamento de material radioativo. Como nem toda a estrutura de um reator pode ser trocada, sua vida útil depende do tempo de resistência dessas peças fixas. Mesmo para o caso das peças que podem ser trocadas, é importante saber quanto tempo devem durar.
Nesse contexto, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) desempenha um papel fundamental. O Laboratório de Implantação Iônica do Instituto de Física da universidade contribui com o programa brasileiro por meio de estudos sobre a estabilidade de materiais nucleares. Utilizando feixes de íons energéticos, produzidos nos aceleradores do laboratório - um implantador de 500 kV e um acelerador tandem de 3 MV -, são simulados os danos por irradiação em componentes de reatores que são expostos a intensos fluxos de nêutrons, como no caso dos futuros reatores de propulsão naval que estão sendo projetados no País.
Ao lado do Laboratório de Implantação Iônica, a Ufrgs também possui um Centro de Microscopia e Microanálise. "Essa infraestrutura combinada de aceleradores e de microscopia eletrônica é extremamente vantajosa, pois permite uma sinergia entre produzir os danos e examinar em escala nanoscópica suas modificações na estrutura do material", destaca Fichtner. Além disso, o uso de íons permite simular, em pouco tempo, os danos causados por muitos anos de irradiação de nêutrons dentro de um reator nuclear, e isso sem qualquer risco, pois não há radioatividade.

Brasil tem potencial para crescer na agenda energética mundial

A volta da indústria nuclear à agenda energética de vários países coloca em evidência o potencial do Brasil. Hoje, segundo a Aneel, apenas 1,5% da eletricidade gerada no País se dá via reatores nucleares. Com a conclusão de Angra 3, esse percentual deve chegar a cerca 3%, segundo estimativa da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).
A expectativa é que novas plantas ajudem a diversificar a matriz brasileira e suprir a demanda necessária, principalmente junto aos grandes centros consumidores, minimizando, assim, as perdas na transmissão de energia por longas distâncias. Dados da AIEA mostram que o consumo per capita de energia elétrica no Brasil cresce muito - passou de 1.500 kWh/ano em 1990 para cerca de 2.700 kWh/ano em 2011.
De acordo com o professor Paulo Fischner, pesquisador da equipe do Laboratório de Implantação Iônica da Ufrgs, a universidade compartilha do esforço do País para ter, na energia nuclear, uma fonte de abastecimento sustentável, sem emissão de gases que geram aquecimento global, e que pode ser usada em diversas frentes, inclusive como potencial alternativa à crise hídrica que afeta a produção energética dos últimos anos.
"O Brasil busca uma matriz mais limpa, e a energia nuclear pode fazer parte desse cenário", acredita Fichtner, ao destacar que o País apresenta as condições necessárias. "Somos signatários das convenções internacionais de segurança nuclear, seguimos todas as regras da AEIA, temos a tecnologia adequada e a riqueza em minerais necessários para produzir o combustível nuclear, com urânio e tório em abundância." Essas características, destaca, reforçam a viabilidade de novas usinas nucleares no Brasil.
Outra perspectiva animadora para o futuro, afirma o pesquisador, são os acordos para o desenvolvimento da tecnologia de fusão nuclear, substituindo a de fissão, utilizada atualmente. No entanto, a tecnologia só é possível hoje em escala de laboratório, e ainda assim de forma pouco estável. Enquanto a mudança não ocorre, seguem os cuidados para dar o destino correto aos resíduos tóxicos e para aumentar a segurança e a eficiência para os novos reatores de fissão.

Descarte dos resíduos tóxicos gera controvérsias

A gestão e eliminação do lixo radioativo gerados no Brasil estão sob responsabilidade da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen). Conforme legislação em vigor desde 2001, o transporte de materiais radioativos, seja por via aérea, marítima, ou terrestre, deve cumprir as exigências de regulamentos nacionais para a segurança de produtos perigosos. A política de segurança, meio ambiente e saúde do Instituto de Engenharia Nuclear (IEN) da Cnen conta com os programas de Monitoração Ambiental e de Gerenciamento de Rejeitos Radioativos, e com os planos de Proteção Radiológica e de Emergências.
Entre as avaliações, estão medições da dose gama ambiental. De acordo com o instituto, os resultados atestam que não têm ocorrido impactos por radiações ionizantes. "As emissões atmosféricas oriundas do processo de produção de radiofármacos, após passarem por filtros especiais, são avaliadas para assegurar que os efluentes gasosos não apresentem índices superiores aos recomendados pelas normas", diz o IEN.
Para os ambientalistas do Greenpeace, o processo de geração de energia nuclear ainda expõe a população a riscos de doenças fatais. A organização argumenta que, desde a extração, passando pelo transporte até o descarte do material radioativo, diversos acidentes são registrados ao redor do mundo. O único propósito defendido pela ONG é a reestruturação do setor nuclear brasileiro para o uso seguro da energia nuclear com fins medicinais. O Programa de Mudanças Climáticas e Energia do WWF-Brasil também entende necessária a modificação da matriz energética, "deixando de lado opções poluentes e perigosas, como as fontes baseadas em combustíveis fósseis e nuclear". Estudo do WWF-Brasil apresentado em setembro deste ano defende um programa de transição acelerada das fontes fósseis para a solar fotovoltaica. O argumento é que, além de ser oito vezes mais barata do que a geração térmica fóssil, no final de cinco anos, a participação da energia solar na matriz nacional aumentaria em 7% (hoje é de 0,01%).