Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

semana da consciência negra

- Publicada em 18 de Novembro de 2015 às 21:43

Quilombos urbanos comemoram 10 anos

Comunidade do Areal, na travessa Luiz Guaranha, também é reconhecida como remanescente do povo negro

Comunidade do Areal, na travessa Luiz Guaranha, também é reconhecida como remanescente do povo negro


JONATHAN HECKLER/JC
Dez anos após o reconhecimento do primeiro quilombo urbano do País - o quilombo dos Silva - contra a especulação imobiliária, o Areal da Baronesa também conquista a titulação de seu território. O presidente da Associação Comunitária e Cultural Quilombo do Areal, Alexandre Ribeiro, conta que a luta da comunidade durou mais de 12 anos. Porto Alegre, assim como as demais cidades da América Latina, está repleta de locais que expressam a história dos povos negros que foram tirados do continente africano para serem escravizados.
Dez anos após o reconhecimento do primeiro quilombo urbano do País - o quilombo dos Silva - contra a especulação imobiliária, o Areal da Baronesa também conquista a titulação de seu território. O presidente da Associação Comunitária e Cultural Quilombo do Areal, Alexandre Ribeiro, conta que a luta da comunidade durou mais de 12 anos. Porto Alegre, assim como as demais cidades da América Latina, está repleta de locais que expressam a história dos povos negros que foram tirados do continente africano para serem escravizados.
A pouca visibilidade destes espaços e a falta de entendimento destas culturas favorece a manutenção do racismo, de acordo com o historiador Tata (pai, em tradução literal) Edson Lembafurama - ligado aos povos bantus, que ocupam a metade sul da África. O historiador contextualiza a questão da territorialização dos quilombos através da problemática que envolve a dizimação dos povos escravizados no País. "O holocausto da escravidão não pode ser visto a partir do Brasil, tem que ser visto como um holocausto que aconteceu no Brasil. Os povos vieram de algum lugar e foram fazendo suas resistências, uma das formas foi o quilombo."
A palavra quilombo tem origem na língua quimbundo, falada pelos antepassados de Lembafurama. "A expressão quilombola tem, em solo brasileiro, uns 300 anos, mas quando falarmos dos bantus tem 40 mil anos", explica.
Pioneiro, o quilombo da família Silva está localizado em umas das áreas de maior valorização da Capital, o bairro Três Figueiras. Desde 1999, ocorreram reiteradas tentativas de remoção através de intensa disputa judicial. Com a intensificação da disputa no ano de 2005, um projeto de lei do legislativo garantiu a inclusão de áreas remanescentes de quilombos ao conjunto de bens de imóveis do Plano Diretor.
Apesar do acréscimo da área no plano dar legitimidade ao espaço do ponto de vista jurídico, o que define o território como um quilombo é a auto declaração da comunidade. O proponente do projeto do quilombo dos Silva e presidente da Comissão de Urbanização, Transportes e Habitação, vereador Carlos Comassetto (PT), explica o processo. "Incluir no Plano Diretor diz respeito ao ponto de vista da legalidade. Do ponto de vista da existência, eles se auto definem através da Fundação Palmares."
O advogado da Frente Quilombola do Rio Grande do Sul, Onir Araujo, afirma que a Palmares tem a atribuição de fazer o registro dessas declarações. Ele critica a burocracia criada e atribui a interesses políticos esses processos administrativos. "A Palmares deveria meramente fazer o registro da auto definição, mas hoje o trâmite exige uma vistoria na comunidade e a instituição não goza de recursos orçamentários para tanto", critica.
Com as mobilizações, que adquiriram caráter internacional, favoráveis à família Silva, juntamente com a sansão do projeto pelo Legislativo, o local também foi marcado como área de interesse social através de decreto assinado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em outubro de 2006, após diversas decisões da Justiça.
Atualmente, a região de mais de 6 mil m2 está gravada no Plano Diretor e a família conta com a posse de sua terra, desde 2009. Além da auto declaração, também é preciso solicitar a demarcação do território junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O último passo, a titulação do território, se dá com a incorporação da área ao Plano Diretor da cidade e com a entrega do título à comunidade.
Lembafurama observa que ao gravar um povo em um território também se marca naquele local elementos culturais fundamentais intrínsecos a ele. "Com isso existe a oportunidade de naquele lugar existir a manutenção de sua compreensão linguística, de sua visão de mundo, seus valores civilizatórios, a sua soberania alimentar e a sua compreensão cultural", afirma.
Para ele, através disso se resgata um povo, mesmo que tenha sido dizimado por um conceito histórico. "Quando se consegue ter a concepção de ser de um povo, se consegue equalizar as várias esferas de direitos. E quando se consegue ter os direitos em cima de um território, isso assume um outro peso, de retomar o seu conceito cultural", explica Lembafurama.

Areal da Baronesa comemora titulação

O mais recentemente reconhecido quilombo na Capital, o Areal da Baronesa, fica na travessa Luiz Guaranha, da Cidade Baixa. A efervescência do Carnaval de rua passa por lá anualmente, e este é um dos fatores que também levaram a ser estabelecida como área especial de interesse cultural pela Câmara de Porto Alegre.
A declaração da comunidade foi reconhecida pela Fundação Palmares em 2003. Doze anos depois, o documento que passa a área à associação de moradores está a caminho. É o último passo na luta que teve início com Gessi Fontoura, conhecida como Dona Duda, moradora do areal há 40 anos. No dia da aprovação do projeto que gravava a área do quilombo no Plano Diretor da cidade, Dona Duda estava na Câmara. Emocionada, preferiu não falar. Passada a data, ela conta que voltar para a sua casa sabendo que o território seria da comunidade foi maravilhoso, isso indicou a superação dos obstáculos que ela combateu por toda a vida. "Em meados de 2002 começou um boato de quem iam tirar a gente da Guaranha, aí já tínhamos a associação de moradores e precisávamos fazer algo para não nos tirarem o que é nosso", conta.
Na época Dona Duda era presidente da associação e explica que a luta foi lenta, mas que não havia possibilidade de desânimo. "Não desisti, tinha que continuar na mesma trilha. É um direito das pessoas. A prefeitura não pode vir tirar o que é nosso e nos botar lá para o fim do mundo. Tem que trazer os jovens para eles aprenderem a lidar com aquilo que vai ser deles amanhã. Eu não vou durar toda a vida", brinca. Alexandre Ribeiro herdou a luta de Dona Duda.
Ao assumir a presidência da associação de moradores há seis anos, não imaginava que o reconhecimento demoraria tanto. "Pensei em desistir. Na reunião, sempre a mesma coisa: está andando. Mas onde? Chegava aqui, olhava para as crianças, as idosas, e pensava como vou largar agora? Elas me davam força."
No ano passado, a comunidade do Quilombo do Areal participou de solenidade de encaminhamento da regularização das áreas pleiteadas. O então ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas (PT), veio ao ato que reconheceu as terras como remanescentes de quilombo.
Atualmente a comunidade é só alegria. O clima familiar que impera na travessa Luiz Guaranha se intensificou com as consolidações da luta. "Aqui pode ser um quilombo urbano, mas mais do que isso é um quilombo acolhedor. Acolhemos a todos que chegam", explica Ribeiro.

Ônibus Territórios Negros recupera percurso histórico

Constituído, em 2011, por iniciativa de professores da rede municipal, o ônibus dos Territórios Negros mostra a estudantes a cultura dos povos africanos e a relação com a Capital. Com o apoio da Secretaria Municipal de Educação e da Companhia Carris, o projeto se inspirou nas Caminhadas Poéticas, do professor Oliveira Silveira, um dos fundadores do Grupo Palmares.
O trajeto se inicia na Rua dos Andradas, no Centro Histórico, a partir da Praça Brigadeiro Sampaio, antigo Largo da Forca. Lá, 18 escravizados foram degolados. O local foi ressignificado pela obra de um conjunto de artistas, o Tambor, que integra o Museu do Percurso do Negro. O ônibus segue até a Igreja das Dores, construída na frente do pelourinho, onde ocorriam os açoites. No Mercado Público, é contada a história do Bará, que encontra-se assentado no centro do prédio.
A colônia africana também é visitada. Os bairros Rio Branco e Moinhos foram a morada dos negros após a alforria. A questão da segregação espacial da população negra é exposta e problematizada através da história do local. Conhecido como Redenção, o Parque Farroupilha, é relacionado com a redenção dos povos negros. O percurso passa ainda pela Ilhota, região na qual o poeta Lupicínio Rodrigues nasceu, pelo Areal da Baronesa, e pelo Largo Zumbi dos Palmares, ponto de encontro da cultura negra.
O projeto também tem parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que oferece cursos a professores da rede pública. Desde 2003, por lei federal, a disciplina de história e cultura afro-brasileira é obrigatória nos ensinos fundamental e médio. O Territórios Negros já atendeu mais de 30 mil estudantes.