O empreendedorismo em todas as etapas do ensino

Vamos pensar sobre educação?


O empreendedorismo em todas as etapas do ensino

Apropriar empreendedorismo ao ensino, do colégio à universidade, é uma tendência global para disseminação da cultura empreendedora. Mas o ensino do empreendedorismo por si só perpassa uma questão bem mais profunda: o próprio ensino.
Apropriar empreendedorismo ao ensino, do colégio à universidade, é uma tendência global para disseminação da cultura empreendedora. Mas o ensino do empreendedorismo por si só perpassa uma questão bem mais profunda: o próprio ensino.
Para começar a discussão, o modelo de educação formal que conhecemos hoje está estabelecido em bases de dois séculos atrás. Esta escola criou uma sociedade que não se adapta ao que o mercado de trabalho precisa: pessoas criativas e inventivas, com iniciativa e autonomia para tanto. É o que aponta o professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Fernando Becker, que é mestre em Educação e doutor em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano.
A raiz desta defasagem está justamente onde vamos para buscar a formação intelectual desde cedo. “A escola que nós temos não propicia a autonomia. Porque a autonomia é justamente produzir um pensar próprio, não somente consumir um pensamento que já está pronto.” Isso começa na estrutura escolar, que se organiza de tal forma em que o aluno deve cumprir essencialmente três tarefas: prestar atenção, copiar e repetir.
Em Porto Alegre já surgiram algumas propostas alternativas ou complementares à ideia do ensino regular. Uma delas é a Escola Convexo, onde alunos são ensinados a “pensar fora da caixa” e potencializar lideranças desde a infância. A escola, que funciona no turno inverso ao da escola regular, já tem duas unidades na Capital. A primeira, fundada em 2013 no Lami, e a mais recente, a ConvexoLAB, lançada há um mês no Centro Cultural Vila Flores, no 4º Distrito.
Segundo Bruno Anicet Bittencourt, 25 anos, idealizador da Convexo, até adultos estão querendo participar. Inspirada nos grandes centros de aprendizagem do mundo e com abordagem social, a Convexo propõe a formação de lideranças, potencialização da criatividade e espírito empreendedor em crianças. Bruno, que também é administrador de empresas, conta que a ideia de unir empreendedorismo e educação nasceu quando ele percebeu que as escolas regulares estavam mais focadas em fazer com que os alunos decorassem o conteúdo formal das matérias do que mostrar sua relação com cotidiano deles. “Queremos trabalhar com assuntos já conhecidos pelas crianças, ensinar que tudo o que elas aprendem na Convexo pode ser aplicado às diferentes realidades a que elas pertencem”, conta o jovem. Junto com a amiga Onilia Neia Araújo, 40, resolveu investir na ideia da escola, que agora já tem planos de abrir também no Rio de Janeiro. 
Segundo o professor Fernando Becker, o impacto do modelo de escola regular é muito mais amplo na construção da sociedade. “A escola comum produz um indivíduo subserviente, obediente, que faz o que mandam e, quando não gosta do que mandam, não inventa outra alternativa”. Deste modo, o ambiente escolar não valoriza o erro - imprescindível para empreender - e ainda discrimina quem não se enquadra neste sistema. Além disso, o ensino de disciplinas de forma fragmentada prejudica que se entenda a dimensão de totalidade de uma ciência. Isto, segundo o professor, deixa o aluno “imobilizado” para criar algo novo. “O conhecimento, quanto mais complexo, mais cheio de articulações, tanto melhor. O máximo da complexidade dá o máximo de mobilidade”, pontua.
Trazer o empreendedorismo para o ensino, portanto, é uma tarefa que demanda discutir e colocar em pauta a maneira como isso será feito. “Ensinar empreendedorismo como se ensina História e Geografia não vai criar empreendedores. Empreendedorismo exige atividade, ação criativa”, resume o professor.

'A escola está produzindo um antisujeito'

GeraçãoE - Por que a escola pouco impulsiona que se assuma a autonomia?
Fernando Becker - Autonomia é justamente pensar com cabeça própria e produzir um pensar próprio, não somente consumir um pensamento que já está pronto. Essa é a grande diferença. A escola que nós temos, neste sentido, é extremamente conservadora, rejeita mudanças. Professores são hostilizados, muitas vezes pelos próprios colegas, quando querem tentar novas formas de ensinar. E como é que os adolescentes, por exemplo, se sentem nesta escola? Entediados. Aqueles que não suportam isso, por serem mais ativos, acabam se incompatibilizando.
GE - Nesta escola, como age o professor?
Becker - Ele dá conhecimentos prontos, fragmentados, e avalia se o aluno repetiu o conteúdo corretamente. E a pergunta é: que produção tiveram o aluno e o professor ali? Conhecimento autêntico é aquele que é produzido: tu usas o que está disponível e gera novidade. É isso que a escola deve fazer, mas ela só reproduz. Desta forma fragmentada, o significado desaparece. E o aluno fica ali, sem saber o que fazer com a aritmética, imobilizado. A escola faz isso com a Geografia, a História, o Português, a Matemática, a Química, a Física. Além de não produzir, ela ainda provoca aversão. O pior disso é que ela tem amplo apoio dos pais. Os pais querem que o professor dê tema, faça repetir. O conhecimento verdadeiro é o que mostra a realidade do momento em que se vive.
GE - Qual a diferença em ensinar o empreendedorismo nas escolas?
Becker - Se for ensinar do mesmo jeito que se ensina outras coisas, não vão sair dali empreendedores. Irão sair pessoas sem iniciativa. Empreendedorismo exige atividade, ação criativa. O professor que quiser ensinar o modelo precisa organizar ações que envolvam e desafiem o aluno. Imaginar iniciativas, realizar iniciativas imaginadas. E acho que o adolescente tem muita abertura para este tipo de atividade. Ele faz valer as ideias próprias.
GE - O aparecimento de escolas de proposta alternativa é visivelmente uma carência do sistema?
Becker - Deve ser a reação em perceber que a escola está produzindo este tipo de sujeito, que, aliás, é um antisujeito. Sujeito é aquele que faz e está sempre corrigindo o seu fazer. A escola produz um indivíduo subserviente, obediente, que só faz o que mandam e, quando não gosta do que mandam, não inventa alternativa.
GE - Como o mercado recebe esse perfil de indivíduo?
Becker - As empresas notaram que este tipo de pessoa não serve. Elas estão desesperadamente atrás de gente criativa, inventiva, que ao mesmo tempo seja sociável e que conviva bem com os outros. A escola convencional está deixando um vazio ao que as empresas precisam e procuram.

Incubadora no Ensino Médio

O Colégio João Paulo I e o Grupo Cinco TI resolveram aliar uma inquietação comum para criar o projeto Cotton&Beans, iniciado em agosto. Funciona como uma incubadora dentro da escola.
Os amigos de infância - inclusive colegas de colégio - Eduardo Ferret, que é professor da escola, e Ramiro Martini, presidente do grupo, tinham a mesma vontade de inserir o empreendedorismo no contexto escolar. "Nós dois estávamos batendo papo e discutindo sobre como sentimos falta de algo neste sentido. Resolvemos, então, propor uma vivência ao primeiro e segundo anos do Ensino Médio", conta.
Cinquenta estudantes se inscreveram para as 12 vagas oferecidas. Com tamanha procura, a seleção foi feita através de um desafio. Hoje, o Cotton & Beans é composto por sete estudantes, divididos em três equipes.
Sob a metodologia de open innovation e croudsourcing, os alunos trabalham em soluções pontuais para algumas demandas do grupo empresarial. "A ideia aqui é que o empreendedorismo exercido por eles vá de fato para a rua. O mote do projeto é justamente executá-lo", expõe Martini. Os jovens desempenham, com total liberdade, tarefas que ocorrem em ordem cronológica e aumento de dificuldade, que são avaliadas e valem pontos.
De acordo com Martini, trazer os adolescentes para o ambiente de trabalho é uma via de mão dupla em termos de motivação. "Para a gente, está sendo superbacana conviver com sugestões de pessoas ainda imaturas, mas com ideias muito mais frescas e criativas do que a gente consegue alcançar no dia a dia", ressalta.
A próxima etapa prevê que se obtenha uma sala de aula dentro do colégio para ambiente de inovação. Assim, as outras 43 pessoas que ficaram de fora terão um espaço específico para desenvolver o empreendedorismo.
 

Startup gaúcha oferece aulas via internet

Passa pela reformulação do ensino a reflexão sobre as formas de expor os conteúdos. A startup gaúcha Aulalivre.net viu nas plataformas digitais de vídeo-aulas uma forma de empreender oferecendo soluções para o atual contexto da educação. As aulas são voltadas a candidatos ao Enem e vestibulares, mas sem o custo alto dos cursinhos pré-vestibular, atraindo principalmente jovens da classe C. A estratégia une seleção de professores com nomes reconhecidos nos cursinhos presenciais do mercado gaúcho e pacotes de cursos mensais (R$ 24,99), semestrais (R$ 98,94) ou anuais (R$ 149,88). O Vestenem foi o primeiro produto comercial lançado, e gera receita há um ano. Nele, há também materiais gratuitos.
A iniciativa foi fundada pelos sócios Juliana Marchioretto e Eduardo de Lima e Silva. As aulas da startup já tiveram mais de 30 milhões de visualizações, e hoje são 480 mil inscritos no Youtube.
 
*contribuíram Lucilene Athaide e Patrícia Comunello